‘Conhecendo os Orixás – De Exu a Oxalá’ é o primeiro de uma série de 18 títulos infantis e já concorre a prêmio internacional na Itália
Era o ano de 2006. Róbson Gil Farias de Oliveira, de 14 anos, chegou em casa. Contou para a mãe que ia ser Zeus no teatro da escola. A conversa naquela noite foi sobre mitologia. “Ele que interpretaria o deus (grego) do trovão conseguiu localizar em Xangô características muito semelhantes”, lembra a mãe, dona Waldete. Daquele papo surgiu a ideia de um livro sobre os Orixás, as divindades de religiões de matriz africana – e mais tarde da fé seguida pela família. Ficou, então, combinado: ela escreveria as histórias, ele as ilustraria.
Mais de 13 anos se passaram desde o nascimento da ideia. “Conhecendo os Orixás: de Exu a Oxalá” saiu do mundo imaginário e virou realidade. Mais do que concretizado o sonho, a ideia de mãe e filho vai além: concorre ao prêmio de melhor publicação do ano na Feira da Livro Infantil da Bolonha, na Itália, que será em abril. A publicação, lançada em dezembro de 2018, passou a marca de dois mil exemplares vendidos em menos de dois meses.
O livro sairá pela editora Arole Cultural, em uma coleção, chamada de “Conhecendo os Orixás”, com 18 títulos detalhando os itans — lendas africanas transmitidas de geração para geração de forma oral. Os protagonistas das histórias são sempre Orixás. O próximo é “Exu, dois amigos e uma luta”, de Mighian Danae e já em pré-venda no link da editora.
Quem coordena o trabalho e escreveu o primeiro livro da coleção é a mãe do Róbson, como ficou combinado entre eles lá atrás. Além do antigo compromisso com o filho, Waldete Tristão tem uma longa trajetória relacionada à educação infantil: professora há mais de 30 anos na rede pública municipal de São Paulo, é também Doutora em Educação pela USP (Universidade de São Paulo) e Mestre pela PUC ( Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
“Não significa levar a religião para dentro da escola, isso é levar um conhecimento ancestral para as crianças”, defende Waldete. Segundo a autora, preconceito e racismo fazem conteúdos que formaram nossa sociedade serem ignorados. “Não se trata de substituir um paradigma eurocêntrico por um africano, e, sim, de dar acesso e garantir esses saberes que têm sido negados (aos alunos)”, diz.
Desde 2003, a Lei 10.639 torna obrigatório o estudo sobre a cultura e história afro-brasileira e africana, mas na prática, nem sempre é isso o que acontece. “Professores se dizem despreparados porque não receberam essa formação inicial e dizem que não sabem como levá-lo para sala de aula… No entanto, as Secretarias de Educação deveriam dar conta dessa formação continuada e garantir que essa temática seja de acesso de todos”, defende ela. “Cumprir a lei não é uma escolha, é obrigação do profissional”, acrescenta.
A proposta de fazer a coleção “Conhecendo os Orixás” é ampliar a compreensão até mesmo de adultos que também não conhecem os deuses da natureza da África. “Que sirva de inspiração para que as famílias mostrem para as crianças que existem outros pontos de vista, outras divindades que não são conhecidas por elas”, diz. Na prática, conhecimento pode gerar respeito e valorização da identidade de milhares de crianças e jovens, sustenta. “(Estudantes) Tentam negar a sua descendência, seu pertencimento racial. Algumas crianças que vivem a experiência nos terreiros de candomblé, às vezes, mentem para serem aceitas dizendo que estão doentes, por isso o cabelo tá cortado ou escondem seus fios de conta”, afirma ela.
Diversidade negra
O ilustrador Caco Bressane foi quem fez os desenhos. Pesquisou e submeteu todo o trabalho a uma espécie de comissão externa de religiosos. “Alguns Orixás são muitos conhecidos e têm uma vasta referência iconográfica, outros não como Obá e Ewá”, explica. Cada figura ganhou um cenário específico para representar os poderes individuais na natureza.
As representações contemplaram ainda diferentes traços de cabelos, tons de pele, tamanho de lábios, narizes e portes físicos. Mas um ponto era inegociável e comum a todos: Orixás são negros. “É uma história de resistência secular, mesmo que no imaginário popular alguns sejam apresentados com pele branca como Iemanjá”, conta Bressane.
A responsabilidade do ilustrador foi além de dar forma às divindades. Ficou para ele a tarefa que inicialmente seria do filho da Waldete. Róbson morreu em 2017 aos 24 anos quando estava no 4º ano do curso de Direito e antes do projeto ser realizado. Mas a mãe do “Zeus do teatro da escola” concluiu a missão. “Essa é uma forma de dar evidência à minha ancestralidade e também de ver meu filho vivo… Ele vive através de mim e através dessa obra”, completa Waldete.
“Conhecendo os Orixás”
Valor: R$ 35,00 nas principais livrarias
“Exu: dois amigos e uma luta” – Lançamento 18/3
Pré-venda pelo site www.arolecultural.com.br