Ação do MP acusava o Estado de omissão pela ausência de políticas públicas para localizar pessoas desparecidas; indenização coletiva será usada para fomentar associações que trabalham com a causa
O juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo Emílio Migliano Neto condenou o Estado de São Paulo a pagar indenização pelos desaparecimentos de pessoas que acabam sendo enterradas como indigentes. A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Estado que considera o Estado responsável na medida em que a omissão pela falta de polícias públicas específicas impediu que famílias conseguissem encontrar seus desparecidos. O MP aponta que a falta de integração entre os sistemas do Instituto Médico Legal (IML), do Serviço de Verificação de Óbito na Capital (SVOC) e da Polícia Civil configurou violação do direito à informação, à eficiência e razoabilidade dos atos administrativos e à segurança público-jurídica estadual.
Na decisão, Migliano Neto reconhece que há provas do que foi alegado pela promotoria. “São inúmeros os casos de indivíduos inumados como indigentes após dias de internação em hospitais públicos, e que eram procurados por seus familiares, conforme demonstram os boletins de ocorrência lavrados, nada justificando a inexistência de disponibilização de informação do óbito aos familiares”, diz trecho da sentença.
A promotora Eliana Vendramini, coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas do Ministério Público de SP, afirma que recebeu a notícia da condenação com alegria, especialmente pelas vítimas. “A gente fica muito feliz pelas vítimas, porque o desaparecimento impõe um sofrimento atroz aos familiares, a todos os envolvidos. E ele vem sendo regido de forma desconectada. Além disso, a temática é bem invisibilizada”, afirma a promotora.
Segundo Eliana, que há anos trabalha com o tema, no ano passado, houve registro de mais de 25 mil pessoas desaparecidas. Em 2016, esse número chegou a 28 mil. Ela destaca que o que está em jogo na ação são os desparecidos civis, ou seja, em plena democracia. “O familiar faz o boletim de ocorrência registrando o desaparecimento e mesmo assim, não há conexão por parte dos órgãos do Estado responsáveis por dar fazer esse encaminhamento. O que estou te dizendo é que se tratam de pessoas que foram encontradas mortas, necropsiadas, todas nominadas, mas enterradas como indigente. Mesmo tendo identidade, uma história, uma família”, critica. “É um neologismo que eu uso, mas é como se fosse um ‘redesaparecimento’. Elas aparecem mortas e o Estado desaparece com elas enterradas em terreno público”.
O juiz Emílio Migliano Neto também arbitrou danos morais coletivos no valor de R$ 250 mil que irão para um fundo que será usado para fomentar iniciativas e associações que trabalham, há pelo menos um ano, com a questão dos desparecidos. Eliana Vendramini deu como exemplo as Mães da Sé, que poderão ser beneficiadas. “Além disso, ele serve para indenizar famílias que se apresentem com dano reconhecido”, pontuou. Há prevista na decisão a indenização individual, que funcionará da seguinte forma: famílias que tem o boletim e o não reconhecimento do Estado terão o direito de pedir a execução desse pagamento para a Justiça, que a partir do que for apresentado vai quantificar o valor para cada caso.
A promotora também aponta que decisões como essa são importantes para trazer luz ao tema, uma vez que, assim como os desaparecidos na ditadura, há muito desconhecimento com relação aos sumiços atuais. “A gente vê um preconceito com relação às famílias que narram os desparecimentos de seus familiares. E isso é o mesmo que se imputou aos que sumiram no governo ditatorial. Os desparecimentos podem acontecer com qualquer um. Há os que morrem de morte natural, nas ruas, a família não é contatada, não é avisada. A gente precisa, como sociedade, acolher a causa e o Estado tem o dever de se organizar em rede”. explica Eliana Vendramini.
Procurada, a Procuradoria Geral do Estado de SP que informou que “o Estado não foi intimado dessa decisão”.