Justiça de SP leva um ano e meio para reconhecer que prendeu um jovem negro inocente

Juíza reconheceu irregularidades em investigação da Polícia Civil que apontou Jefferson Macedo e seus irmãos como ladrões. “A revolta é grande”, desabafam

Jefferson Santana Macedo estava preso desde agosto de 2020. | Foto: Arquivo pessoal

Há um ano e meio, Jefferson Santana Macedo, jovem negro de 29 anos e chapeiro de uma lanchonete, foi levado ilegalmente por policiais civis para a delegacia para uma “averiguação” com a justificativa de que a cédula do seu RG estava desgastada. Desde 20 de agosto de 2020, ele ficou preso junto com o irmão Jonathan Santana Macedo, 31, acusado de participar de uma série de roubos na região do Grajaú, na zona sul de São Paulo.

No último dia 21, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a nulidade das provas e dos reconhecimentos fotográficos feitos com Jefferson em um dos processos no qual foi condenado. A juíza Erika Fernandes Fortes acolheu os embargos de declaração apresentados pela defesa, recurso que contesta omissão ocorrida na sentença, e decidiu pela absolvição. O jovem saiu do Centro de Detenção Provisória de Diadema, na Grande São Paulo, na noite de terça-feira (22/2).

Em entrevista à Ponte, Jefferson diz que está aliviado com a decisão e que não esperava por isso, já que na mesma semana em que o irmão Jonathan foi solto havia recebido a notícia da sua condenação, agora anulada. “Eu e meu irmão fomos presos por uma coisa que não fizemos. Quando eu cheguei, pensei que ia embora e caía mais B.O.. Me falavam ‘pode ficar tranquilo que você vai sair’, mas lá dentro eu não estava. Eu estava querendo saber dos meus filhos, queria ajudar minha mãe também aqui fora que estava sofrendo”, conta.

“Eu ia para a audiência e quando a vítima reconhecia eu perguntava ‘como pode reconhecer a pessoa que nem sabe quem é?’. Eu trabalhava, não saia de casa quase para nada e só vieram em cima da gente”, aponta sobre a atuação da polícia.

Em sua decisão, a juíza Erika Fernandes apontou as irregularidades na condução da investigação feita no 25º DP (Parelheiros) e no 101º DP (Jardim das Imbuias). No decorrer do processo, a defesa de Jefferson argumentou que os policiais civis se basearam em supostas provas fornecidas por um policial militar, Paulo Sérgio Batista, que é alvo de procedimento disciplinar na Corregedoria por suspeita dos crimes de concussão (uso de função pública para obter vantagem indevida) e extorsão. Segundo a defesa, o PM mantinha um relacionamento amoroso e conversas com uma denunciante que tinha desavenças com Jefferson e seus irmãos.

“As mesmas fotografias que a denunciante passou ao militar compõem o caderno investigativo do presente processo e foram utilizadas pelos investigadores para a identificação do réu Jefferson. A partir daí, foi possível sua localização, prisão temporária e formalização do reconhecimento pessoal efetuado pela vítima”, explica a magistrada sobre a falta de confiabilidade da principal prova apresentada.

“A nulidade das fotos colhidas por pessoa que acusava o réu de estupro e prometeu vingança contra ele e seus irmãos, inviabiliza a sequência probatória daí decorrente”, concluiu a juíza. Além disso, a juíza destacou a semelhança física de Jefferson com seus irmãos Jonathan e Jackson Macedo, que também foi preso acusado de participação nos roubos.

Segundo a advogada de defesa Maira Pinheiro, em outras acusações contra Jefferson foi apresentado prova do seu álibi e demonstrada a fragilidade dos reconhecimentos feitos na delegacia. Nesta ação penal, ficou provado a origem ilícita das provas. “Se o reconhecimento fotográfico tivesse sido apresentado para o juiz com a incerteza que as vítimas manifestaram quando elas foram reconhecer, o juiz não teria mandado prender. Se não tivesse mandado prender, a polícia não tinha ido na casa deles”, considera.

“Ele não tinha nem que estar naquela carceragem e nem que estar naquela delegacia, porque não tinha mandado de prisão contra ele, não tinha nenhuma pendência criminal e ele não era investigado”, pontua. Além disso, a advogada diz que a vítima teria apontado que a característica física mais marcante do assaltante era uma tatuagem na mão e no dedo, o que Jefferson não possui.

“Eu fotografei esse reconhecimento em juíz,o pois achei problemático. Uma das coisas que foi mais grave na formação dessa linha é que os dois sujeitos, que estavam ao lado de Jefferson, não tinham nenhuma tatuagem. Então, não teria a menor possibilidade de conduzir a uma conclusão segura e confiável”, explica.

A busca por justiça da família Macedo

“Jefferson tem três filhos e o mais novo ficou comigo. Ele nem quis ir para a escola. Falou: ‘vou esperar meu pai, vou esperar meu pai’”, conta Regina Selma dos Anjos Santana, mãe de Jefferson, sobre o neto de 10 anos. “Quando a polícia veio, ele estava dormindo abraçado com os filhos. E quando ele acorda, era os policiais tirando as crianças dos braços dele. Ninguém esperava e ele sem entender nada”, relembra sobre o dia 20 de agosto de 2020.

Na ocasião, policiais civis foram até a casa da família no Parque Cocaia, periferia da zona sul da capital paulista, atrás de Jonathan e Jackson, o mais novo dos irmãos. Na ausência de Jackson, Jonathan foi levado junto com Jefferson para a delegacia. Ambos passaram dias realizando uma série de reconhecimentos que não seguiram os procedimentos previstos pelo Código de Processo Penal, como denunciou a Ponte em reportagem na época e no podcast Prove Sua Inocência.

“Só de pensar que ele está em casa é um alívio. Eu ia um final de semana sim e outro não. No sábado eu ia ver um e no domingo eu ia ver o outro [Jonathan] e era um sofrimento”, comenta Regina. No começo do mês, ela também pode celebrar a liberdade do filho Jonathan, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o reconhecimento fotográfico pelo qual ele passou não se mostrou confiável.

À Ponte, Jonathan comentou como encarou sua prisão injusta e os dias longe do filho que nasceu quando ele ainda estava no cárcere. “Eu deixei a minha vida inteira para trás e meu filho hoje está internado. Então, a revolta é grande”, desabafa (o filho dele nasceu quando ainda estava preso e está internado desde então por conta de uma bronquiolite). Ao mesmo tempo, ele afirma que não havia perdido as esperanças de que sua inocência e a do seu irmão seriam provadas.

“Só de ver que a justiça está sendo feito, independente da demora que foi, é uma alegria muito grande”, afirma sobre a liberdade de Jefferson. “É revoltante a forma como o promotor me acusou também. Fui condenado em um crime onde teve várias contradições da polícia. Então, infelizmente, não tenho o que acreditar na justiça mais não. A qualquer momento pode acontecer comigo de novo”, ressalva. Tanto Jonathan quanto Jefferson conseguiram retornar aos mesmos empregos que tinham antes de serem presos.

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A família Macedo agora aguarda a absolvição de Jefferson em outros três processos e pretende se mudar do Parque Cocaia, pois tem medo de represálias por parte dos policiais envolvidos no caso.

O que diz o governo

A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) para questionar sobre os procedimentos da investigação e para saber a situação do PM Paulo Sérgio Batista, com quem pediu uma entrevista. A pasta não respondeu sobre a solicitação, mas encaminhou a seguinte nota:

“O caso foi investigado por meio de IP instaurado pelo 101ºDP e relatado à Justiça. As corregedorias das instituições estão à disposição para registrar e investigar qualquer denúncia de irregularidade envolvendo os agentes.”

O que diz o Ministério Público

A reportagem também entrou em contato com o Ministério Público Estadual de São Paulo questionando acerca da nulidade das provas e aguarda uma resposta do órgão.

ATUALIZAÇÃO: matéria atualizada 28/02, às 19h55, para acrescentar a nota da SSP.

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