Justiça arquiva investigação sobre mortes de jovens atribuídas ao Bonde do Moacir

Famílias denunciam execução de Antony, de 16 anos, e Rian, 23, em Itu, no interior paulista, em maio de 2024. Para MP-SP, policiais civis agiram em legítima defesa

Antony, de 16 anos, e Rian, 23, forma mortos em uma ação do Bonde do Moacir | Foto: Arquivo pessoal

A investigação sobre as mortes de Antony Juan Nascimento Lisboa, de 16 anos, e Rian Gustavo Alves de Campos, 23, pelo Bonde do Moacir — como é chamado um grupo de policiais civis investigados por denúncias de execução, agressões e tortura em Itu, no interior paulista — foi arquivada.

As famílias de Rian e Antony denunciam que os jovens foram executados e que os investigadores dificultaram o resgate às vítimas. “A gente está fazendo nossa parte, que não é aceitar. A gente não está mentindo, e sim pedindo justiça, porque o que eles fizeram foi muita maldade”, desabafa Rosemary Alves de Campos, 48, mãe de Rian. Em abril, Rosemary relatou ter sido ameaçada por um guarda municipal da cidade ao denunciar o caso.

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Para os promotores do Ministério Público paulista (MP-SP) Luiz Carlos Ormeleze e Alexandre Augusto Ricci de Souza não havia no inquérito elementos suficientes que apontem a ocorrência de crime. Para o MP-SP, o Bonde do Moacir matou Rian e Antony sob a “excludente de ilicitude” da legítima defesa. A decisão pelo arquivamento foi confirmada pelo juiz Hélio Villaça Furukawa no último dia 15.

Eram investigados pelas mortes os investigadores da Polícia Civil Bruno Bolpete Ceccolini e Moacir Cova. Moacir foi eleito vereador de Itu no último pleito com 2.881 votos, sendo o mais votado no Podemos no município.

Rian e Antony foram mortos em maio do ano passado. Testemunhas ouvidas pela Ponte à época do crime relataram que Rian não estava armado — e que a arma encontrada com ele teria sido “plantada” pelos policiais.

Intimidações 

Em depoimento à Polícia Civil, a mãe de Rian contou que o marido encontrou Moacir Cova na delegacia após a morte do filho. O pai questionou o policial sobre o porquê da morte e não da prisão e teria ouvido do investigador que não havia necessidade, mas quis matar. Rosemary também contou que, dois dias após a morte, Bruno passou na frente da casa onde ela vive e fez um gesto de coração. Ela relatou também que Moacir passou em frente ao trabalho do primogênito da família cerca de um mês após a morte de Rian e passou a encarar o jovem.

A avó de Antony contou em depoimento que o neto vinha sendo perseguido por Moacir Cova. O adolescente teria relatado que, em uma abordagem, foi agredido por Moacir e teve uma unha do pé arrancada. As famílias de ambos os jovens denunciaram à Polícia Civil omissão de socorro por parte de Bruno e Moacir, que teriam impedido que os socorristas do SAMU chegassem até as vítimas.

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A avó de Antony foi ao Instituto Médico Legal (IML) reconhecer o corpo do adolescente e notou que a boca dele estava cheia de terra e que, além das lesões dos tiros, Antony tinha ferimentos pelo corpo. A mesma descrição foi feita pela mãe do adolescente em depoimento. 

‘Troca de tiros’

Em depoimento, os agentes alegaram ter sido recebidos a tiros durante uma operação para combater o tráfico de drogas no Conjunto Habitacional Vila Lucinda. O local é conhecido apenas como CDHU (sigla para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), na periferia da cidade.

Moacir e Bruno disseram ter recebido a informação de que uma área de mata próxima ao CDHU era usada para o fechamento das vendas e contagem de drogas. Ainda no depoimento, os investigadores afirmaram ter ido ao local e se esconderam no meio da mata. Por volta das 20h, um trio chegou ao local e, segundo os agentes, dois deles estavam armados. 

Os policiais teriam sido alvo de disparos quando o trio notou sua presença. Moacir e Bruno reagiram atirando e ferindo Rian e Antony. Os jovens foram levados à Santa Casa de Itu, onde as mortes foram constatadas. A terceira pessoa descrita pelos investigadores teria conseguido fugir. No local também teriam sido localizadas drogas e anotações indicativas do tráfico de drogas.

MP defende versão dos policiais 

Os promotores argumentaram que a versão dos policiais é verossímil. Eles defendem que os familiares admitiram que a ligação de Rian e Antony com o tráfico de drogas e que, no momento da abordagem, a dupla poderia ter atirado contra os policiais, que revidaram.

A denúncia da família sobre uma possível tortura contra Antony foi considerada pouco crível pelos promotores. A dupla defendeu que, por ser um local ermo e de difícil acesso, era improvável que alguém tenha testemunhado a abordagem. As famílias de Rian e Antony contaram em depoimento que testemunhas descreveram a tortura a elas, mas pediram para não serem identificadas por medo.

Segundo o MP-SP, um revólver calibre 32 e munição foram encontrados com as vítimas. Apesar disso, o exame residuográfico — que busca vestígios de disparo de arma de fogo — foi inconclusivo. Já a perícia feita na arma apontou que havia indícios de disparos recentes feitos com ela. 

O depoimento de uma testemunha que contou ter sido levada por Moacir até os corpos de Rian e Antony foi “analisado com reserva” pelos promotores. O relato dizia que o jovem ainda foi torturado e teve a prisão por tráfico forjada. A preocupação dos promotores foi justificada pelo denunciante ter feito acusações contra os policiais e pelo fato dele já ter sido condenado por tráfico. Essa prisão anterior foi destacada no pedido de arquivamento.

A mesma ressalva não foi direcionada ao depoimento de duas pessoas, que, mesmo apontadas pelas famílias como testemunhas oculares, disseram à Polícia Civil não terem visto nada.

‘Claramente em óbito’

O MP-SP entendeu que os policiais não dificultaram o atendimento aos jovens. Com base no depoimento de um enfermeiro da Santa Casa de Itu, para onde Rian e Antony foram levados, os promotores concluíram que os policiais chamaram o resgate imediatamente após os disparos. O pedido de arquivamento diz ainda que o local onde os corpos estavam era de difícil acesso, não sendo possível o uso de maca. A falta de iluminação no local também teria dificultado o socorro às vítimas. 

As famílias de Rian e Antony questionam o porquê da remoção dos corpos, já que, para eles, os jovens já estavam mortos quando o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) chegou ao local. Essa atitude prejudicou a realização de uma perícia, tida como fundamental para os familiares.

Para o MP-SP, os jovens foram levados ao hospital porque não foi possível constatar as mortes no local. A equipe do SAMU não tinha médicos, apenas uma enfermeira e técnicos de enfermagem. Um deles disse em depoimento à Polícia Civil que os jovens não tinham pulso no momento em que foram localizados e outro disse que as vítimas “estavam claramente em óbito”.

Um dos técnicos de enfermagem disse que os corpos foram removidos do local por determinação dos policiais. Contudo, os promotores consideram o depoimento dele divergente dos demais membros da equipe de saúde. Estes afirmaram que a remoção ocorreu por determinação do médico de plantão no SAMU.

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Por sua vez, o médico regulador que trabalhava de forma remota e orientava a equipe de rua, disse que o pedido atendeu a uma recomendação do Ministério da Saúde para casos como esse. Ele afirmou ter sido informado pela enfermeira que prestava o socorro, que os jovens estavam em parada cardiorrespiratória. Assim, o protocolo determina que as vítimas sejam levadas ao hospital.

O Inquérito Policial Militar (IPM), procedimento que apura possível crime militar na ação dos policiais, teve a mesma conclusão e inocentou os policiais de qualquer suspeita de omissão.

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