Justiça de SP decide se PMs da Rota que mataram jovem negro vão a júri popular

Mãe de Luiz Fernando Alves de Jesus, de 20 anos, morto em 2023, participou de ato no Fórum da Barra Funda hoje (12/5) de manhã. Três policiais da tropa de elite da PM paulista são réus por morte, fraude processual e omissão de socorro

Dois anos separam esta segunda-feira (12/5) daquele que foi o pior dia da vida de Sandra de Jesus Barbosa da Silva, de 41 anos. Em 2023, a pesquisadora social teve o filho Luiz Fernando Alves de Jesus, 20, assassinado. O jovem negro foi morto por policiais das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) — a tropa de elite da polícia de São Paulo.

Três policiais são acusados pelo crime e, nesta segunda, passaram por audiência de instrução. É no fim desta etapa processual que o juiz decidirá se os agentes vão ou não para júri popular. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) não permitiu a entrada da imprensa para acompanhar a sessão, alegando questões de segurança. A audiência teve início por volta das 13h.

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Foram ouvidas três testemunhas: Sandra, a delegada Aline Martins Gonçalves e o dono da motocicleta alvo do assalto. Uma nova audiência foi marcada para o dia 6 de agosto, às 13h.

‘Luta por todos os filhos’

Um ato em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda antecedeu a audiência. Vestindo uma camiseta com o rosto do filho, Sandra esteve cercada por mães que também perderam os filhos pela violência policial. Ela ressalta que o caso de Luiz Fernando é quase uma exceção, já que a maioria das mães não consegue sequer ver os algozes no banco dos réus.

O projeto Mapas da (in)justiça, elaborado pelo Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito São Paulo, analisou cerca de 800 processos envolvendo violência policial ocorridos entre 2018 e 2024. Deste total, nenhum policial foi responsabilizado por uma abordagem letal ou violenta. “A luta não é só pelo Luiz Fernando, é por todos os nossos filhos, porque quando uma mãe perde um filho, todas perdem”, disse.

A audiência acontece logo apóso Dia das Mães, data que há dois anos e três meses é de tortura para Sandra. “A luta de uma mãe é a pior luta que tem porque, independente do resultado, a gente não vence. Vencer seria trazer o meu filho Luiz Fernando de volta para casa e isso eu nunca vou ter.”

O ato em memória de Luiz Fernando em São Paulo esta manhã (12/5) contou com familiares de vítimas da violência policial em São Paulo e no Rio de Janeiro | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Homicídio, fraude e omissão de socorro

O sargento Richard Wellyngton Vetere responde pelo crime de homicídio qualificado, fraude processual e omissão de socorro. Já o cabo Filipe Rufino de Andrade é réu pelo homicídio. Um terceiro policial, o cabo Leonardo da Silva Carvalho, também foi denunciado pelo crime de fraude processual.

Luiz Fernando participava de um assalto a uma motocicleta acompanhado de um adolescente no cruzamento de um semáforo na Avenida Cecília Lottenberg, na Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), avisados da ocorrência por populares, o sargento Richard e o soldado Filipi passaram a atirar com fuzis contra o jovem mesmo antes de saírem da viatura. Os tiros acertaram as costas. 

A delegada Aline Martins Gonçalves, responsável pelo inquérito que indiciou os policiais, classificou essa ação como “ilegal dentro do ordenamento jurídico e contrária ao Regulamento da Polícia Militar”, porque os agentes não fizeram nenhum comando de ordem de parada ou verbalizaram “parado, polícia” — como previsto no procedimento da PM.

Leia também: Artigo | Carta aberta a todas as mães, pela vida de nossos filhos

O jovem ainda conseguiu correr por alguns metros em direção a uma praça, mas caiu no chão devido aos ferimentos. Foi neste momento que “sem a possibilidade de se defender e sem portar qualquer arma de fogo, foi novamente alvejado na região toráxica”, escreveu a promotora Luiza Favaro Batista na denúncia.

Para Luiza, o crime foi praticado com “recurso que impossibilitou a defesa da vítima”, já que Luiz Fernando correu na direção contrária da viatura da Rota quando foi ferido. Um vídeo de câmera de segurança registrou o momento dos tiros. As imagens desmentem a versão apresentada pelos policiais de que Luiz Fernando teria apontado uma arma na direção deles, quando a viatura chegou ao local. 

A promotora também denunciou o sargento Richard por omissão de socorro. Conforme consta na denúncia, Richard impediu que a médica socorrista se aproximasse de Luiz Fernando, determinando que ela fizesse o socorro de uma pessoa que foi atingida de raspão e não apresentava sinais de urgência médica. “Isso aqui é um bandido. A vítima é uma pessoa lá que estava passando”, disse o policial. 

O sargento e o cabo Leonardo da Silva Carvalho foram denunciados por fraude processual por terem apresentado na delegacia uma pistola calibre .40 com numeração raspada “na tentativa de legitimar artificialmente o homicídio”. O laudo pericial do local do assassinato não apontou a existência de nenhuma arma de fogo com Luiz Fernando. Apenas uma arma de brinquedo foi localizada próxima ao corpo da vítima. O adolescente de 16 anos foi apreendido sem ferimentos. 

Derrite defendeu acusados

A ação dos policiais foi defendida pelo secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, à época do assassinato. “Nenhum policial que sai de casa para defender a sociedade será injustiçado. Confrontos serão sempre apurados, mas ninguém será afastado no caso da abordagem da ROTA que evitou um assalto no semáforo. Até que se prove o contrário, a abordagem ocorreu dentro da lei”, publicou o secretário na rede social X. 

A fala era uma resposta ao pedido de afastamento dos policiais feito pela Ouvidoria das Polícias. Os três policiais respondem pela morte em liberdade. Derrite, que foi comandante da Rota de 2010 a 2013, nunca pediu desculpas à família de Luiz Fernando pela declaração. 

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