Manifestantes e jornalista são detidos por ato em memória de artista de rua morto pela PM

    Grupo teve que assinar termo circunstanciado após manifestante ter jogado tinta vermelha na escadaria da sede da Secretaria da Segurança Pública, em SP. SSP não explica por que profissional que cobria o protesto também foi detido

    foto de protesto em memória de Reginaldo Júnior, o África Menor, no Centro de São Paulo
    Manifestantes ocuparam o Vale do Anhangabaú durante ato em memória de Reginaldo Júnior, o África Menor, artista de rua que foi morto pela Polícia Militar em Sorocaba no último domingo | Foto: Fábio Vieira/FotoRua

    O fotojornalista Fábio Vieira, da agência FotoRua, e cerca de 15 manifestantes foram conduzidos ao 8º Distrito Policial da Polícia Civil de São Paulo na noite da última quinta-feira (9/1) em razão de um protesto pela memória de Reginaldo Júnior — artista de rua morto pela Polícia Militar em Sorocaba, no interior paulista, no domingo (5/1).

    Após serem detidos pela PM, todos tiveram de assinar um termo circunstanciado de ocorrência — inclusive o jornalista, que trabalhava na cobertura do ato — com menção ao artigo 37 da Lei de Contravenções Penais (LCP), que tipifica a conduta de “arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém”.

    Durante o protesto, um manifestante jogou tinta vermelha na escadaria da sede da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP). Essa pessoa sequer estava, no entanto, entre o grupo conduzido à delegacia, segundo Fábio relatou à Ponte.

    Já na sexta (10/1), o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pediu ao Juizado Especial Criminal do Foro Central da Capital, ao qual o termo circunstaciado foi enviado, o arquivamento do caso — por não haver sequer prova sobre quem seria o responsável pela infração imputada pela PM.

    “Os policiais não descreveram a conduta dos autores e o simples fato de estarem no local, por si só, não faz crer que o arremesso perigoso decorreu diretamente deles. Diante deste contexto, não há elementos suficientes para a propositura da ação penal”, escreveu a promotora de Justiça Priscila Cristina Fulanetti Alberti Rodrigues em seu parecer.

    Leia o documento o documento do MPSP na íntegra

    Questionada pela Ponte sobre as circunstâncias do episódio, a SSP afirmou, em nota, que “um grupo, de cerca de 17 homens, foi detido após arremessar objetos contra a sede da Secretaria da Segurança Pública, na Sé, região central de São Paulo, na quinta-feira (9). Ao todo, 41 latas de tinta spray e quatro cartazes foram apreendidos”.

    No parecer do MP-SP, no entanto, baseado nos autos do caso, há indicação de que apenas uma das pessoas envolvidas na manifestação “jogou tinta vermelha sobre a calçada e parte da escadaria” — sem menção ao fato alegado pela SSP de que objetos teriam sido arremessados por todo o grupo.

    Ainda no posicionamento solicitado pela reportagem, a SSP não detalha por qual razão o fotojornalista que fazia a cobertura do ato também foi detido.

    O grupo realizou o ato pela memória de Reginaldo Júnior, conhecido entre artistas de rua como África Menor, com concentração no Vale do Anhangabaú, logo depois de o Movimento Passe Livre (MPL) ter encerrado outro protesto na região central contra o aumento das passagens do transporte público na tarde de quinta (9/1).

    Manifestantes se deslocaram do Vale do Anhangabaú até a frente da sede da SSP, onde estenderam faixas em crítica à PM pela morte de Reginaldo Júnior | Foto: Fábio Vieira/FotoRua

    Artista de rua foi morto ao fugir de abordagem

    O fotojornalista Fábio Vieira, com trabalhos já publicados na Ponte, Estadão e Metrópoles, entre outros veículos de imprensa, passou a cobrir a manifestação em favor de Reginaldo por volta das 20h, após ter registrado também imagens do ato do MPL. Ele conta que o protesto contra o assassinato do artista de rua chegou a ter cerca de 30 pessoas, todas elas ligadas à cena da pichação e do grafite.

    Reginaldo Júnior foi morto ao tentar fugir de uma abordagem policial, após ele e um amigo terem sido flagrados durante um ato de pichação. A guarnição da PM responsável pela morte do artista relatou que teria ocorrido uma “troca de tiros” e que a vítima teria uma pistola calibre 380. Familiares afirmam, no entanto, que o porte da arma foi forjado e que o pichador foi executado sumariamente.

    O ato pela memória de Reginaldo virou uma passeata com faixas contra a violência policial e seguiu pela Rua Sete de Abril, atravessou o Viaduto do Chá, passando antes pelo Theatro Municipal, até chegar à sede da SSP. Foi então que um manifestante lançou tinta no local e foi embora.

    Policiais militares que estavam na sede da SSP ordenaram então que o grupo limpasse a escadaria, o que foi acatado por um dos manifestantes, sem responsabilidade sobre o ato anterior. Os próprios agentes cederam um balde com água para que a limpeza fosse feita — fato que foi registrado por Fábio Vieira.

    Manifestante que não teve responsabilidade sobre ato com tinta acatou, ainda assim, ordem de policiais para limpar a escadaria e a calçada da sede da SSP-SP | Foto: Fábio Vieira/FotoRua

    Detidos não tiveram acompanhamento de advogados

    Depois disso, os manifestantes retornaram ao Vale do Anhangabaú. Pouco antes das 22h, com o ato mais esvaziado, cerca de dez viaturas chegaram ao local e policiais abordaram os manifestantes. O fotógrafo Fábio Vieira, que conseguiu registrar imagens até ali, também foi rendido, mesmo tendo se identificado aos policiais o tempo como jornalista freelancer em expediente.

    O grupo então foi levado nos camburões das viaturas ao 8º DP, no bairro do Belém, sob a alegação de que alguém deveria responder pela tinta jogada na sede da SSP. Fábio, também colocado no “chiqueirinho” da viatura, teve de guardar os equipamentos de trabalho em uma mochila e entregá-los aos policiais. Ele só pôde retomá-los dentro da delegacia.

    O grupo foi mantido sentado no chão do local até por volta das 3h da madrugada de sexta. Cada um teve que assinar o termo circunstanciado e se submeter a uma fotografia na qual segura um cartaz com menção ao artigo 37 da LCP. Os documentos de cada um e faixas do protesto também foram fotografados. Fábio diz ainda que as pessoas conduzidas não puderam depor individualmente.

    Uma delegada de plantão teria questionado o grupo se todos estavam protestando. O fotojornalista diz que pôde apenas intervir em meio aos manifestantes para dizer que acompanhava o ato em razão de sua profissão. A delegada também solicitou dados de e-mail, telefone e endereço do grupo conduzido. Eles não tiveram o acompanhamento de advogados ou de defensores públicos, diz o fotojornalista.

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