Livro do jornalista Eduardo Reina mostra 19 casos de adoções por militares sequestradores ou famílias ligadas ao regime; crianças com mais de 6 anos eram consideradas ‘contaminadas com a subversão’ e deveriam ser mortas
Casos de crianças sequestradas pelas ditaduras militares na América do Sul, como Argentina e Chile, chamavam a atenção do jornalista Eduardo Reina. Não só pela crueldade, mas também por um instinto jornalístico: como não se tem notícias de casos assim no Brasil, que viveu o mesmo entre 1964 e 1985? Não se tinha vestígios até ele agir. Reina revela em seu livro Cativeiro Sem Fim, com lançamento no dia 2 de abril, ao menos 19 casos deste tipo no país.
São crianças retiradas de seus pais no Araguaia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraná e Mato Grosso. Com os pais mortos ou presos pelos militares, os pequenos eram adotados ilegalmente pelos próprios militares sequestradores ou por famílias próximas ao regime ditatorial. E as ações eram similares às de um manual usado na Argentina.
“Esse manual pregava que crianças ao nascer até 4 ou 6 anos, poderiam ser adotadas por outras famílias. Acima dessa idade, eles achavam que não poderiam mais porque as crianças já estariam contaminadas com a subversão, com o comunismo. A orientação era matar essas crianças. Olha só a crueldade da coisa”, conta Reina, à Ponte, dizendo que este modus operandi foi posto em prática na região do Araguaia (entre Pará e Tocantins). Dos 19 casos revelados pelo livro, 11 são desta região.
Os casos foram confirmados com investigação nos locais em que os bebês, chamados de “filhos subversivos” e “bebês malditos”, eram raptados e para onde foram levados. Dessa forma, o jornalista bateu documentos que comprovavam as adoções ilegais, como caso de Juracy, homem adotado por um militar que tinha em seu batismo o nome do pai adotivo e da mãe biológica, mas o nome do pai aparecia diferente no documento de batismo, o batistério, na igreja em que ele foi batizado.
“Existe uma não comunicação desses fatos, porque foi uma ação de Estado barrar esse tipo de informação. E eles foram muito felizes. O governo militar sabe muito bem como tratar a comunicação numa guerra, o que infelizmente a oposição faz com deficiência”, diz o autor, que recebeu ao menos novas dez suspeitas de raptos na época da ditadura com o anúncio do lançamento do livro. “Precisa apurar”, diz.
[…] Como chegamos a isso? A Ponte Jornalismo conversou com estudiosos e militantes de direitos humanos ligados à luta contra a ditadura e todos apontaram que a violência institucional representada por Bolsonaro é fruto da relação mal resolvida do Brasil com seu passado autoritário: ao contrário dos seus vizinhos, como Chile, Argentina e Uruguai, o País nunca puniu os militares que, ao longo do período autoritário, mataram pais de família, estupraram mulheres, torturaram crianças e sequestraram bebês. […]
[…] Livro de Regras. A ditadura brasileira seguiu diretrizes semelhantes a um conjunto de regras usado na Argentina. “Dizia-se que bebês e crianças menores de 6 anos podiam ser adotados por outras famílias. Mais velhas do que isso, dizia-se que as crianças já estavam “contaminadas pela subversão dos pais” e deveriam ser mortas “, disse Reina recentemente entrevista. […]