Ato na Avenida Paulista nesta segunda-feira (9) reuniu cerca de 300 pessoas e foi do Masp à Praça do Ciclista. ‘Não basta apurar quem matou, o Estado brasileiro tem que reconhecer que é culpado’, diz representante indígena
Um ato em defesa dos direitos dos povos indígenas brasileiros foi realizado no fim da tarde e início da noite desta segunda-feira (9/5) na Avenida Paulista, centro da cidade de São Paulo. A manifestação foi convocada após a notícia de que uma menina ianomâmi de 12 anos da comunidade Aracaçá, em Roraima, em 26 de abril.
Sem lideranças definidas, o protesto contou com representantes de etnias como tupinambá, guarani, ianomâmi e xukuru, além de parlamentares como o vereador Eduardo Suplicy (PT) e a covereadora da Bancada Feminista Carolina Iara (PSOL).
O protesto começou por volta das 17h40 em frente ao Museu de Arte de São Paulo, com cantos e palavras de ordem: “o Brasil é terra indígena!”. Depois de negociação com a polícia, por volta das 18h os manifestantes ocuparam duas faixas da Avenida Paulista, sentido Consolação. Houve a intenção de se deslocarem ao Pateo do Colégio, no Centro Histórico da cidade, ou mesmo à Praça Roosevelt, destino comum das manifestações de esquerda em São Paulo, mas a Polícia Militar foi intransigente e permitiu que a manifestação fosse apenas até a Praça do Ciclista, no fim da Avenida Paulista.
Casé Angatu, 58 anos, do povo xukuru, de Palmeira dos Índios, explicou a necessidade da manifestação: “O genocídio, o etnocído dos povos indígenas, são históricos e estruturais, que dependem de uma sociedade ainda colonial que mantém o sistema capitalista. Qual é a grande questõa indígena? É a terra. Se esse coletivo todo aqui se autodeclarar indígena, não tem problema para o governo. Mas se esse coletivo se autodeclarar indígena e pedir o direito à terra, aí tem problema, aí a gente morre. O Estado brasileiro tem que reconhecer que nós estávamos aqui antes, mas não como proprietários. Nós não somos donos da terra, nos somos a própria terra. Nossa relação com ela é de sentimento, não de propriedade privada”.
“Esse país é formado por povos, e esse Estado-nação impõe sobre nós a lógica dele, inclusive a lógica econômica. Reconhecer o direito de nós sermos indígenas não basta, não basta apurar quem matou os ianomâmis. Mataram 30 tupinambás no meu território. Em 2015 eu estava fazendo uma manifestação aqui na na Avenida Paulista contra a morte dos guarani-kaiowá”, lembra Casé. “Daqui 10 anos morre mais. Quer apostar que vai morrer mais indígena ainda? Talvez até seja eu. O Estado brasileiro tem que reconhecer que ele é o cupado, junto com a Justiça brasileira e a elite nacional. Enquanto não se superar isso nós vamos continuar morrendo, como o [escritor] Ailton Krenak fala, ‘nós estamos em guerra’ – não a guerra deles, eles fazem massacre, etnocídio, a gnete faz guerra de resistência, nossas armas são essas, espirituais. Nossa luta acima de tudo é ritual.”
Budaga Deroby Nhambiquara, 40 anos, professor da rede estadual de São Paulo,indígena nhanbiquara e guarani, do Alto Tietê, explica que o ato foi movido pela solidariedade: “Não estamos representando nós, mas os ianomâmis. Esse ato é um grito de socorro pelos povos indígenas. Cada gota de sangue ianomâmi derramada é um pouco de nós que vai se esvaindo. É um ato não só de resistência, mas de existência, é um ato para dizer ‘estamos aqui’, é um ato onde cada parente se coloca na pele um do outro, como um único povo, embora sejamos mais de 300 etnias, com mais de 270 línguas diferentes, é um único povo que está morrendo, que está sendo agredido brutalmente”.
Budaga concorda que a questão vai além da punição dos garimpeiros acusados da morte da menina ianomâmi: “Esse caso das nossas crianças que foram violentadas até a morte, um ato brutal que a mídia tentou esconder. Quanto vale uma vida? Não queremos que isso aconteça, mas se fosse uma criança branca, o Brasil e o mundo estariam chorando. Mas quando se trata de um indígena, é ‘só índio’. Estamos aqui para dizer ‘estamos vivos’ e vamos continuar lutando, não só para que o garimpeiro saia de lá, mas para viver em paz independente de quem quer que seja, o garpimeiro, o fazendeiro, que não quer só a nossa terra, mas as nossas vidas”.
A manifestação, que contou com cerca de 300 participantes, foi encerrada por volta das 20h30 na Praça do Ciclista. Veja abaixo mais fotos do protesto.