Homenagem é realizada anualmente desde 2016; cerca de 80 pessoas compareceram no local: ‘não podemos deixar que esses crimes caiam no esquecimento’, disse uma das mães
Vestidas de camiseta branca com a fotografia do filho estampada no peito, as mães sentaram-se na primeira fileira da igreja São João Batista, localizada no bairro Vila Mogi Moderno, na Grande São Paulo. Enquanto o bispo diocesano Dom Pedro Luiz Stringhini pronunciava as primeiras palavras, algumas mães tentavam, em vão, conter as lágrimas que escorriam pelo rosto. A missa celebrada neste sábado (26/01) foi em memória aos 21 jovens assassinados a tiros entre novembro de 2013 e julho de 2015, em Mogi das Cruzes. Até o momento os ex-PMs Fernando Cardoso Prado de Oliveira e Vanderlei Messias Barros são acusados pelo MP (Ministério Público) de participarem de partes dos crimes que ocorreram entre 2014 e 2015. Em outubro do ano passado, Oliveira chegou a ser absolvido da acusação de participar de duas mortes ocorridas antes da série de assassinatos, mas segue preso justamente por causa dessas outras acusações.
Antes de iniciar a missa, integrantes do grupo Mães Mogianas – coletivo independente formado por mães, amigos e familiares de vítimas – pronunciaram sobre os casos e pediram justiça. “Nós somos a voz daqueles que se foram e não tiveram justiça. Já faz mais de cinco anos desde o primeiro ataque e ninguém foi culpado. Não podemos deixar que esses crimes caiam no esquecimento. É preciso lutar, pois quem assassinou esses jovens tem que pagar pelo que fez. Nossos corações só terão paz quando encontrarmos a justiça aqui na terra, pois a justiça de Deus não falha”, concluiu Inês Paz, ex-professora de nove jovens assassinados nos ataques.
Lucimara dos Santos, mãe de Christian Silveira Filho, 17 anos, assassinado na madrugada de 24 de janeiro de 2015, na Vila Caputera, conta que a missa acaba servindo como um rito onde busca retomar forças para continuar lutando. “Não é fácil. Nas datas comemorativas eu sinto muita saudade do meu filho. Às vezes tenho até vontade de desistir, mas quando estou aqui e vejo todas essas pessoas, eu fico grata e renovo as minhas forças. Isso demostra que as pessoas ainda se importam. E tudo isso me dá coragem para continuar lutando por justiça. Eu saio daqui renovada”. A missa é celebrada anualmente desde 2016, após Lucimara e a professora Inês Paz pedirem apoio à igreja.
Além de Christian, o ataque que ocorreu na Vila Caputera matou Ivan Marcos dos Santos, 18, e Lucas Tomaz de Abreu, 20. Outras duas pessoas ficaram feridas, mas sobreviveram. O grupo de amigos estava reunido em frente ao portão de casa e pediam esfirras quando foram atacados a tiros. De acordo com as testemunhas, os autores dos assassinatos foram quatro homens encapuzados que estavam em um Fox vermelho e efetuaram mais de quinze disparos contra os jovens. Até o momento, apenas o ex-soldado da PM Fernando Cardoso Prado de Oliveira foi indiciado pela chacina. Por meio de relatos de testemunhas que foram ameaçadas pelo ex-agente de segurança e pelas características do veículo utilizado no crime, ele se tornou um dos principais suspeitos de participação na chacina.
Na mesma madrugada em que ocorreu o ataque da Vila Caputera, uma hora e meia depois, mais duas ações de extermínio aconteceram em Jundiapeba, Mogi das Cruzes. Celso Gomes, 29, e Breno Vale dos Santos, 14, foram assassinados. Breno levou dois tiros enquanto captava sinal de wi-fi na esquina, em frente de casa. “Ele tinha vindo para Mogi apenas para renovar os documentos, ele nem morava aqui”, conta Ivani Lira, mãe de Breno. Ivani relata que apesar da missa lhe trazer paz, não ameniza a dor. “Eu não queria estar aqui. Eu queria comemorar o aniversário do meu filho, não participar de uma homenagem do assassinato dele. Essa última quarta-feira fez quatro anos que eu o perdi e a investigação continua. Eu fico feliz ao ver todas essas pessoas, mas a dor nunca vai passar”.
O delegado Rubens José Ângelo, do Setor de Homicídios de Mogi e responsável pelas investigações, destacou à Ponte que exames balísticos permitiram confirmar que as balas disparadas no ataque da Vila Caputera eram semelhantes às munições utilizadas nos assassinatos que ocorreram em Jundiapeba uma hora e meia depois, porém com armas diferentes. Dessa forma não foi possível estabelecer ligação entre os dois ataques. Não houve testemunhas no segundo ato de extermínio.
Regina Simão Sarchi, mãe de Rafael Simão Sarchi, de 21 anos, assassinado com dez tiros no dia 26 de abril de 2014, no bairro Jardim Camila, relata que está ansiosa para o júri que deve acontecer ainda este ano. “É muito difícil, porque tem hora que eu acho que ele vai ser condenado, mas depois fico com medo dele ser absolvido, igual no júri que teve em outubro do ano passado. A missa ajudou a me acalmar, porque tem dias que eu não consigo dormir direito e me alimento muito mal também. É horrível”.
Segundo o delegado Rubens José Ângelo, as munições utilizadas no assassinato de Rafael Simão eram compatíveis com a pistola de uso pessoal do ex-PM Fernando Cardoso Prado de Oliveira. De acordo com o MP (Ministério Público), Oliveira tem ao menos sete inquéritos por homicídios. No dia 19 de fevereiro ocorrerá outro julgamento. Ainda não foi informado sobre qual dos processos Cardoso será julgado.