Justiça Militar é quem vai julgar mortes de soldados durante treinamento

    Mortes de três soldados afogados em Barueri (SP) não vai a júri porque Justiça considerou que réus não tiveram intenção de matá-los

    Vítimas foram socorridas após o afogamento e apenas um sobreviveu | Foto: Reprodução/TV Globo

    A Justiça Militar definiu para o dia 29 de janeiro de 2020 o julgamento de cinco militares pela morte de três soldados em treinamento ocorrido em 24 de abril de 2017. Jonathan Turella Cardoso Allah, Wesley da Hora dos Santos e Victor da Costa Ferreira morreram afogados em atividade feita pelo Exército em Barueri, cidade na Grande São Paulo. O júri, válido pela primeira instância, acontecerá na sede da Justiça Militar paulista, no centro da cidade de São Paulo.

    A decisão da juíza federal Vera Lúcia da Conceição, da 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar de São Paulo, vale para cinco militares à época: capitão Moisés Lopes da Silva Júnior, sargento Ariel Santos de Santana, ex-tenente Rodrigo de Oliveira Salatiel, ex-cabo Felipe de Oliveira Silva e ex-soldado Jorge Henrique Custódio Avanci. Salatiel, Silva e Avanci não integram mais as Forças Armadas, mas ainda assim responderão na Justiça Militar pelo crime.

    Eles comandavam treinamento de longa duração, com foco em combate básico, no 21º Depósito de Suprimentos no quartel do Grupo Bandeirante. Quatro soldados seguiam um trajeto na mata com mapas e bússola até chegarem no lago, quando entraram nas águas por volta de 17h. Três deles morreram afogados e um outro conseguiu sobreviver graças ao resgate feito por um tenente que ouviu seus gritos de socorro. Os demais não resistiram e morreram mesmo após atendimento médico do Corpo de Bombeiros.

    Os cinco acusados responderão por homicídio culposo majorado, quando não há observação técnica da profissão, conforme texto do inciso 4 do artigo 121 do Código Penal. Ainda terá análise quanto a lesão corporal de um quarto soldado, que sobreviveu ao receber atendimento de primeiros socorros. Um Conselho Especial de Justiça, com quatro oficiais do Exército e um juiz federal da carreira militar, comandará o julgamento.

    Para a juíza Vera Lúcia Conceição, ocorreu exatamente a falta de controle técnico da atuação militar neste caso, quando definiram a orientação para os soldados fazerem o trajeto com bússolas e mapas do local, mas sem conhecimento específico da área e de seus riscos. A magistrada seguiu denúncia do MP militar. Nela, o órgão sustentou que os cinco geraram as mortes “descumprindo seus respectivos deveres objetivos de cuidado”.

    Os militares e ex-militares vão responder na Justiça militar porque eles foram denunciados por homicídio culposo (quando a pessoa que matou não teve intenção nem assumiu o risco de matar). A lei determina que a Justiça comum só pode julgar os casos de homicídios dolosos (em que o assassino tem intenção ou assume o risco de matar) cometidos por militares contra civis, conforme o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.

    A justiça comum, por meio dos tribunais do júri, julga os homicídios de policiais militares desde 1996, quando a lei 9299/1996, conhecida como “lei Hélio Bicudo”, em homenagem ao jurista e defensor de direitos humanos que a propôs, modificou os dois Códigos. Na época, a medida foi considerada um avanço para combater o corporativismo da Justiça Militar e a impunidade. No entanto, nos anos seguintes, os tribunais de júri também se mostraram complacentes com os crimes cometidos por militares.

    Segundo o coronel aposentado da PM paulista e ex-secretário nacional de Segurança, José Vicente da Silva Filho, explica que as absolvições em casos de PMs em júris populares, feito pela população, são maiores do que em tribunais especializados. Ele cita pesquisa divulgado pelo jornal O Globo, que mostra inocência como resultado de seis a cada dez PMs acusados de matar intencionalmente civis.

    “A constatação é de que a grande maioria dos casos que chegam ao júri é absolvição. Especificamente no Rio de Janeiro, chega a 80% nos casos de morte em confronto. O volume de não condenação é muito maior do que na Justiça militar”, analisa. Silva Filho sustenta que os julgamentos feitos por militares são mais rápidos e céleres. “Veja nesse caso: passou dois anos, praticamente”, exemplifica.

    “Neste caso específico, houve mudança na lei excluindo os militares que praticarem crimes dolosos contra a vida, intencionais, na Justiça Comum. Nesse caso não alcançaria porque foi considerado culposo, quando não se tem a intenção, mas um descuido por parte dos instrutores”, explica o coronel.

    Em entrevista para o G1, a mãe de Victor da Costa Ferreira, Sandra da Costa Ferreira, revelou que o filho relatava abusos cometidos por superiores contra os soldados antes do afogamento. “Ele estava sob responsabilidade do Exército. Eu pensava que meu filho estava seguro e o entreguei, mas me devolveram uma bandeira [do Brasil]”, criticou Sandra.

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