Lula volta atrás após operação da PM-SP e nega aval a Tarcísio para demolições no Moinho

    Estado havia anunciado aval do governo federal, que tem a posse do terreno em que está a favela. Questionada, pasta não negou a informação em um primeiro momento, mas depois disse ter autorizado “descaracterização”, e não demolição

    PM-SP montou operação com bombas de gás e tiros de balas de borracha durante tentativa de demolições pela CDHU | Foto: Paulo Batistella/Ponte Jornalismo

    O governo Lula (PT) emitiu um comunicado ao final desta terça-feira (13/5) afirmando não mais autorizar a demolição de casas na favela do Moinho, na região central de São Paulo, o que era feito desde o dia anterior pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). A gestão federal afirmou ainda não compactuar com o uso da força policial contra a população, após a Polícia Militar paulista (PM-SP) ter feito ao longo do dia uma operação com uso de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha na comunidade.

    A favela está localizada em um terreno que pertence à União. O governo estadual negocia ter a cessão do espaço e, durante a tarde, havia anunciado contar com aval federal para realizar as demolições.

    Leia mais: Favela do Moinho tem dia de terror com operação da PM-SP para CDHU demolir casas

    Governo Lula não nega aval, mas depois recua

    Ainda durante a manhã, a Ponte questionou a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), submetida ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, se as demolições estavam mesmo autorizadas e se a pasta entendia ser necessária presença da PM-SP no local.

    Em resposta, o governo Lula limitou-se a destacar o trecho de um ofício encaminhado ao governo paulista na segunda-feira (12/5), sem dizer expressamente se havia ou não dado aval para que os barracos fossem demolidos.

    “Com relação aos procedimentos pós desocupação, informamos que, face a informação de que o Governo Estadual considera indispensável a descaracterização das moradias vazias, no sentido de evitar novas ocupações que ampliariam o número de pessoas expostas aos riscos de segurança e saúde públicas, não vemos óbice a que o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura do Município de São Paulo exerçam suas respectivas competências quanto à ordem pública, segurança e saúde coletivas, procedendo à descaracterização das moradias de famílias que optaram voluntariamente por aceitar a alternativa habitacional proposta pela SDUH e CDHU. Neste tema, recomendamos que a descaracterização das moradias vazias seja feita de forma cuidadosa, para evitar o impacto na estrutura das casas vizinhas e minimizar a interferência nas atividades cotidianas da comunidade”, diz o trecho.

    Passada a operação policial desta terça, no entanto, quando ao menos três moradores foram baleados, a SPU publicou uma nova nota. Nela, o governo Lula afirma que o ofício enviado à gestão Tarcísio em um primeiro momento não dava anuência para demolições e, sim, para a descaracterização de imóveis, condicionada a uma atuação “cuidadosa, para evitar o impacto na estrutura das casas vizinhas e minimizar a interferência nas atividades cotidianas da comunidade.”

    Disse ainda que irá enviar uma notificação extrajudicial para paralisar o processo de cessão do terreno. Se isso de fato ocorrer, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), submetida à gestão Tarcísio, não poderá seguir com as demolições.

    Morador foi baleado pelas costas quando tentava ir para o trabalho | Foto: Paulo Batistella/Ponte Jornalismo

    Operação teve crianças correndo e moradores baleados

    Na segunda, os servidores da CDHU já haviam estado na favela, no bairro dos Campos Elíseos, ocasião em que demoliram seis barracos. Eles foram repreendidos por moradores, segundo os quais havia um acordo com a CDHU para que as demolições ocorressem apenas quando todas as famílias tivessem deixado o local, pelo risco de que barracos ainda ocupados desabassem junto caso as paredes vizinhas fossem derrubadas. Na ocasião, a PM-SP montou um forte cerco à favela, mas não entrou nela.

    Já neste segundo dia consecutivo de demolições, os policiais entraram junto dos operários da CDHU na favela logo pela manhã, em uma primeira incursão com bombas e tiros. A gestão Tarcísio diz que a derrubada dos imóveis vazios é uma medida necessária para evitar a reocupação deles.

    Durante a primeira incursão da PM-SP, houve correria de moradores desesperados com os estouros e o cheiro de gás. Nem mesmo crianças foram poupadas da violência policial: um grupo que estava em uma creche improvisada, onde as mães deixam os filhos durante o contraturno escolar, viveu momentos de terror e precisou sair às pressas da comunidade, acessada por uma única rua, com a ajuda das cuidadoras. Duas das crianças passaram mal e foram levadas para um pronto-socorro na Barra Funda.

    A PM-SP recuou da primeira incursão perto do fim da manhã e fez uma segunda investida no começo da tarde, novamente acompanhada de servidores da CDHU, quando foram lançadas mais bombas de gás dentro da comunidade. Houve mais uma vez correria de mulheres com crianças de colo e pessoas com mobilidade reduzida. Os próprios operários que fariam a demolição das casas também tiveram de correr por conta do cheiro de gás. Moradores insatisfeitos jogaram pedras contra os agentes. A Ponte registrou o momento em que um jornalista também acabou agredido por policiais.

    Foram feitas duas detenções durante a operação, de pessoas que, segundo a Secretaria de Segurança Pública paulista (SSP-SP), agrediram policiais. Os agentes precisaram ser socorridos.

    Moradores recolheram as bombas de gás jogadas contra a comunidade | Foto: Paulo Batistella/Ponte Jornalismo

    Remoção de moradores do Moinho

    Localizada na região dos Campos Elísios, a favela do Moinho abriga cerca de 800 famílias — a comunidade hoje se espreme entre trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), embaixo do Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e na divisa com o bairro do Bom Retiro.

    A remoção dos moradores se insere no contexto da alegada revitalização da região central pelo governador: a comunidade está a menos de um quilômetro da Praça Princesa Isabel, para onde o governador pretende levar parte da sede administrativa do governo. A gestão Tarcísio diz que os moradores vivem sob risco e em condições insalubres. Além disso, ela pleiteia a cessão do terreno pela União, onde prevê construir um parque e uma estação de trem.

    Leia a íntegra do que disse a Secretaria do Patrimônio da União a princípio

    Em relação ao processo de cessão da área onde está localizada a Favela do Moinho, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) informa que o governo federal continua dialogando com o governo do Estado de São Paulo em busca de um atendimento habitacional definitivo para todas as famílias na região central da cidade, salvo situações em que as próprias famílias decidirem por outra localização. Essa segue sendo a condição necessária para efetivação da cessão da área para o Estado.

    Quanto à descaraterização dos imóveis voluntariamente desocupados pelas famílias, em ofício de resposta enviado nesta segunda-feira, 12 de maio, à SDUH/CDHU, a SPU ponderou que:

    “Com relação aos procedimentos pós desocupação, informamos que, face a informação de que o Governo Estadual considera indispensável a descaracterização das moradias vazias, no sentido de evitar novas ocupações que ampliariam o número de pessoas expostas aos riscos de segurança e saúde públicas, não vemos óbice a que o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura do Município de São Paulo exerçam suas respectivas competências quanto à ordem pública, segurança e saúde coletivas, procedendo à descaracterização das moradias de famílias que optaram voluntariamente por aceitar a alternativa habitacional proposta pela SDUH e CDHU. Neste tema, recomendamos que a descaracterização das moradias vazias seja feita de forma cuidadosa, para evitar o impacto na estrutura das casas vizinhas e minimizar a interferência nas atividades cotidianas da comunidade.”

    Leia a íntegra do que disse a Secretaria do Patrimônio da União após a operação

    O governo federal não compactua com qualquer uso de força policial contra a população.

    Diante da forma como o Governo do Estado de São Paulo está conduzindo a descaracterização das moradias desocupadas na favela do Moinho, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) vai expedir, ainda nesta terça-feira, 13 de maio, uma notificação extrajudicial paralisando o processo de cessão daquela área para o governo do Estado.

    Como explicitado no oficio encaminhado ontem, 12 de maio, à SDUH, a anuência da SPU à descaracterização (e não a uma demolição) das moradias das famílias que voluntariamente deixaram suas casas estava condicionada a uma atuação “cuidadosa, para evitar o impacto na estrutura das casas vizinhas e minimizar a interferência nas atividades cotidianas da comunidade.”

    Desde o início das negociações com o governo de São Paulo, em 2024, a SPU deixou explícito que a cessão da área estava vinculada à condução de um processo de desocupação negociado com a comunidade e transparente.

    Leia a íntegra do que diz Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do estado de São Paulo

    O Governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SDUH), retomou na manhã desta terça-feira (13) a desmontagem de unidades já esvaziadas na favela do Moinho. A ação conta, desde hoje, com anuência da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), documentada em ofício enviado à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado. Os trabalhos de demolição de estruturas não ocupadas foram iniciados, na última segunda-feira (12), por seis casas que representavam risco pela estrutura precária. A ação é realizada conjuntamente pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), pela Subprefeitura Sé e pela Defesa Civil.

    Essa iniciativa é fundamental para garantir a segurança devido ao alto perigo dos imóveis. Além disso, evita novas ocupações que poderiam ampliar o número de pessoas expostas a esses constantes riscos de segurança e saúde públicas. Só estão sendo demolidas moradias de pessoas que já deixaram, de maneira voluntária, o local, após aceitação do Plano Habitacional proposto pela Companhia.

    Até então, as casas estavam sendo emparedadas, medida paliativa que não dava garantias de que os locais não seriam reocupados. Inclusive, houve muros derrubados e que foram novamente emparedadas, o que reforça a necessidade dos desfazimentos.

    Já foram realizadas mudanças de 168 famílias que moravam no Moinho. Os trabalhos tiveram início no dia 22 de abril. Ao todo, 752 famílias já aderiram ao reassentamento (88% do total), sendo que 599 estão habilitadas, ou seja, já estão aptas a assinar contratos e receber as chaves assim que as unidades estiverem prontas. Até agora, 548 já escolheram o imóvel de destino para atendimento final ou sinalizaram a opção por Carta de Crédito Individual para buscar uma casa no mercado, mesmo número que já iniciou o processo para recebimento de auxílio moradia. Os trabalhos continuarão, nos próximos dias, para realizar as mudanças agendadas com as famílias que já solicitaram o transporte para os novos endereços.

    O reassentamento da comunidade é uma ação para levar dignidade e segurança a essa população. Os ocupantes do local estão expostos a alto risco caracterizado pela localização, entre linhas de trens, e baixa possibilidade de escoamento por ser uma área murada e com apenas uma entrada. A situação é agravada pela alta densidade de moradias e alta incidência de fiação exposta. Na última década, foram registrados dois incêndios de grandes proporções que deixaram mortos e centenas de desabrigados.

    Para esse reassentamento definitivo das famílias, há duas modalidades prioritárias: a Carta de Crédito Associativa (CCA) e a Carta de Crédito Individual. Pelo CCA, o Estado fez um chamamento público ao mercado para receber propostas de unidades que já tenham ao menos as licenças emitidas, estando prontas para iniciar as obras a partir do aporte de recursos. Os empreendimentos podem, também, estar em obras ou, até mesmo, já concluídos. A modalidade acelera o ciclo de produção habitacional, pois já estão vencidas as etapas de obtenção de licenças e alvarás, além da elaboração de projetos.

    Pela Carta de Crédito Individual, os cidadãos podem buscar unidades e apresentar para a CDHU, que fará uma avaliação de valor de mercado para seguir com a contratação. Nas duas modalidades, o valor limite é de R$ 250 mil para unidades na região central e R$ 200 mil para outros bairros, com possibilidade também de escolha, pelos moradores do Moinho, de optar por moradias em qualquer outra cidade do Estado.

    Durante o combate à criminalidade nas Cenas Abertas de Uso, no centro de São Paulo, investigações realizadas pelas forças de segurança do Estado apontaram que a Favela do Moinho é um entreposto para o tráfico de drogas, ou seja, um ponto estratégico para a distribuição de entorpecentes na região.

    Na Operação Salus et Dignitas, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Tráfico de Drogas) denunciou 11 pessoas por crimes de organização criminosa e crimes como tráfico de drogas e lavagem de capitais. Os acusados, ligados ao PCC, tinham como base de suas atividades ilícitas a Favela do Moinho.

    Os trabalhos desmantelaram, inclusive, um sistema de antenas para interceptação de sinais de telecomunicações das polícias, o que permitia aos criminosos antever ações de combate ao tráfico.

    A operação é resultado de mais de um ano de trabalho de inteligência e investigação das forças de segurança do Estado. Ao todo, cinco mandados de prisão foram cumpridos, entre eles o de Leonardo Monteiro Moja, que foi preso na Praia Grande. Conhecido como Leo do Moinho, ele é um dos líderes do PCC e apontado como proprietário de hotéis e estabelecimentos no centro da capital. Os locais eram registrados em nome de laranjas e funcionavam como pontos de tráfico de drogas.

    Leia a íntegra do que diz a SSP-SP

    A Polícia Militar atua desde a manhã desta terça-feira (13) na Favela do Moinho, região central de São Paulo, em apoio a equipes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Durante a ação, dois homens foram detidos após agredirem policiais militares com pedras e garrafas. Dois cabos da PM ficaram feridos na face e na cabeça e foram levados à Santa Casa. Para conter os agressores e restabelecer a ordem, os policiais usaram força moderada e instrumentos de menor potencial ofensivo. A ocorrência foi encaminhada ao 2º Distrito Policial (Bom Retiro) e segue em andamento.

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