Juíza afirma que bloco ‘Porão do Dops’ é ‘lamentável’, mas proibir sua realização seria uma forma de ‘censura prévia’
O TJ-SJ (Tribunal de Justiça de São Paulo) liberou a realização do “Porão do Dops”, bloco carnavalesco alvo de ação civil pública do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) por incitação ao crime e apologia. A juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 39ª Vara Cível, reconheceu que o desfile é “lamentável”, mas proibir o bloco de usar o nome “Porão do Dops” e celebrar as figuras de torturadores, como pedia o MP, seria uma forma de “censura prévia”.
Segundo decisão da juíza, a proibição do bloco “Porão do Dops” significaria “suprimir o direito fundamental da liberdade de expressão e da liberdade de pensamento”, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
“No caso em apreço, a utilização no bloco carnavalesco de figuras de pessoas conhecidas como torturadores na época da ditadura, embora lamentável, não permite um controle direto e prévio de repressão por parte do Estado, sob pena de se negar o próprio direito reconhecido com o processo de democratização, após longos anos de repressão e desrespeito aos direitos da dignidade da pessoa humana”, sustenta a magistrada.
O pedido do MP para cancelar o bloco Porão do Dops apontava que o evento era uma homenagem a torturadores da ditadura militar, ocorrida entre 1964 e 1985. Figuras como Carlos Alberto Brilhante Ustra e Sérgio Paranhos Fleury, que foram respectivamente comandante do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) e delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) à época do regime, são divulgadas em imagens do evento.
Ao promover ação contra os realizadores do bloco, Douglas Garcia e Edson Salomão, o MP cobrava a interrupção da divulgação do evento por fazer apologia da tortura e pena de R$ 50 mil ao dia caso a frase “Porão do Dops” não fosse retirada do evento.
Em sua decisão, Daniela aponta que existe somente um caso previsto em lei para censura prévia: quando a apologia é feita ao nazismo (Lei nº 7.716/88). Assim, indeferiu o pedido do MP quanto a tutela antecipada contra o bloco.
A decisão, contudo, não livra os organizadores do bloco de possíveis punições após a realização do desfile. Segundo a juíza, “se evidenciado qualquer ilicitude na manifestação em decorrência do abuso ao exercício do direito, deverá o Estado ser acionado a fim de que seja punida a conduta após a sua expressão, mas não antes de ser realizada a conduta”.
Para a magistrada, o simples fato de os responsáveis pelo bloco celebrarem os nomes de Ustra e Fleury “não configura exaltação à época de exceção”, já que essas pessoas “sequer foram reconhecidas judicialmente como autores de crimes perpetrados durante o regime ditatorial, em razão da posterior promulgação da Lei da Anistia”.
No caso de Ustra, porém, o militar foi oficialmente reconhecido como torturador em 2008 pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23.ª Vara Cível do TJ-SP, decisão confirmada quatro anos mais tarde, em segunda instância, pelo 1ª Câmara de Direito Privado.