Justiça de SP concede liberdade provisória a educador acusado de tráfico de drogas

    Marcelo Dias estava preso há mais de seis meses, segundo familiares, acusado injustamente de integrar grupo flagrado com 5 kg de pasta base de cocaína

    Marcelo é recebido por familiares e amigos no Cursino, onde fica a ONG que preside | Foto: Arquivo pessoal

    Por Arthur Stabile e Jeniffer Mendonça

    “Oi gente, boa noite. É o Marcelo. Finalmente estou livre, feliz”. Assim o educador social Marcelo Dias, 39 anos, comemorou a liberdade provisória após passar 6 meses e 10 dias preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) 2 de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A saída aconteceu no fim da tarde de quarta-feira (19/12) com a presença de seus familiares, que o receberam de braços abertos.

    Negro, gay e budista, o educador era acusado de fazer parte de um grupo flagrado com 5 kg de pasta base de cocaína. Dois homens haviam deixado uma sacola na Rua Mario Grazini, no Cursino, zona sul de São Paulo, enquanto outros estavam em um táxi. Marcelo estava em seu carro e sinalizou a policiais militares que passavam pelo local sobre o objeto deixado. Ele foi acusado de integrar a quadrilha. Recai sobre ele acusação de tráfico de drogas e associação para o tráfico

    Marcelo relatou à época no 16º DP (Vila Clementino) que esses policiais foram perseguir a dupla, mas retornaram em seguida. Nesse momento, ele chegou perto da sacola para saber o que havia dentro, foi quando “uma pessoa de dentro do táxi, de voz masculina, gritou ‘não mexe, não mexe'”. Os PMs abordaram o educador e mais quatro suspeitos que estavam dentro do táxi.

    Familiares protestam desde então pela liberdade de Marcelo, por considerarem a prisão injusta. Nesta semana, uma nova advogada assumiu o caso e conseguiu a liberdade provisória. O argumento utilizado por Valdenia Paulino é de que Marcelo têm todos os elementos que justificam a liberação, como residência fixa, carteira assinada e é réu primário.

    “São seis meses de prisão. Juntamos requisitos que já existiam e questionamos o princípio da inocência e os requisitos de liberdade. Ambos ficaram de lado, vencidos pela presunção de veracidade na fala dos PMs”, explica a defensora da família, apontando que o MP concordou com a liberdade por encontrar contradições nos depoimentos dos PMs.

    Marcelo permaneceu mais de seis meses no CDP 2 de Pinheiros, em SP | Foto: Arquivo pessoal

    Em sua manifestação, a promotora de Justiça Paula Quaggio optou por revogar a prisão preventiva por concordar que a soltura não atrapalharia o decorrer do processo. “As provas produzidas em seu desfavor até o momento são frágeis e não apontam para condenação, o que será melhor analisado diante das perícias pendentes e por ocasião das alegações finais”, justifica Paula.

    Segundo a advogada de Marcelo, a perícia seguinte será a do celular dele e dos demais suspeitos. Ela solicitou a análise das ligações que, de acordo com sua tese, provarão a falta de ligação entre Marcelo e os demais. “Não tem vínculo associativo. Se ele estava de tocaia para receber uma encomenda deste tamanho de drogas, teria ligação com algum deles”, argumenta Valdenia.

    Alívio e natal salvo

    A liberdade de Marcelo Dias tranquilizou a família inteira. Nem mesmo sua mãe, Rosângela, sabia da saída do educador. Tanto que na quarta-feira (19/12), ela havia ido ao CDP 2 de Pinheiros levar o jumbo (comida e produtos de higiene entregue por parentes aos presos). Ao chegar em casa, encontrou a filha, Tatiana, com a notícia.

    “Minha mãe veio de lá e, quando chegou, voltamos correndo. Fez todos os trâmites como se o Marcelo não fosse sair. Minha mãe nem sabia, preferi não contar para não criar falsas expectativas”, conta Tatiana Dias, à Ponte, antes de detalhar o reencontro com o irmão, livre.

    Amigos levaram flores na sua chegada ao bairro | Foto: Arquivo pessoal

    “Fomos todos encontrá-lo, eu, minhã mãe, três primas… Chegamos na rua e foi aquela festa. Levamos a faixa dos protestos, combinamos de levar pelos grupos de WhatsApp uma galera, soltamos fogos… Foi muito emocionante, ele chorou, não acreditou que passaria o Natal em casa”, relembra.

    Marcelo e os parentes já davam como certa sua ausência nas festas de fim de ano. Para Tatiana, caso a liberdade não fosse concedida, Natal e Ano Novo perderiam totalmente o sentido de festa. “Comeríamos por comer, mas não estaríamos felizes, pelo contrário”, diz.

    Entretanto, a trágica realidade aguardada não se concretizou. Ao contrário, ganharam um presente antecipado. “Já ganhamos o nosso Natal”, considera, mostrando a alegria em ver o irmão fora da prisão. “Veio do CDP até em casa chorando. Está meio bobão, imagina a gente, então?! São 6 meses e 10 dias preso. Agora é respirar, fazer muito carinho, apoiar ele. Ver que é querido aqui, voltar para o território dele. É maravilhoso ver esse carinho com ele”, conta.

    Recebido por familiares, Marcelo chorou no caminho do CDP até sua casa | Foto: Arquivo pessoal

    Sempre mantendo a esperança

    A reportagem da Ponte trocou algumas correspondências com Marcelo durante o período em que ficou preso. Nelas, o educador contava da rotina e dizia que até mesmo os presos que dividiam cela com ele sabiam da injustiça cometida. “Aqui eles falam que na cela somos em 23 ladrão e 2 presos”, escreveu Marcelo, ainda em agosto, quando completava quase dois meses detido.

    Bem humorado, Marcelo contou que os dias estavam difíceis, mas que as orações e meditações o ajudavam a se manter centrado. “Na verdade não consigo explicar como me sinto, é um turbilhão de sentimentos e as vezes parece que estou num pesadelo e que logo logo vou acordar. Acredito que com as minhas orações tenho tido inúmeras proteções. Somente na delegacia que foram bastante rude comigo, os policiais não admitiram eu saber de alguns direitos básicos, ficaram bravos por eu ter advogados me defendendo e até me agrediram verbalmente quando descobriram minha condição sexual, lá foi o momento que mais senti medo de apanhar tanto dos policiais quanto dos dois rapazes que foram presos comigo pois eles ficaram na mesma cela na delegacia e isso ocorreu até a audiência de custódia e depois no CDP também”.

    Marcelo detalhou que foi aconselhado a ficar em Pinheiros 2 por ser gay e que por lá a convivência seria mais tranquila e também contou algumas situações diárias da penitenciária. “Por incrível que pareça não sofri até agora nenhum tipo de agressão pelos agentes e nem dos presos. A única coisa é a blitz e o bate chão que acontece de 3 a 4 vezes por semana de manhã. A blitz é desumana. Rasgam os colchões, travesseiros, desmontam toda a cela e depois os presos precisam reconstituir tudo, a cadeia já é difícil, imagina sem recursos se restabelecer. sei que essas blitzes são preventivas e para a nossa segurança pois procuram por facas, drogas etc”, relatou na carta.

    Por fim, em uma correspondência, Marcelo contou do R.O., o raio de observação, onde ficou por um período. “Lá conheci histórias incríveis e aprendi as regras preliminares de convivência na cadeia. Dentre elas, as mais importantes: ouvir mais e falar menos, falar a verdade e tomar cuidado com quem anda”, contou. “Estou me mantendo firme e forte”, escreveu certa vez Marcelo, que sempre teve convicção de sua inocência e de que seria libertado. Esse dia chegou.

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