Letalidade policial em SP piora de novo e retoma patamar de 2024

    Em março, 71 pessoas foram mortas pelas polícias no estado, número acima da média mensal do ano passado, o de maior letalidade na gestão Tarcísio. Mortes concentram-se em determinadas regiões e grupos da população, diz especialista

    Número de mortes teve breve recuo na virada do ano, após pressão da opinião pública sobre Tarcísio e o chefe da SSP-SP, Guilherme Derrite, mas voltou a aumentar | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A letalidade policial no estado de São Paulo piorou em março pelo segundo mês consecutivo e voltou ao patamar de 2024 — o pior ano do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) neste quesito. No mês, 71 pessoas foram mortas pelas polícias paulistas, quantidade 31% maior que a de fevereiro. Os números são da Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP), divulgados na última quarta-feira (30/4). O estado havia tido 38 mortes decorrentes de intervenção policial em janeiro deste ano e outras 54 em fevereiro — números abaixo da média mensal de 2024, de quase 68 óbitos pelas polícias.

    A maior parte das mortes em março deste ano foi cometida por policiais em serviço (60), quando há um maior controle das atividades deles. As ocorrências estiveram divididas entre 31 cidades: São Paulo foi a que teve mais óbitos, com 19 registros, seguida por Guarulhos, na região metropolitana, com cinco.

    Leia mais: SP tem em 2024 maior alta de letalidade policial em uma década

    A Ponte mostrou que três das mortes registradas em Guarulhos se deram em uma mesma ocorrência, em 18 de março: na ocasião, jovens com idades de 18, 20 e 27 anos foram mortos durante uma perseguição da Polícia Militar paulista (PM-SP). A corporação alegou ter ocorrido confronto, enquanto familiares das vítimas disseram que elas já estavam rendidas quando alvejadas — ou seja, teriam sido executadas.

    Retomada após pressão pública

    Em reportagem do último mês, a Ponte mostrou que o recuo na letalidade policial na virada do ano coincidiu com a pressão pública sofrida por Tarcísio e pelo chefe da SSP-SP, Guilherme Derrite (PL). Em novembro do ano passado, quando se iniciou uma tendência de queda dos óbitos, haviam sido mortos por policiais militares o menino Ryan da Silva Andrade dos Santos, de 4 anos, o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, e o jovem Gabriel Renan da Silva Soares, 26, sobrinho do rapper Eduardo Taddeo. Além disso, houve o caso de Vinicius Gritzbach, delator do PCC morto no aeroporto de Guarulhos por policiais que atuavam na ocasião como matadores de aluguel.

    Também naquele mês, o flagrante do policial militar Luan Felipe Alves Pereira jogando um homem de cima de uma ponte contribuiu para um aumento nas críticas da opinião pública ao governo — que gerou uma mudança de discurso de Tarcísio, ao menos no que diz respeito ao uso das câmeras corporais por agentes de segurança. Passado esse apelo, no entanto, em fevereiro a letalidade policial voltou a subir.

    Leia também: Polícias de SP prendem menos e matam mais, mesmo com menor número de confrontos

    Ex-ouvidor das polícias de São Paulo, o ativista de direitos humanos Claudinho Silva avalia que a nova alta da letalidade em março remete a esse arrefecimento da pressão pública. “Esses casos mais emblemáticos colocaram o governador nas cordas, e aí ele precisou fazer um recuo estratégico, dizendo-se arrependido em relação à política de segurança pública”, afirma Silva.

    “É lógico que isso emitiu um outro sinal para o secretário de Segurança Pública, que, também nesse período em que o governo ficou acuado, desapareceu. No caso do Gritzbach, ele escalou o [secretário-executivo da SSP-SP, Osvaldo] Nico para responder. Eram sintomas de uma gestão acuada”, diz.

    “Agora, nesse momento, volta a verdadeira política de segurança pública que o Derrite e o Tarcísio têm para São Paulo, que é uma política pautada na morte”, afirma o ex-Ouvidor das Polícias. “Existe um conceito sendo aplicado em São Paulo, do ‘bandido bom é bandido morto’, do populismo penal. É esse populismo penal que fez o PCC surgir, crescer e virar um cartel. Ele é fruto de uma política de segurança equivocada, que só serve para prender preto e pobre, que não dá resposta efetiva para a violência. Com essa política, não existe inteligência policial, só truculência policial.”

    ‘Não são mortes aleatórias’

    O pesquisador Renato Alves, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), pondera que ainda faltam elementos para explicar a variação dos números de fevereiro a março. Ainda assim, ele acredita que, apesar das oscilações a cada mês, a letalidade tem se mantido em patamar alto ao longo do governo Tarcísio — um sintoma de sua política de segurança.

    “Tudo indica uma tendência mais ampla de que a polícia deve usar a força letal como um instrumento de trabalho no dia a dia”, avalia o pesquisador. “Não são mortes aleatórias: elas são concentradas em determinadas regiões, contra determinados grupos da população. Então, mesmo quando esses números caem ou sobem, a letalidade não deixa de ter suas vítimas preferenciais, o que só reforça essa tendência mais geral, que se torna até mais incisiva durante determinados governos.”

    Leia mais: PM de Tarcísio afrouxa controles internos e pune cada vez menos seus agentes

    Todas as pessoas mortas pelas polícias paulistas em março de 2025 eram homens, com média de idade de 30 anos — ao menos quatro eram adolescentes, com idades entre 15 e 17 anos. Mais de 60% das vítimas (43) eram negras, enquanto outros 34% (24) tinham a pele branca — percentuais que destoam da distribuição étnico-racial do estado de São Paulo (em que quase 58% dos habitantes se declaram brancos e 41%, pardos ou pretos). Outras quatro pessoas não tiveram cor registrada pela SSP-SP.

    No acumulado dos três primeiros meses deste ano, as polícias paulistas mataram 163 pessoas — 158 delas foram vitimadas pela PM-SP e as outras cinco, pela Polícia Civil. No trimestre imediatamente anterior, haviam sido 234 óbitos por intervenção policial. Ou seja, houve uma queda de 30%. Já na comparação com o primeiro trimestre de 2024, com 219 mortes e marcado pela Operação Verão, definida por especialistas ouvidos pela Ponte como “operação vingança”, a baixa foi de 25%. Se levado em conta apenas com o mês de março do ano anterior, com 73 mortes, houve um leve recuo de 3%.

    SSP-SP diz não compactuar com excessos

    A Ponte questionou a SSP-SP sobre por qual razão entende ter ocorrido um novo aumento mensal da letalidade policial no estado. Em resposta, a pasta comunicou que, do ponto de vista estatístico, é incorreto comparar os dados de um mês a outro, dada as características sazonais de cada um deles.

    Assim, a SSP-SP destacou terem ocorrido quedas de um ano a outro, levando em conta o primeiro trimestre e o mês de março de 2024. De todo modo, a pasta não explicou o motivo desses recuos. “As forças de segurança do Estado não compactuam com desvios de conduta ou excessos por parte seus agentes, punindo com absoluto rigor todas as ocorrências dessa natureza”, disse em nota.

    “Desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos, reforçando o compromisso da Secretaria da Segurança Pública com a legalidade e a transparência”, acrescentou.

    Comparação entre letalidade policial e homicídios

    Março também marcou uma alta do número de homicídios dolosos no estado de São Paulo, depois de dois meses de queda, indo de 205 em fevereiro para 238 casos no mês seguinte. Se somadas essas mortes às cometidas pelas polícias, as forças de segurança foram responsáveis por 23% do total.

    Essa comparação é uma das formas que a literatura especializada e pesquisadores da área da segurança pública utilizam para dimensionar a violência policial. Estudos do sociólogo Ignacio Cano consideram que a proporção ideal é de no máximo 10% de mortes pelas polícias em relação ao total de homicídios, enquanto o pesquisador Paul Chevigny sugere que índices maiores de 7% seriam considerados abusivos.

    No período de janeiro a março, essa proporção foi de quase 20%. No trimestre imediatamente anterior, era de 25%. Já nos primeiros três meses do ano passado, foi de 24%.

    MP-SP afirma apurar casos

    Além da SSP-SP, cujos dados a Ponte toma como referência, o Ministério Público paulista (MP-SP), que tem entre suas atribuições constitucionais o dever de exercer o controle externo das políciais, também registra números de mortes decorrentes de intervenção policial. Eles são computados pelo Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp).

    Em geral, os números do MP-SP são disponibilizados antes que os da SSP-SP — a pasta consolida os dados de letalidade policial apenas ao final do mês seguinte ao de divulgação. O Gaesp apurou 67 mortes cometidas pelas polícias em São Paulo no mês de março, quantidade menor do que a registrada pela SSP-SP — em fevereiro, o órgão havia registrado 55, uma a mais do que o governo paulista.

    Ponte questionou o Ministério Público sobre a diferença nos números e também sobre como tem atuado diante desses casos. Em resposta, o órgão afirmou que o painel de dados do Gaesp é atualizado sistematicamente e que “envida todos os esforços” para apurar os episódios de letalidade policial.

    Leia a íntegra do que diz a SSP-SP

    A SSP esclarece que a comparação entre meses distintos não é correta do ponto de vista estatístico, devido às características sazonais diferentes de cada mês. Os casos de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIPs) apresentaram queda de 25,5% no primeiro trimestre deste ano (163 casos) em comparação ao mesmo período de 2024 (219 casos).

    As forças de segurança do Estado não compactuam com desvios de conduta ou excessos por parte seus agentes, punindo com absoluto rigor todas as ocorrências dessa natureza.

    As instituições policiais mantêm programas robustos de treinamento e formação profissional, além de comissões especializadas na mitigação de riscos, que atuam na identificação de não conformidades e no aprimoramento de procedimentos operacionais.

    Por determinação da SSP, todos os casos de MDIP são investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Judiciário.

    Desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos, reforçando o compromisso da Secretaria da Segurança Pública com a legalidade e a transparência.

    Valorização das forças policiais

    A Secretaria da Segurança Pública reforça seu compromisso com a proteção e valorização das forças policiais do Estado de São Paulo. A atual gestão tem investido continuamente no fortalecimento das corporações, aprimorando a infraestrutura, ampliando o efetivo e aumentando a capacidade operacional. Como parte desse esforço, foram destinados R$ 743,2 milhões para a aquisição de equipamentos, infraestrutura e tecnologias que contribuem para a segurança e eficiência do trabalho policial.

    Leia a íntegra do que diz o MP-SP

    O MPSP informa que o painel online é atualizado sistematicamente, fato que ainda não ocorreu no que tange a abril em virtude de esta segunda-feira (5/5) ser o primeiro dia útil do corrente mês. Vale também ressaltar que a instituição envida todos os esforços, por meio do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP) e dos promotores que têm atribuição neste campo, no sentido de apurar todos os casos.

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