Mães de Maio denunciam promotora por “criminalizar” movimento

    Grupo pede afastamento de Ana Maria Frigério Molinari, ex-promotora do Gaeco. Em vídeo, sem apresentar provas, ela acusa o grupo independente de direitos humanos de ligação com o crime organizado. Procurada, ela não quis dar entrevista sobre as acusações.

    [VÍDEO REMOVIDO POR DECISÃO JUDICIAL]

    “Está havendo uma criminalização do nosso movimento”, denuncia Débora Silva, uma das fundadoras do grupo independente de direitos humanos Mães de Maio, criado há nove anos para denunciar os Crimes de Maio – as centenas de homicídios praticadas por policiais e grupos de extermínio no Estado de São Paulo em maio de 2006. Débora se refere ao vídeo acima, em que uma ex-promotora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Ana Maria Frigério Molinari, acusa as mães de envolvimento com o tráfico de drogas.

    A denúncia de Débora foi feita durante uma audiência pública com vítimas de violência policial realizada em 10/11 na Câmara Municipal de São Paulo, diante de representantes do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), da Ouvidoria da Polícia, da Defensoria Pública e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entre outros. “Exigimos que seja afastada essa promotora”, afirmou.

    No vídeo, gravado durante uma audiência de instrução na 3ª Vara Criminal de Cubatão, a promotora responde a perguntas feitas pelo advogado de três policiais militares, Cristian David Almeida de Castro, José Roberto de Andrade e Rudney Queiroz de Almeida, acusados de “sequestro e denunciação caluniosa”. Segundo a denúncia do Ministério Público, em 2009, o trio teria sequestrado um suspeito com o objetivo de assassiná-lo no acostamento da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, mas, surpreendidos por policiais rodoviários, disseram que haviam prendido o homem por porte ilegal de arma.

    Em resposta às perguntas do advogado dos PMs, a promotora Ana Maria, que hoje atua na Procuradoria de Justiça de Praia Grande, aparece no vídeo comentando a atuação das Mães de Maio. Sem mostrar provas, a promotora afirma que, quando atuava no Gaeco, havia recebido a informação de que o grupo de direitos humanos seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

    “Algumas dessas pessoas faleceram nos Crimes de Maio e os direitos [de gerenciar biqueiras] são transmitidos aos familiares, que por vezes gerenciam ou até mesmo arrendam os pontos de tráfico de drogas”, diz Ana Maria. Por isso, segundo a promotora, as Mães de Maio teriam adotado a prática de denunciar “policiais que efetivamente combatiam o tráfico de drogas”.

    Os crimes

    As Mães de Maio já receberam o Prêmio dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, e há dois anos foram homenageadas com uma lei estadual que transformou o 12/5 em Dia Mães de Maio. Os crimes que motivaram a criação do grupo ocorreram após o PCC matar 43 agentes públicos, a maioria nos dias 12 e 13 de maio de 2006. Entre 12 e 20 de maio, o Estado de São Paulo registrou a morte de outras 493 pessoas, muitas baleadas por policiais em supostos confrontos ou por homens encapuzados.

    Entre as vítimas, estava o filho de Débora, Edson Rogério Silva dos Santos, que, segundo ela, trabalhava como gari e “levava no bolso o holerite do emprego, que ficou manchado de sangue”. Outra Mãe de Maio, Vera Lúcia dos Santos, entrou para o grupo após sua filha, Ana Paula Gonzaga dos Santos, grávida de nove meses, ter sido morta por tiros que também atingiram o feto que levava na barriga, uma menina chamada Bianca que estava com a cesariana marcada para dali a três dias.

    Na Câmara Municipal de SP, Débora denuncia "criminalização" das Mães de Maio
    Na Câmara Municipal de SP, Débora denuncia “criminalização” das Mães de Maio

    Pelo menos três investigações independentes apontaram a suspeita de que os Crimes de Maio não passaram de uma série de execuções praticadas por policiais. A primeira surgiu de uma comissão criada ainda em 2006, coordenada pelo Condepe, que se debruçou sobre os laudos necroscópicos do período reunidos pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Ao analisar 124 destes homicídios, registrados pela polícia como “resistência seguida de morte”, o perito Ricardo Molina concluiu que, em 60% a 70% dos casos, havia indícios “típicos de execução e não de confronto com troca de tiros”.

    Em 2009, uma nova análise dos mesmos Crimes de Maio, feita pelo sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a pedido da ONG Conectas, apontou “indícios do envolvimento de policiais fardados ou encapuzados em 122 execuções, ocorridas em supostos confrontos ou por ações de grupos de extermínio”.

    As mesmas conclusões aparecem no relatório São Paulo Sob Achaque, produzido pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, nos EUA, em parceria com a ONG Justiça Global. O texto acusa o Ministério Público Estadual de ter sido “omisso” na apuração dos crimes e sugere o deslocamento da competência da investigação para o MP Federal. A solicitação de federalização também foi feita pelas próprias Mães de Maio, em 2012, à presidente Dilma Rousseff, que até hoje não se manifestou.

    “Pressão política e midiática”

    Em seu depoimento no vídeo, a promotora Ana Maria conta que, quando atuava no Gaeco, recebeu um pedido de seus superiores para fazer um relatório a respeito das apurações sobre os Crimes de Maio, com o objetivo de “evitar o pedido de federalização desses crimes”. O pedido desagradou a promotora, que se sentiu “pressionada”. Segundo ela, “havia uma pressão política e midiática para apontar, como autores dos delitos dos casos de maio, policiais notadamente com reconhecida atuação no combate ao crime de tráfico de drogas”. O episódio teria levado a promotora a abandonar o Gaeco e ficar apenas com seu trabalho em Praia Grande.

    A Ponte Jornalismo procurou tanto a promotora como a assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual sobre as denúncias. Apenas a assessoria do MPE respondeu. Em nota, afirmou que “não se manifesta sobre processo em andamento”. E acrescentou: “Sobre o depoimento da promotora, só a própria promotora pode se manifestar. Consultada sobre sua demanda, a promotora disse que não se manifestará porque o processo em questão tramita sob segredo de Justiça”.

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