Cemitério São Luiz, onde está o túmulo, é conhecido por enterros de vítimas de mortes violentas e foi repassado pela gestão Ricardo Nunes à iniciativa privada em 2023. Concessionária diz que controle de entrada é “temporário”

Uma visitante do Cemitério São Luiz, na zona Sul de São Paulo, foi barrada na entrada do local nesta segunda-feira (10/2) sob a alegação de que teria de prestar informações pessoais para ter o acesso liberado. Ela pretendia visitar o túmulo do filho, morto pela Polícia Militar há exatos dois anos.
Sandra de Jesus Barbosa da Silva, de 41 anos, conta que um segurança do local ordenou que ela buscasse uma autorização de acesso na sede administrativa do cemitério — onde deveria ceder dados pessoais como nome completo e telefone, além de informações sobre o túmulo que pretendia visitar.
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Sandra, que atualmente é pesquisadora do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), perdeu o filho, Luiz Fernando Alves de Jesus, em fevereiro de 2023. Ela gravou pelo celular a interação com um dos funcionários na sede do cemitério, onde outros visitantes também eram interpelados a ceder dados pessoais.
No vídeo, o interlocutor, que se apresenta como administrador do local, diz que não havia veto à entrada e que as informações eram solicitadas apenas para um “controle interno”. Após Sandra insistir ter sido, sim, barrada, o funcionário afirma que o segurança havia errado. À Ponte, Sandra reitera que, somente após reforçar que não cederia seus dados pessoais, teve o acesso liberado.
“Eu tinha comprado muitas flores para arrumar o jardim do meu filho. Eu bati o pé que não ia passar dado algum, que eu tinha esse direito de ter livre acesso”, diz Sandra, que pagou para enterrar o filho no local e não precisou ceder informações quando visitou o túmulo pela última vez, no Natal passado.
Concessionária alega controle de ‘pequenos furtos’
O Cemitério São Luiz é um dos 23 espaços funerários cedidos à iniciativa privada em 2023 pela prefeitura de São Paulo, na gestão Ricardo Nunes (MDB). O local é administrado pela empresa Velar SP.
Em nota à reportagem, a Velar SP alegou que o controle de acesso é provisório. “Em virtude de algumas reclamações de condutas inadequadas como o uso de drogas e ocorrência de pequenos furtos de placas de metal em algumas quadras gerais, a Velar SP está solicitando temporariamente o registro das pessoas que acessam esta área por meio de um portão interno do cemitério”, escreveu.
A Ponte também procurou a SP Regula, autarquia da gestão Nunes responsável por fiscalizar os serviços delegados da prefeitura, como é o caso do cemitério, mas não obteve retorno.
Letra dos Racionais MCs
O cemitério São Luiz é conhecido por aparecer na música “Fórmula Mágica da Paz”, em que os Racionais MCs descrevem o perfil comum dos visitantes do local: as mães de vítimas de homicídios.
“Dois de novembro, era Finados/ Eu parei em frente ao São Luiz, do outro lado/ E durante uma meia hora olhei um por um/ E o que todas as senhoras tinham em comum?/ A roupa humilde, a pele escura/ O rosto abatido pela vida dura/ Colocando flores sobre a sepultura”, diz trecho da letra, de 1997.
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Uma reportagem recente da Deustche Welle mostrou que, ainda hoje, a maioria dos enterros no local são de homens jovens e negros, perfil comum de mortes violentas. É o caso do filho de Sandra, que foi morto a tiros, aos 20 anos de idade, por três policiais militares da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) quando foi flagrado em uma tentativa de assalto.
O caso ficou conhecido após um vídeo mostrar o jovem já caído no chão sendo baleado pelos PMs. Os policiais alegaram que Luiz tentou disparar contra eles, o que a investigação da Polícia Civil desmentiu. O trio se tornou réu em outubro do ano passado. A família ainda aguarda uma primeira audiência instrução, quando a Justiça passará a definir se levará ou não os agentes ao Tribunal do Júri.
Leia a íntegra da nota da Velar SP
A Velar SP não restringe o acesso aos cemitérios que administra, incluindo o São Luiz. Os portões dos cemitérios ficam abertos aos visitantes todos os dias entre as 7h e 17h. As áreas de administração, velórios, capela, quadras gerais e outras dependências do cemitério São Luiz têm entrada livre.
Em virtude de algumas reclamações de condutas inadequadas como o uso de drogas e ocorrência de pequenos furtos de placas de metal em algumas quadras gerais, a Velar SP está solicitando temporariamente o registro das pessoas que acessam esta área por meio de um portão interno do cemitério. O intuito é a preservação dos túmulos e o aumento da segurança de visitantes e funcionários.
A concessionária está avaliando as medidas cabíveis para evitar quaisquer transtornos e garantir o ambiente de respeito no cemitério. É importante esclarecer ainda que o cemitério São Luiz já conta com equipes de segurança e ronda motorizada.