Em 2017, Felipe Terremoto registrava protesto do Movimento Passe Livre quando recebeu golpes de cassetetes, socos e uma cabeçada na boca; vídeo feito pela Ponte serviu como prova para decisão
Quatro anos depois, uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) reconheceu que a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) tem a obrigação de indenizar Felipe Terremoto, 24 anos, um dos jornalistas agredidos pelos seguranças da empresa, em 18 de julho de 2017, durante um protesto do Movimento Passe Livre, na estação Sé, localizada na região central da capital paulista. O valor da indenização? R$ 6 mil.
No mês passado, outro repórter fotográfico, Rogério de Santis, 44 anos, agredido na mesma ocasião pelos seguranças da estação Sé, teve seu pedido de indenização negado pela juíza pela juíza Ligia Dal Colletto Bueno, também do TJ-SP, que considerou que os seguranças agiram em “legítima defesa”.
Naquele dia de 2017, os repórteres fotográficos cobriam um protesto organizado pelo Movimento Passe Livre contra o aumento da passagem do transporte público, que se desdobrou em um “catracaço”, momento em que manifestantes pulavam a catraca para não pagar a tarifa.
“Os seguranças do Metrô agiram de forma bruta demais, sem necessidade”, lembra Felipe que, na ocasião, fazia cobertura para o site Jornalistas Livres. “Uma coisa é fazer contenção de manifestante, outra é agredir todos os adolescentes.” Ele conta que tentou registrar o momento em que um rapaz era contido no chão, mas os seguranças passaram a bater nele e em outros jornalistas para pegar suas câmeras. “Quando me agrediam, tentei me proteger segurando um dos bastões, mas eles continuavam me batendo”, conta.
Esse momento foi registrado pelo repórer fotográfico da Ponte Daniel Arroyo, que também fazia a cobertura. Nas imagens, Felipe é puxado e agredido com cassetete, tem a touca puxada e recebe tapas. Pouco tempo depois, o fotógrafo afirma que tentou sair do local e ir embora. “Quando já estava se acalmando, eu estava subindo em direção [à saída] da Igreja da Sé, dentro do Metrô ainda, um dos seguranças me viu e falou algo como ‘desce’ e me deu uma cabeçada do nada”, afirma. “Tudo escureceu do nada e, quando eu percebi, minha boca estava sangrando e ele disse ‘é isso que acontece com manifestante filho da puta’.”
Segundo Felipe, dois policiais militares, que não soube identificar, passaram pelo local e o ignoraram quando tentou denunciar a agressão. “Eu perguntei: ‘vocês não vão fazer nada?’ e um deles disse ‘você quer apanhar da gente também?'”.
O fotógrafo afirma que, por pouco, o dente não quebrou e que colegas do Jornalistas Livres tentaram proporcionar atendimento odontológico. “Eu senti ele [o dente] mole, preso pelo nervo só”, lembra. A filmagem gravada pela Ponte serviu como prova numa ação judicial que Felipe moveu, em julho do ano passado, contra a empresa pedindo indenização por dano moral no valor de 40 salários mínimos.
O juiz Daniel Torres dos Reis, da 2ª Vara do Juizado Especial Cível, decidiu condenar a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) ao pagamento de R$ 6 mil, com acréscimo de juros de 1% ao mês a partir da intimação. O magistrado argumentou que, pelos registros, “é incontroverso que houve um embate entre o mesmo [fotógrafo] e os agentes da ré [Metrô]” e que não aconteceu nenhuma tentativa da companhia expor as medidas que foram tomadas na ocasião. “Desta forma, forçoso acolher a alegação do autor [Felipe], uma vez que estava realizando a cobertura jornalística do evento e sofreu uma lesão na boca, tudo indica, em razão de agressão”, escreveu. “Mesmo que não fosse jornalista, uma agressão dentro da estação, supostamente por agentes de segurança contratados, deve ser esclarecida. E cabia à ré demonstrar em que circunstâncias o fato ocorreu, ou que não ocorreu, uma vez que o ambiente é monitorado”, prosseguiu.
O Metrô recorreu da sentença, mas também perdeu na segunda instância. No dia 7 de outubro, três desembargadoras da Sexta Turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital ratificaram a determinação de Torres dos Reis.
A relatora desembargadora Stefânia Costa Amorim Requena justificou que, mesmo o vídeo não tendo mostrado o momento da lesão na boca, as imagens evidenciaram que houve “ação extrapolada” dos seguranças, bem como nos registros fornecidos pelas câmeras de segurança do sistema de monitoramento interno, o que corrobora a versão do fotógrafo. “Sendo assim, não tendo a recorrente cumprido com sua obrigação de transportar o passageiro de modo a preservar a sua integridade, deve ser responsabilizada pelos danos suportados pelo recorrido. Evidente que as agressões e lesões corporais sofridas pelo recorrido lhe causaram abalo moral e psíquico, passível de indenização”, redigiu. O voto foi acompanhado pelas desembargadoras Claudia Carneiro Calbucci Renaux e Caren Cristina Fernandes de Oliveira.
Para Felipe, as decisões representam uma vitória coletiva. “A Justiça reconheceu que eu fui agredido, é uma pequena vitória, mas tem muito jornalista que está sendo caçado e limitado do seu trabalho, o que é um absurdo”, aponta.
Na contestação, a defesa do Metrô argumentou que não existiam provas do momento da lesão em Felipe e que ele não registrou boletim de ocorrência ou exibiu laudos médicos, além de que os funcionários atuaram para conter a “desordem” e “quebra-quebra”, usando, como justificativa o fato de o fotógrafo Rogério de Santis ter ultrapassado a catraca para fazer o registro e que esse tipo de comportamento faria os agentes se confundirem com os manifestantes que fizeram o “catracaço”.
Rogério também foi agredido por seguranças naquele dia, um deles foi identificado como Ícaro Cobuci. Os inquéritos na Polícia Civil e no Ministério Público foram arquivados e ele entrou com uma ação judicial também solicitando indenização por danos morais. A juíza Ligia Dal Colletto Bueno, do Tribunal de Justiça de SP, considerou o fotógrafo como único responsável por sofrer as agressões do segurança. A magistrada argumentou que Rogério pulou a catraca e, que devido às circunstâncias da manifestação de “algazarra e depredação de patrimônio”, as ações do segurança não configuraram excesso que enseje o dever de indenizar Rogério. Fora isso, a juíza declarou que o segurança agiu em “legítima defesa”.
O que diz o Metrô
A Ponte procurou a assessoria da companhia a respeito das decisões judiciais, das agressões a jornalistas e sobre a atuação de seguranças nas estações e aguarda uma resposta.