Willians J. Santos
Na quarta-feira 11 de março estudantes da Universidade Estadual de Campinas mobilizados em torno do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp e da Frente Pró-Cotas obtiveram uma importante conquista com adoção de cotas étnico-raciais e para pessoas com deficiência nos cursos de pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – sociologia, antropologia, ciência política, história, ciências sociais, filosofia, relações internacionais, demografia e ambiente e sociedade.
No dia da aprovação ficou decidido que todos os cursos deverão ter o documento “Proposta Étnico-Raciais e de Pessoas com Deficiência para Programas de Pós-Graduação” por base e que realizarão uma posterior discussão para a elaboração dos editais de seleção, implementando as cotas já para o processo seletivo de 2015.
A Frente Pró-Cotas nasceu em meados de 2012, no Centro Acadêmico da Linguagem (CAL), do Instituto de Filosofia da Linguagem, a partir de um interesse comum: a necessidade de ações afirmativas voltadas à inclusão de grupos historicamente excluídos desse espaço. O Núcleo surge na mesma época, a partir de estudantes que impulsionam o mês da consciência negra: “Tanto a Frente quanto o Núcleo esperam que a discussão sobre cotas alavanquem aquilo que está em seu fundamento: uma contestação das formas de racismo e exclusão institucional, às quais se somam outras formas de discriminação nas relações sociais cotidianas e tantos outros mecanismos de reprodução de privilégios(sic)”, comenta um integrante do Núcleo.
O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) vive um momento histórico também em relação ao seu corpo docente. No ano de 2014 o terceiro professor negro, Mário Augusto Medeiros da Silva (sociologia), assumiu uma cadeira para lecionar na Universidade. Ele foi precedido pelo professor Josué Pereira da Silva (sociologia) a partir de 1998, depois por Lucilene Reginaldo (história) em 2012. Todos se integram a Universidade no período de redemocratização sendo que o mesmo Instituto fora fundado em 1968 – ano histórico de lutas mundiais estudantis e laborais, e no Brasil de estudantes e trabalhadores contra a Ditadura.
A UNICAMP, segundo Igor Carvalho, não optou, ainda, pela reserva de vagas para a graduação segundo critérios étnico-raciais ou sociais, mas por uma política de “bônus” na nota final do vestibular aos estudantes oriundos das escolas públicas e autodeclarados chamado Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social. Outra política é o Programa de Formação Interdisciplinar Superior onde o melhor colocado no ENEM de cada uma das escolas públicas de Campinas recebe uma vaga em um curso de formação pré-graduação, depois competem entre si, o melhor colocado recebe uma vaga no curso escolhido, sem necessidade de prestar o vestibular, o número de vagas via PROFIS é limitado.
No entanto, há ainda muita desigualdade de acesso bastando notar os dados dos alunos ingressos nos cursos de ciências humanas.
Um dos argumentos ideológicos que as universidades utilizam para manter o vestibular é a necessidade de manutenção da excelência do ensino e da pesquisa acadêmica, neste sentido, o sistema avaliativo escolhe os mais preparados. Porém, esta “lógica da excelência”, segundo Gregório Grisa, se antes significava o desenvolvimento de pesquisas de ponta, de alta complexidade científica, atualmente, transformou-se numa perversidade classificatória onde conhecimento e pessoas são submetidos a avaliações internas e externas por meio de princípios positivistas; a excelência está sendo capturada pela meritocracia e o mercado, transformando-se na lógica do “discurso do competente”, onde objetiva-se a sanar problemas comerciais, da produção de tecnologia, etc. Tal lógica faz a universidade distanciar-se de seus objetivos político-sociais e é restrita a poucos.
Paradoxalmente, uma pesquisa da própria Unicamp demonstrou que pessoas socialmente diferentes têm as mesmas capacidades. Acompanhando a vida acadêmica dos estudantes de cursos diversos observou-se não haver diferenciação em relação às notas finais das disciplinas cursadas na graduação entre aqueles que receberam o bônus e aqueles que não. Os alunos participantes dos programas de inclusão comprovaram “serem capazes” de estudar em alto nível, independentemente de sua origem social e educacional, conforme a pesquisa.
A questão é que estudantes de classes mais privilegiadas e oriundos de escolas privadas de altíssima qualidade ou de cursinhos pré-vestibular de grande prestígio, predominantemente brancos, acessam a Universidade de Campinas já no fim da adolescência, sem grandes dificuldades, pois ao longo de sua trajetória obtiveram tempo (já que não precisavam trabalhar) e material técnico, recursos, paz, para dedicarem-se somente a tarefa própria a suas idades, os estudantes pobres, muitos dos quais, negros (as) são obrigados a enfrentar uma trajetória dramática de estudos em cursinhos populares dividindo o tempo de estudo com o trabalho.
O próprio candidato continua sendo responsabilizado por sua ausência ou “auto exclusão”, conceito presente na pesquisa divulgada pela Unicamp. Para a Universidade há razões externas à responsabilidade da Instituição que são determinantes no fenômeno de não acesso e presença de negros e negras, por exemplo, na condição de estudante. Embora, seja constatável a presença negra na condição de trabalhador (a) terceirizado (a) ocupando quase todo quadro de funcionários e estejam ausentes dos postos de contratados, conforme dados.
Outro fator desta realidade se refere a política de permanência do aluno após seu ingresso com a aplicação do SAE (Serviço de Apoio ao Estudante) o qual se destina especificamente a garantir que não haja evasão. Isto é garantido por meio de auxílios como moradia estudantil, bolsa auxilio alimentação, transporte, saúde, lazer, etc.
Este programa vem sendo muito criticado pelos estudantes em relação ao processo de seleção, pois as entrevistas com as assistentes sociais têm seguido critérios subjetivos, parciais e ilógicos, há falta de vagas na moradia estudantil que não se adéquo á novas demandas. Bem como, a Universidade vem-se utilizando do benefício para proletarizar os estudantes pobres colocando-os em postos de trabalho que poderiam ser ocupados por negros e negras efetivamente como profissionais contratados, visto que o gráfico acima denota sobre a composição étnico-racial dos profissionais da universidade majoritariamente brancos.
Por fim, a lógica das políticas atuais de acesso unicamente pelo vestibular ou pelos bônus e de falhas nas medidas de permanência no ensino superior se revelam meios antidemocráticos de tratar o bem público, levando ao limite o próprio conhecimento, pois, como afirma Gregório Grisa, o conhecimento é mais legítimo quando produzido por conhecimentos e cognições diversos. Diante de qualquer sistema avaliativo classificatório, ainda que sob a justificativa da manutenção da excelência do conhecimento, este contexto só contribui para o conflito de classe e fortalece o preconceito racial. Mais interessante seria levar em conta o que outras vozes, como a dos estudantes, apontam e que podem contribuir para a saúde da própria vida acadêmica e para a democratização do espaço público.
Abdias do Nascimento constata que o racismo no Brasil se caracterizaria pela covardia uma vez que “os negros estão mesmo nos patamares inferiores, ocupam a base da pirâmide social e lá sofrem discriminação e rebaixamento de sua autoestima em razão da cor (sic) .”
A “raça” como um dado biológico não existe, mas ainda sim as relações são racializadas, pessoas são classificadas, beneficiadas ou exclusas devido a sua cor. Ações afirmativas via cotas atuam para transformar as desigualdades construídas historicamente entre pessoas de cor diferentes, discriminadas por suas características, têm o poder no presente de denunciar esta realidade social, criando mecanismos de valorização cultural, social e de distribuição dos bens socialmente produzidos, diversificando o espaço público, universalizando direitos, etc.
Cunha Junior denuncia haver nos institutos de ensino superior no Brasil impedimento aos intelectuais negros (as) comporem o corpo docente e inferiorização (ou ausência) de temáticas de estudos relativas à população negra, configurando isto um quadro de “racismo acadêmico”.
A produção de conhecimento é uma forma de poder político e cultural. Neste sentido, a produção científica, a deliberação de políticas e o poder exercido na e a partir da Universidade Pública, tendo a pós-graduação como locus central, ao segregarem pessoas determinadas e saberes reforça as relações sociais e políticas desiguais.
A não presença de jovens negros, negras e indígenas no espaço universitário é o resultado do que os movimentos sociais negros denominam de genocídio da população preta pobre e periférica. Denunciam que jovens inferiorizados no âmbito socioeconomico quando não são violentados fisicamente – encarcerados ou mortos em conflitos – são violentados simbolicamente através da desmoralização de suas práticas culturais, das piadas racistas ou xingamentos, ou da segregação das próprias instituições públicas.
Por exemplo, quando falamos de acesso a Universidade claro que pressupomos a presença de pessoas de várias idades: jovens adultos, adultos, pais, mães, idosos. A média do público de graduação ingressante está entre 17 a 23 anos. É esta também a média de idade da juventude morta no Brasil segundo a Anistia Internacional e de outros especialistas em segurança pública.
Na Pós-graduação a média de ingressantes está entre 24 a 30 anos de idade, a média do perfil geracional das mulheres não brancas, com pouca ou nenhuma escolaridade, encarceradas no Brasil.
A aprovação das cotas na Unicamp, por fim, é significativa para a juventude, pois nos leva a pensar sobre como a segregação atinge os jovens impedindo-os de acessarem seus direitos. O Núcleo e a Frente mostram caminhos importantes de combate e superação, ao menos no âmbito institucional, do racismo.
Willians J. Santos é mestrando em Sociologia/Unicamp