Justiça de SP manda soltar atletas da várzea presos por suposto roubo

    Jovens moradores da favela São Remo responderão ao processo em liberdade; família e amigos defendem que jovens são inocentes e querem justiça

    A Justiça de São Paulo concedeu liberdade provisória para Y., 16 anos, e Arlailson Silva de Lima, 18, presos sob suspeita de roubarem o carro de uma Policial Militar na zona oeste de São Paulo. Arlailson completou 18 anos no último dia 9, dentro da Fundação Casa. Moradores da Favela São Remo, os dois são jogadores de futebol de várzea e até esta quinta-feira (15/8) estavam na Fundação.

    Desde o ocorrido, no dia 16 de julho, familiares e amigos saíram em defesa dos dois. “São meus alunos. É impossível que [essa acusação] seja verdadeira. Colocaram esses meninos na cena do crime”, declarou à Ponte, na época, Lula Santos, 45 anos, que é professor do Projeto Social Escolinha de Futebol do Catumbi, onde ambos treinam.

    Lula, aliás, protagonizou uma cena emocionante em frente ao Fórum das Varas Especiais da Infância e da Juventude no Brás, centro de São Paulo, na tarde desta quinta-feira, minutos após a decisão do juiz José Paulo Camargo Magano. Vestindo uma camiseta com a frase “O impossível é temporário”, o professor desceu as escadas ajoelhado e agradecendo a Deus.

    Y. e Arlailson deixaram a Fundação Casa – unidade Brás, no centro de São Paulo, por volta das 19h15. Emocionado, Arlailson viu a imprensa e os amigos reunidos esperando a sua liberdade e não se conteve. Com as mãos no rosto, começou a chorar. “Agora vou voltar ao meu sonho de ser jogador de futebol”, disse, aliviado.

    Dona Iracema dá um abraço em seu filho Arlailson, que ficou 29 dias na Fundação Casa | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Sorridente, Y. também agradeceu a presença e o apoio de todos, reforçou seu compromisso com o esporte e “isso aqui vai ser só mais uma motivação. Muitos podem dizer que é pra fraquejar, mas pra mim foi pra fortalecer, para sair daqui maior do que meu desejo de vencer na vida”, disse o adolescente de 16 anos.

    Emoção: Lula Santos, professor de futebol dos meninos, ajoelha em agradecimento | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Segundo o advogado Francisco Chagas, que defende os garotos, ambos responderão em liberdade por “roubo qualificado com restrição de liberdade à vítima”.

    A mãe de um dos adolescentes, Iracema Rosa Silva de Lima, afirmou à Ponte, também na saída do Fórum, que está muito feliz e que agora quer comemorar. “O juiz deu parabéns pelo filho que a gente tem. Eu agradeço a Deus e a todas as pessoas que nos ajudaram”, disse.

    Amigos e familiares foram até o Brás para acompanhar a audiência, mas pouca gente conseguiu entrar. O protesto foi puxado pela Rede de Proteção e Combate ao Genocídio, que acompanha o caso desde o início. Do lado de fora, muito pensamento positivo para uma decisão favorável que, de fato, por volta das 18h, aconteceu. “Festa na favela”, gritavam os presentes com faixas repletas de imagens dos jovens atletas.

    Antes, contudo, um dos policiais envolvidos na prisão dos garotos, identificado como Leite pelos moradores da São Remo, estava em uma janela do Fórum e fazia sinais para os manifestantes. Em determinado momento, segundo testemunhas, ele colocou uma barra de ferro ou pedaço de madeira e apontou na direção das pessoas, simulando uma arma — ele se recusou a falar com a imprensa sobre o assunto. Posteriormente, quando deixou o espaço em seu carro, fez questão de tirar as duas mãos do volante, mostrar os dois dedos do meio para os moradores da São Remo e sair cantando pneu. Leite saiu do estacionamento acompanhado de uma viatura da PM.

    O caso

    No dia 16 de julho, os adolescentes Y., 16 anos, e A., 17, colegas na escolinha de futebol na São Remo, comunidade onde vivem, saíram para ir até a casa da namorada de um deles, em um bairro vizinho também na zona oeste de São Paulo.

    Por volta das 21h30, os dois amigos foram abordados por policiais militares e apreendidos sob a acusação de que teriam roubado um carro a mão armada no Jaguaré. No 91º DP (Distrito Policial), onde o caso foi registrado, o delegado Fernando Antonio Terzidis considerou que a versão dos policiais militares era suficiente para mandar os dois adolescentes para a Fundação Casa.

    Segundo o boletim de ocorrência, feito com a versão dos policiais e da vítima, porque, segundo o delegado, os garotos ficaram em silêncio, os PMs receberam o chamado de que um roubo de veículo teria ocorrido na região e que, em patrulhamento pelo local informado da suposta ocorrência, viram “três indivíduos próximos do veículo, que ao ver a aproximação da guarnição empreenderam fuga, sendo dois dos indivíduos alcançados abordados”, diz o documento. E segue informando que “indagados, os mesmos disseram que haviam roubado o veículo e que ele seria vendido”.

    A comunidade quando soube da notícia se mobilizou em defesa dos jovens atletas e organizou um grande protesto no dia 23 de julho pedindo a imediata liberdade dos jovens e defendendo que ambos são inocentes. Em mais de uma oportunidade, a defesa também informou que os jovens negam terem cometido qualquer crime e explicam que a abordagem aconteceu quando os dois estavam em frente ao prédio da namorada de um deles esperando ela descer para que fossem dar um passeio.

    *Nota – Embora manuais como o Andi recomendem o uso do termo “apreensão” de adolescentes por considerá-lo mais alinhado ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Ponte optou por usar o termo “prisão” por considerar que reflete com mais precisão a realidade dos adolescentes submetidos a medidas socioeducativas no Brasil

    (*) Reportagem atualizada às 20h43 do dia 15/8

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