Segundo laudo pericial, Paulo Roberto Pinho de Menezes faleceu por conta das agressões sofridas em outubro de 2013, durante enquadro de policiais da UPP da favela de Manguinhos
Foram ouvidas na quarta-feira, 27/01, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, testemunhas de acusação do caso de Paulo Roberto Pinho de Menezes, espancado até a morte por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, favela localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2013. Três testemunhas, que não serão identificadas por questão de segurança, depuseram separadamente.
Paulo Roberto, conhecido como Nego, tinha 18 anos. Segundo relatos, por volta das duas horas da madrugada de 17 de outubro de 2013 ele estava com três amigos próximo à casa de sua família, quando foi abordado violentamente pelos policiais da UPP, entre os quais os PMs Jorge Cardoso de Araújo Junior, João Paulo da Silva Rocha, Jefferson Albuquerque Pinto, Rodrigo da Costa Tavares e José Luciano da Costa Neto.
Aquela não era a primeira vez que isso acontecia: os jovens chegavam a ser abordados por PMs lotados na comunidade de cinco a sete vezes por dia, de acordo com testemunhas. Mas Paulo Roberto era cotidianamente perseguido, intimidado e ameaçado. Naquela noite, segundo os depoimentos, os rapazes foram abordados por quatro agentes perto de um beco, onde foram encurralados. Logo depois, chegaram mais policiais, que teriam sido chamados pelo rádio. Uma das testemunhas ouviu gritos. Ao se aproximar, foi detida por um dos PMs que vigiavam a entrada do beco. “Ele [Paulo Roberto] gritava ‘socorro, socorro’, e aí eu fui ver e vi os garotos que estavam com ele, mas os policiais estavam rodeados nele, e um me empurrou e não deixou eu entrar no beco, falando ‘volta, volta, ninguém vai passar aqui não’”, conta.
Queriam apenas lesionar? Por que fizeram isso em grupo, com superioridade de forças? Por que a sessão de espancamento durou tanto tempo e teve tanta crueldade? Lesão corporal ou tortura? Por que negaram e impediram o socorro? Por que modificaram a cena do crime? Por que mentiram na delegacia?
De acordo com as testemunhas, Nego foi brutalmente espancado. “Foi uma sucessão de pancadas no estômago, enforcamento, chutes e, em um dado momento, bateram com a cabeça dele na parede, e ele, tentando se desvencilhar daquilo, acabou tomando uma coronhada na cabeça e caiu no chão”, conta o advogado Luiz Peixoto, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB/RJ), que atua no caso como um dos assistentes da acusação. “A questão agora é estabelecer o vínculo entre a intenção dos policiais e a morte da vítima. Mas ainda há muitas outras questões que as provas vão esclarecer. Queriam apenas lesionar? Por que fizeram isso em grupo, com superioridade de forças? Por que a sessão de espancamento durou tanto tempo e teve tanta crueldade? Lesão corporal ou tortura? Por que negaram e impediram o socorro? Por que modificaram a cena do crime? Por que mentiram na delegacia?”, questiona Peixoto.
A mãe de Paulo Roberto, Fátima Pinho de Menezes, chegou ao beco logo após a sequência de agressões a que o filho havia sido submetido. “Uma vizinha veio me chamar de madrugada, falou ‘corre lá no beco que os polícia tá batendo muito no Nego, vai matar o Nego!’. Aí eu corri até lá, estavam os policiais cercando o beco, não deixando entrar, eu falei ‘eu vou entrar, que eu sou mãe dele, meu filho tá aí dentro!’. Aí eu entrei, cheguei lá, meu filho estava caído no chão. Eu levantei a cabeça dele, ele deu dois suspiros e não teve mais reação nenhuma. Morreu no meu colo”, recorda Fátima Pinho de Menezes, em entrevista à Ponte.
De acordo com o laudo pericial, o jovem apresentava lesões que caracterizaram espancamento e pode ter morrido por “asfixia mecânica”. Segundo Peixoto, embora ainda haja “muitas questões a serem esclarecidas a partir dos novos depoimentos, é certo que houve um intervalo de tempo em que Paulo foi visto vivo e respirando, mesmo caído no chão; em seguida, viram-no isolado com os policiais e, depois, já foi visto morto, quando a mãe veio a seu encontro, rompendo o bloqueio que era feito pelo reforço dos PMs”.
Moradores se aproximaram e pediram ajuda, mas os PMs se recusaram a prestar socorro. Segundo testemunhas, os policiais não verificaram sequer se Paulo Roberto estava respirando ou se tinha sofrido uma parada cardíaca, não realizaram procedimentos de ressuscitação e, mesmo diante da insistência das pessoas, nada fizeram para evitar a morte do jovem.
Enquanto isso, em outra região da favela, o irmão de Nego o procurava e dirigiu-se à UPP para perguntar por ele. Lá, ouviu a primeira ameaça. “Olha, você para de criar caso, porque senão você vai pro saco preto, igual ao seu irmão”, teria lhe dito um PM, antes mesmo de a família saber que o jovem havia morrido. Depois, no sepultamento, sua irmã também sofreu uma ameaça, que foi denunciada.
Fátima e os três amigos do jovem pararam uma viatura e o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Manguinhos, onde Paulo Roberto já chegou morto. Impedidos de entrar no quarto onde ele estava, enquanto policiais circulavam livremente pela unidade hospitalar, a mãe e outros familiares de Nego permaneceram por mais de uma hora, na angústia da incerteza, sem saber se ele havia realmente morrido. Quando finalmente o puderam ver, seu corpo encontrava-se despido, em uma maca sem nenhum aparelho – motivo pelo qual a sensação dos familiares foi de que nenhum esforço foi feito no intuito de salvar sua vida. Da UPA, a família seguiu para a 21ª Delegacia de Polícia, localizada em Bonsucesso, próxima a Manguinhos, onde já havia PMs registrando a ocorrência.
Embora testemunhas afirmem categoricamente que havia uma médica de plantão na madrugada em que Paulo Roberto foi levado à UPA, quem assinou o atestado foi um homem. A mulher foi vista na delegacia na manhã do dia da morte de Paulo Roberto. O médico será ouvido na próxima audiência.
Histórico de perseguição e ameaças
Na mesma noite em que morreu, Paulo Roberto interveio numa abordagem sofrida por seu irmão no campinho de futebol da comunidade. “Opa, que é isso, tá esculachando o meu irmão?!”, disse Nego aos PMs. O espancamento do jovem, horas depois, foi uma represália, segundo testemunhas.
“Como ele [Paulo Roberto] sabia que a abordagem dos policiais era violenta, ele questionou a abordagem ao irmão dele. Por meu filho não aceitar tapa na cara, chute no saco, eles preferiram eliminar meu filho. Tanto é que ele estava com mais três amigos e os policiais foram só em cima dele. Então a intenção deles era o meu filho, ele estava visado, era perseguido em Manguinhos”, diz Fátima.
Há, ainda, outras situações que caracterizam a perseguição sofrida por Paulo Roberto. Além dos enquadros cotidianos, um policial apelidado de Martelo já o teria “jurado”, afirmando que o “pegaria porque ele era um ladrãozinho da Lapa”, segundo o advogado.
Fátima critica a violência com que policiais abordam os jovens em Manguinhos. Para ela, os PMs da UPP somente “esculacham os moradores” da comunidade. “Meu filho não estava fazendo nada de errado. Eles simplesmente pegaram ele e mataram porque ele questionava a abordagem que eles faziam. Se meu filho ia dez vezes no Jacaré [bairro que faz limite com Manguinhos], dez vezes ele era parado e esculachado. Então ele não aceitava mais isso”, conta a mãe, em tom de indignação. “Se estivesse fazendo alguma coisa errada no momento, o dever deles era prender meu filho, levá-lo para a delegacia e lá eles iam tomar a atitude deles, né?”, questiona.
Outro lado
A versão sustentada pelos PMs, de acordo com os termos de declaração do Boletim de Ocorrência (B.O.), é de que eles abordaram os jovens porque estes estariam usando drogas – embora o exame toxicológico não tenha identificado a presença de nenhuma substância no organismo de Paulo Roberto. Segundo eles, “não houve contato físico” com a vítima, Paulo Roberto teria caído porque foi acometido por um “mal súbito” e as lesões identificadas no laudo pericial teriam sido provocadas pela queda, e não por espancamento.
Apesar das evidências de que a asfixia decorreu das agressões, o Tribunal do Júri considerou que os policiais não tiveram a intenção de matar Paulo Roberto. Assim, os PMs foram denunciados por lesão corporal seguida de morte. Na primeira audiência sobre o caso, ocorrida em outubro de 2015 e acompanhada pela Ponte, os réus apenas negaram as acusações e permaneceram calados.
A família agora aguarda a próxima audiência, quando serão apresentadas as provas de acusação, ainda sem data definida.