M., 17 anos, devolveria um videogame para a tia quando foi abordado por PMs e apreendido suspeito de cometer o crime em Diadema (SP)
Após 25 dias, o adolescente M., 17 anos, deixou a Fundação Casa de Mauá, cidade na Grande São Paulo, graças à uma decisão da Justiça. Em audiência realizada nesta quinta-feira (13/2), a juíza Cláudia Maria Carbonare de Faria determinou a liberdade do jovem negro, então acusado de roubar um carro em Diadema.
O advogado que representa M., Michel Kusminsky Herscu, explicou que a juíza identificou “incongruências” nos depoimentos das vítimas do crime e do policial militar que atendeu a ocorrência. Na versão contata pelo PM no dia da prisão, M. dirigia o carro, mas na audiência ele disse que o motorista seria outra pessoa.
“Então a juíza decidiu soltá-lo para que ele responda em liberdade”, explicou o defensor, que solicitou exames de digitais para determinar se a arma usada no crime possui digitais do jovem. “Como isso demora um pouco e tem um tempo limite que o adolescente pode ficar apreendido, ela decidiu soltá-lo nesse momento”, complementou.
Uma nova audiência acontecerá no dia 25 de março, às 14h, no Fórum de Diadema. A juíza não determinou nenhuma medida cautelar para M. seguir enquanto o processo não seja encerrado.
O jovem saiu do fórum para os braços da avó e duas tias que o esperavam. “Vou te falar, não é fácil ficar preso, espero que nenhum inimigo caia aí. Foram dias muito difíceis”, resumiu M., aliviado, dizendo ser bom contar com o apoio da família em um momento difícil. “É muito agradável sair e ficar com elas”.
As parentes eram pura alegria. “Eu fiquei tão emocionada que tô toda tremendo”, contou a avó, a aposentada Efigênia Barbosa dos Santos, 63 anos. Ela acompanhou a audiência ao lado das filhas, Mariana Barbosa dos Santos, 33 anos, e Eliana Barbosa da Silva, 37 anos, ambas tias do adolescente.
“O sentimento é de satisfação porque o M. é um menino inocente, a gente da família sabe, mas toda comunidade sabe também”, afirmou Mariana. “A gente é pobre, mas é honesto. Eu me senti diminuída por não poder fazer nada por ele, mas coloquei na mão de Deus e agora ele tá aqui”, completou a irmã, Eliana.
Entenda o caso
M. foi apreendido por volta das 19h do dia 19 de janeiro quando estava a caminho da casa da tia. Ele iria devolver o videogame que pediu emprestado horas antes. Ao sair de sua casa, no Parque Bristol, e caminhava em direção ao Jardim São Savério, ambos os bairros na periferia da zona sul da cidade de São Paulo. O adolescente foi abordado pelos PMs na Travessa Antonio Lorenzi, ainda no Bristol.
Os policiais o acusaram de ter roubado um carro no cruzamento das avenidas Curió e Cursino, em Diadema. Mas, segundo afirma a família de M., ele é inocente. A tia do adolescente, a diarista Mariana, reafirma à Ponte a versão sobre o videogame. Depois de sair de casa, M. parou na barbearia de um amigo, por volta das 18h30, e seguiu para a casa da tia.
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“Foi quando ele ouviu um tiro e correu, como todo mundo correu. Quando ele voltou a andar normalmente, olhou para trás e viu que tinha um menino correndo”, relatou a tia. “Aí ele disse que estava andando normalmente, quando chegou a polícia e mandou ele deitar. Ele deitou e prenderam ele, o levaram para a delegacia”.
Além de ser estudante, M. faz um curso de cabeleireiro com o amigo Gustavo da Silva Perminio, 24 anos, dono de uma barbearia da região. O adolescente também joga no time de várzea Projeto Pereirinha. Para jogar no Pereirinha, por exemplo, é preciso estar estudando.
À tia, o adolescente contou que, no momento da prisão e na delegacia, o outro jovem suspeito de roubar o carro disse aos policiais que não conhecia M., que ele não havia participado do assalto.
“Ele me disse assim: ‘tia, o menino falou, falou para polícia e falou na rua que não me conhecia, mas eles não quis saber’. Mas o policial falou que agora eles estavam juntos. Se investigar, vai ver que ele não tem a ver com isso”, critica Mariana.
Histórico da acusação
Os advogados que auxiliam na defesa de M. tentaram por duas vezes antes da audiência solicitar o pedido de habeas corpus para obter liberdade ao adolescente. O primeiro, distribuído ao desembargador Luís Soares de Mello, vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi negado no dia 30 de janeiro.
A defesa do jovem alegou que a internação provisória é “padronizada e dissociada da realidade”. Além disso, os advogados Michel Kusminsky Herscu e Ingrid de Oliveira Ortega alegam que o jovem “jamais foi apreendido ou teve qualquer incidente policial em sua vida, se formou no ensino fundamental no final do ano passado e já está matriculado no ensino médio para este ano de 2020”.
Na decisão, Luís Soares de Mello afirma que “em princípio, não se verifica ilegalidade na decisão que decretou a internação provisória do adolescente”. “Segundo a representação, o paciente em concurso de agentes subtraiu, mediante grave ameaça exercida pelo emprego de simulacro de arma de fogo, o veículo e os aparelhos celulares das vítimas”.
Diante disso, os advogados acionaram o Supremo Tribunal de Justiça para solicitar o pedido de liberdade provisória. O novo pedido foi distribuído ao desembargador Leopoldo de Arruda Raposo, da 5ª Turma, mas também foi negado.
O ministro Leopoldo de Arruda Raposo, convocado do Tribunal de Justiça de Pernambuco, negou o novo pedido. Na decisão, o ministro usou trechos de outro pedido de habeas corpus de 2015 da cidade de Cascavel, no Paraná, indeferido pelo ministro Felix Fischer, da 6ª turma do STJ.
O pedido dos advogados era referente ao artigo 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas a resposta dada pelo desembargador, na decisão, era referente ao artigo 122. Um dos trechos da decisão, mostra que a decisão respondia a outro caso.
“O juízo a quo, proferiu decisão a qual autorizou a transferência do adolescente à Casa de Semiliberdade de Cascavel/PR (mov. 63.1), violando expressamente o direito fundamental do adolescente de convívio familiar, bem como o disposto do art. 49, II, da Lei. 12.594/12”, escreveu.
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