Mães de maio pedem assistente de acusação

    Movimento pressionou a Defensoria Pública a definir assistentes de acusação  para atuar com o MP como parte contingente de processos contra agentes do Estado
    Débora MAria da Silva, ao centro. Fotos: Rafael Bonifácio/Ponte Jornalismo
    Débora Maria da Silva, ao centro. Fotos: Rafael Bonifácio/Ponte Jornalismo

    Débora Maria da Silva, 54, do movimento Mães de Maio, está tão acostumada a esbarrar em “nãos” que se disse otimista após uma reunião de três horas onde suas demandas saíram ancoradas na conjunção de hipótese “se” e no advérbio de dúvida “talvez”. De “sim” mesmo obteve o compromisso das ouvidorias da Defensoria Pública e das Polícias do Estado de São Paulo sobre a realização de um segundo encontro.

    Coordenadora do movimento de mães e parentes de vítimas da violência policial ocorrida em 2006, quando, num período de 8 dias, 493 pessoas foram assassinadas no Estado de São Paulo, ela liderou no último sábado, 26, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, uma audiência pública para pressionar a Defensoria Pública do estado a adotar a figura do assistente de acusação – permitir que um defensor atue ao lado do Ministério Público como parte contingente do processo – para auxiliar a vítimas da violência do Estado. Em 122 casos, das 493 mortes, há suspeitas de participação de policiais militares que teriam agido em represália aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), que matou 43 agentes públicos.

    “Queremos uma defensoria com poder popular”, clamou Débora uma, duas e outras tantas vezes durante as intervenções que fez no evento. É a primeira audiência que o grupo realiza para pedir assistentes de acusação vindos da Defensoria.

    Vera, mãe de Ana Paula. Foto Rafael Bonifácio / Ponte Jornalismo
    Vera, mãe de Ana Paula.

     “Quem matou minha filha foi o Estado”, Vera Lúcia dos Santos, mãe de Ana Paula dos Santos, assassinada junto com o marido. Ana estava grávida de 9 meses e levou dois tiros, um na cabeça e outro na barriga.

     

    “Quando procuramos a Defensoria eles nos recomendam procurar um advogado. Que Justiça para Todos é essa?”, provocou a coordenadora, numa referência ao prêmio Justiça para Todos conferido pela Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo a defensores que se notabilizam na defesa dos direitos da população. “Não podemos aceitar que o Ministério Público tome conta desses casos, porque a polícia mata, mas o Ministério Público mata mais e com canetadas, com jogos de carimbos entre instituições”, completou Débora, cujo filho Edson Rogério Silva dos Santos foi morto aos 29 anos nos chamados Crimes de Maio.

     Estímulo

    A condenação do cabo da Polícia Militar, Alexandre André Pereira da Silva, em 10 de julho, pelo assassinato de três rapazes na zona norte de São Paulo, em maio de 2006, cujo julgamento teve a participação de uma assistente de acusação da Defensoria Pública, deu força ao pedido do Mães de Maio. “A Defensoria Pública não deve atuar como assistente de acusação em todos os casos. Mas, temos que somar nossas forças às do Ministério Público quando, no banco dos réus, está um representante do Estado que se utiliza de seu poder para cometer um crime”, disse em entrevista ao site JusBrasil, a defensora Maíra Coraci Diniz, que atuou no caso.

    Fizeram coro ao pedido, no evento que reuniu cerca de 30 pessoas, movimentos sociais como Luta Popular, Moinho Vivo e outras mães que tiveram seus filhos assassinados por PMs. “Vivemos numa guerra do Estado contra os pobres, guerra que não é assumida, mas que é realizada todos os dias”, disse Helena Silvestre, do movimento Luta Popular.

    “Quem matou minha filha foi o Estado”, afirmou ao microfone a cabeleireira, Vera Lúcia dos Santos. No dia 15 de maio de 2006, a filha de Vera, Ana Paula, então com 20 anos, saiu de casa por volta das 19h30 para tomar uma vitamina de frutas numa padaria próxima de casa, em Santos. Grávida de 9 meses, aquela seria sua última refeição antes de ser internada para dar à luz. “Ela só podia comer até a meia-noite, porque ia fazer uma cesárea, e teve desejo de uma vitamina”, lembra Vera.

    Cartaz com mortos em maio de 2006
    Cartaz com mortos em maio de 2006

    Antes de chegarem à padaria, Ana, o marido e dois amigos foram interceptados por um carro preto de onde saíram quatro homens encapuzados. “Um deles atirou na perna de meu genro e outro no braço de minha filha, que caiu no chão”, diz Vera. Acontece que Ana, ao levantar-se, conseguiu tirar o capuz de um dos atiradores. Ante o apelo do marido para que a esposa fosse preservada porque estava grávida o atirador, segundo relato de Vera, apontou a arma para a cabeça da moça, disse “estava grávida” e atirou. Na sequência deu um terceiro tiro, dessa vez na barriga que carregava Bianca, como seria batizada a menina caso tivesse sobrevivido. O marido de Ana também foi executado, os outros dois colegas conseguiram fugir. O inquérito sobre a morte do casal foi arquivado em 9 meses.

    O ouvidor geral da Defensoria Pública de São Paulo, Alderon Costa, assim como o assessor da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, Cristiano José dos Santos, concordam com a solicitação do movimento, mas como ouvidores não têm poder de decisão. Ambos se comprometeram a articular um encontro entre Ministério Público, Polícia Militar, Defensoria e o Mães de Maio para discutirem a possibilidade de atuação mais frequente de defensores públicos como assistentes de acusação. “Temos que ter, sim, uma Defensoria com poder popular”, disse Costa.

    O coordenador do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública, Carlos Weis, também acha interessante contar com um assistente de acusação, mas em casos específicos. “O conceito da instituição é defender. Claro, que nós contribuiríamos fazendo a defesa dos direitos humanos, mostrando para a sociedade que casos de letalidade policial são inadmissíveis”, argumenta. Weis, no entanto, destaca que existe um órgão específico para isso que é o Ministério Público e que “a ausência de um assistente não pode resultar numa acusação fraca. Então a cobrança maior deve ser feita primeiramente a quem tem o papel de acusar”.

    A próxima reunião entre o Movimento Mães de Maio, Defensoria Pública, Polícia Militar e, quem sabe, Ministério Público ainda não tem data marcada. Se for agendada, se todos os atores políticos participarem e se entrarem em entendimento, talvez as solicitações das mães venham a ser atendidas. E foi diante desse “se” e desse “talvez” que Débora saiu otimista.

     

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