Justiça concede liberdade a mãe que foi presa por vender ‘brisadeiros’ no MA

Juíza considerou “princípio da proteção à primeira infância” para revogar prisão preventiva de mulher negra de 19 anos que ficou presa por 21 dias por fabricar brigadeiros à base de maconha; Ponte contou a história dela nesta quarta (30)

Foto dos brigadeiros à base de maconha que jovem vendia e divulgava em rede social | Foto: Reprodução / Instagram

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) concedeu, nesta quinta-feira (31/8), a liberdade a uma jovem negra, de 19 anos, mãe de uma criança de quatro, que havia sido presa em 10 de agosto por vender brigadeiros à base de maconha, conhecidos como “brisadeiros”, na cidade de Imperatriz.

A juíza Denise Pedrosa Torres, da Central de Inquéritos e Custódia de Imperatriz, acolheu o pedido da Defensoria Pública e entendeu que Luana (nome fictício) preenche os requisitos para responder à investigação fora das grades. “Ficou suficientemente demonstrado, ao menos neste momento processual, que a autuada tem uma filha de 04 (quatro) anos que vive com ela e depende dos seus cuidados, não possui antecedentes criminais e a quantidade de maconha apreendida aparentemente é incerta, porque estaria misturada com manteiga, leite condensado e outros ingredientes dos doces”, escreveu.

Ela faz referência ao laudo preliminar do Instituto de Criminalística da Polícia Civil que não especifica pesagem dos itens apreendidos na ocasião (uma porção de maconha sem indicação de quantas gramas havia, um caderno rosa de anotações, um cinzeiro com a logomarca que ela havia criado para a venda dos “brisadeiros”, uma balança de precisão, 12 “brisadeiros”, um pote contendo substância pastosa esverdeada também sem pesagem e o celular de Luana).

No documento é descrito um “massa bruta total: 761g (setecentos e sessenta e um gramas – embalagem + material)”, em que não é especificado de que item se trata. A massa utilizada para o exame foi de três gramas e, segundo o texto, foi retirada da porção de maconha, já que o pote e os “brisadeiros” foram encaminhados ao Instituto Laboratorial de Análises Forenses em São Luís para análise.

A magistrada também utilizou “o princípio da proteção integral à primeira infância”, que é referente à Lei 13.257/2016 — que mudou o Código de Processo Penal a fim de garantir o exercício da maternidade de mulheres em conflito com a lei. Por isso, ela aplicou medidas cautelares, ou seja, regras que Luana precisa seguir para responder o inquérito em liberdade:

  • Comparecimento bimestral em fórum, com início em outubro, para informar e justificar suas atividades pelo prazo de um ano;
  • Proibição de frequentar locais onde exista a consumação e venda de bebidas alcoólicas; bares; boates; casas de shows; bocas de fumo e/ou ambientes semelhantes, pelo período de um ano;
  • Proibição de se ausentar da comarca por prazo superior a 15 dias, sem prévia autorização judicial, pelo prazo de um ano;
  • Recolhimento domiciliar noturno, das 22h às 6h do dia seguinte, pelo período de seis meses. Se ela conseguir um trabalho fixo, ela precisa juntar informações nos autos e pedir autorização judicial para adequar os horários;
  • Monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica, pelo prazo inicial de 100 dias, sem prejuízo de eventual prorrogação;
  • Retirar imediatamente das suas redes sociais qualquer referência a venda de doces contendo entorpecentes.

Na decisão, a juíza determina que se a unidade prisional não tiver disponível tornozeleira ou se a jovem não souber indicar um contato telefônico, “a unidade prisional deverá colocá-la em liberdade e imediatamente e agendar, desde logo, dia e hora para retornar para colocar o equipamento”.

À Ponte, a ex-sogra de Luana, que é avó paterna da filha dela, comemorou a decisão. “A gente estava muito aflito com ela naquele lugar e eu não tenho nem palavras para expressar a gratidão pela Defensoria, pelo [movimento] de direitos humanos, a repercussão do jornalismo. Foi uma alegria muito grande mesmo. Meu coração está tão nervoso, mas é de alegria.”

A ex-sogra afirmou que a jovem está numa casa de passagem e deve viajar nesta sexta-feira (1/9) de volta para casa.

Entenda o caso

Luana foi presa na porta de casa na cidade de Imperatriz, em 10 de agosto, quando fazia uma entrega de “brisadeiros”. Investigadores da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) disseram que tiveram conhecimento de que ela fabricava e vendia os doces à base de maconha pelas redes sociais e decidiram vigiar o endereço dela até que a abordaram no momento da entrega dos brigadeiros.

De acordo com o depoimento, Luana confirmou que produzia e vendia os “brisadeiros” e que estava fazendo uma entrega na porta de casa. Ela disse que faturava, em média, R$ 800 por mês e que fazia os brigadeiros à base de maconha há cerca de dois ou três meses, enquanto trabalhava pela manhã em uma tabacaria. As vendas eram feitas de forma física e online e ela entregava presencialmente ou por meio de carro de aplicativo. Ela disse que fazia tudo sozinha, vendia, em média, 30 “brisadeiros” por semana e que a porção de maconha prensada que tinha em casa havia comprado por R$ 10 de um homem desconhecido. O irmão dela, que presenciou a detenção, encaminhou a filha pequena à avó paterna.

No inquérito, não existem fotos do que foi apreendido, apenas a descrição: uma porção de maconha sem indicação de quantas gramas havia, um caderno rosa de anotações, um cinzeiro com a logomarca que ela havia criado para a venda dos “brisadeiros”, uma balança de precisão, 12 “brisadeiros”, um pote contendo substância pastosa esverdeada também sem pesagem e o celular de Luana. No site da Polícia Civil, o caso foi divulgado com uma foto das apreensões.

Foto dos brigadeiros à base de maconha que jovem vendia e divulgava em rede social | Foto: Reprodução / Instagram

Mesmo atendendo os requisitos da Lei 13.769/2018, que trata da possibilidade de conversão da prisão preventiva (sem tempo determinado, em que a pessoa fica reclusa sem poder sair da unidade prisional) de mulheres que são mães ou gestantes para prisão domiciliar, o juiz Frederico Feitosa de Oliveira, da 5ª Vara Cível de Imperatriz, decidiu converter a prisão em flagrante da jovem em preventiva na audiência de custódia que aconteceu dois dias depois da detenção e por videoconferência. 

No vídeo da audiência ao qual a reportagem teve acesso, o magistrado afirma que, como a criança foi encaminhada à avó, ela já estava sendo assistida, que uma análise socioeconômica e da vulnerabilidade da menina poderia ser feita depois, ao concordar com a promotora Patricia Fernandes Gomes Costa Ferreira sobre “o alto nível de periculosidade da conduta em relação aos doces” porque, segundo eles, se solta Luana poderia voltar a vender os “brisadeiros”.

“Me parece que isso é potencializado pelos doces principalmente numa casa onde já existe uma criança e é comum criança gostar de doce. Doce com drogas poderia afetar a própria filha dela e também a outras pessoas, né? Esses doces poderiam ser levados a escolas, a crianças, a famílias e a gente poderia pensar num tráfico de drogas atingindo não só adultos ou adolescentes, mas também crianças, mesmo que sem intenção. Então, tudo isso me aponta uma periculosidade que autoriza a decretação da prisão preventiva da presa”, justificou o juiz.

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Desde então, pessoas próximas à jovem, como a ex-sogra e uma amiga, tentavam buscar sua liberdade. Além disso, apesar de ter sido detida em Imperatriz, Luana foi transferida para uma unidade prisional da capital maranhense, que fica a cerca de 10 horas de viagem.

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