Tribunal atendeu a pedidos do MP e entendeu que não existem provas de que jovens planejaram cometer crimes em protesto contra aumento da tarifa na capital paulista; caso de detidos em 1º protesto está na Justiça Federal
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) arquivou a investigação contra cinco jovens que foram detidos ainda na concentração do segundo ato contra o aumento da tarifa, convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), em 18 de janeiro.
Os pedidos de arquivamento partiram do Ministério Público de São Paulo (MPSP) em dois momentos e ambos foram acatados pela Justiça. Primeiro, ainda em fevereiro, a promotora Flavia Alice Cherubini Fogaça Braga se manifestou contra a prisão preventiva dos cinco, solicitada pela delegada Sabrina Rodrigues de Almeida, e pediu o arquivamento da apuração do crime de associação criminosa por entender que a Polícia Civil não apresentou provas de que os detidos, ao portarem objetos cortantes como faca e tesoura, tinham planejado cometer crimes durante o protesto.
Apesar de a delegada ter autuado os cinco também por “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito”, a promotora não considerou esse crime na sua manifestação.
Na ocasião, Flavia Braga ainda entendeu que o crime de resistência, atribuído ao manifestante Michael Douglas de Souza Carvalho, que foi detido dentro do metrô, deveria ser apurado no Juizado Especial Criminal (Jecrim), por ser uma infração de menor potencial ofensivo, ou seja, a pena de detenção varia de dois meses a dois anos de reclusão. A juíza Giovanna Christina Cola, do Forum Criminal da Barra Funda, concordou em 7 de fevereiro.
Já no Jecrim, o promotor Roberto Bacal requereu o arquivamento do inquérito sobre o crime de resistência porque a Polícia Civil não demonstrou “qualquer referência à forma de violência eventualmente empregada” por Michael no momento da detenção. O juiz Fabricio Reali Zia também acatou o pedido e a decisão foi proferida na segunda-feira (11/3).
Como a Ponte mostrou, os cinco fora detidos na saída da estação República do metrô, já que na praça estava acontecendo a concentração do segundo protesto contra o reajuste da tarifa de R$ 4,40 para R$ 5 em metrôs e trens, anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em janeiro. Eles participariam da manifestação.
Com os detidos, foram atribuídos os seguintes objetos que, para polícia, representavam “risco a integridade física vez que podem ser usadas como verdadeiras armas ao serem arremessadas contra alguém”. Os nomes mencionados são de jovens que a reportagem acompanhou a abordagem no local:
- Ana Laura Zerlim: duas facas
- Jovem de 23 anos: três escudos com palavras de ordem;
- Matheus de Moura Nascimento: uma tesoura;
- Michael Douglas de Souza Carvalho: uma tesoura, um estilete, três “explosivos plásticos” (aqui são os fogos de artifício) e seis pilhas grandes;
- Vinicius Brito: uma faca
Lá, eles foram indiciados por associação criminosa e tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito — sendo este último um dos crimes que ficou conhecido por conta das acusações e condenações contra pessoas que participaram dos atos golpistas e dos ataques aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Além desse crime, a associação criminosa é apontada por pesquisadores como forma de criminalizar o direito de protesto.
Em audiência de custódia, os cinco foram soltos mediante pagamento de fiança de R$ 1 mil e cumprimento de medidas cautelares: comparecimento trimestral ao fórum, manter endereço atualizado e não se ausentar da cidade por mais de oito dias sem autorização prévia. Com o arquivamento do inquérito, eles não precisam mais seguir essas medidas.
Caso de detidos no primeiro protesto vai para Justiça Federal
Outras 13 pessoas, porém, ainda aguardam um desfecho sobre uma investigação parecida. Elas foram detidas pela Polícia Militar, em 10 de janeiro, na saída da estação República do Metrô, que fica a aproximadamente 500 metros do Theatro Municipal, no centro de São Paulo, onde o primeiro protesto convocado pelo MPL estava se concentrando.
A PM alegou que suspeitou dos jovens por conta de vestimentas pretas “típicas de atuação de manifestantes ‘BLACKBLOCKS’ (sic)” e depois, com a revista, do porte dos seguintes objetos:
Jovem negro de 23 anos: gaze;
Jovem negro de 20 anos: um porrete com pregos, dois canivetes, uma corrente, uma tesoura, uma faca, um soco inglês adaptado, um gatilho de metal;
Jovem branco de 21 anos: um martelo;
Jovem negra de 21 anos: um canivete e um soco inglês adaptado;
Jovem branco de 25 anos: uma pedra, uma faca e um canivete;
Jovem negro de 19 anos: um estilete e um alicate de corte;
Jovem branca de 21 anos: uma garrafa de gasolina, uma garrafa de álcool e duas garrafas de vinagre;
Adolescente branca de 17 anos: um canivete;
Adolescente branco de 16 anos: um soco inglês adaptado;
Adolescente negro de 17 anos: um canivete e uma faca de costura;
Adolescente negro de 17 anos: uma corrente, uma faca e um soco inglês adaptado;
Adolescente negro de 16 anos: um isqueiro, um soco inglês adaptado, uma lata de spray e um objeto metálico diverso;
Adolescente branca de 17 anos: dois canivetes.
Sete deles foram indiciados por tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, associação criminosa e por corrupção de menores. Seis adolescentes foram detidos e autuados por atos infracionais análogos pelo delegado Alexandre Henrique A. Dias. As penas desses crimes variam de um a oito anos de prisão e pagamento de multa.
Em audiência de custódia, eles foram liberados mediante uso de tornozeleira eletrônica, proibição de comparecer a manifestações com aglomeração de pessoas, permanecer em casa no período das 22h às 6h, não se ausentar da cidade sem autorização, manter endereço atualizado e comparecer mensalmente ao fórum.
O caso foi remetido à Justiça Federal em 27 de fevereiro pela juíza Carla Santos Balestreri, que atendeu ao pedido do Ministério Público estadual. O promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza argumentou que o crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito é classificado contra a soberania nacional e por isso ficaria a cargo do tribunal federal analisar o caso.
A Procuradoria Geral de Justiça se manifestou contra a continuidade da investigação e a considerou “uma ação kafkaniana, com enxertos autoritários, e sem qualquer base probatória”. “Admitir a continuidade deste tipo de procedimento e nestes termos pode levar a consequências que podem ser consideradas abusivas conforme se examine”, escreveu o procurador Marcio Sergio Christino.
O juiz Massimo Palazzolo, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, pediu avaliação do Ministério Público Federal (MPF) antes de dar uma decisão, o que ainda não aconteceu.