Atos por todo o Brasil ocorrem neste sábado (3), incluindo grande protesto em São Paulo a partir das 16h. As pautas incluem o impeachment de Bolsonaro, vacina para todos e auxílio emergencial digno
O descontentamento com o presidente Jair Bolsonaro e com a gestão do governo federal na pandemia da Covid-19 levou novamente milhares de pessoas às ruas de diversos estados do Brasil neste sábado (3/7). As suspeitas de corrupção no ministério da Saúde com a compra da vacina Covaxin entraram na lista de motivos que moveram movimentos sociais autônomos, entidades estudantis, de moradia, além dos sindicatos, indígenas e o movimento negro a organizarem um novo ato.
Em São Paulo, 100 mil pessoas, segundo a organização do ato, se reuniram na Avenida Paulista para marchar contra o governo. Segundo a Polícia Militar, que vinha se recusando a divulgar estimativas de números de manifestantes em atos nos últimos anos, o protesto teve 5.500 pessoas. Foram menos de 15 dias desde as últimas manifestações contra Bolsonaro, ocorridas em 19 de junho. A onda de protestos pelo país começou em 29 de maio. No Brasil e no exterior ocorreram mais de 170 atos em 165 cidades.
Após os desdobramentos ocorridos na CPI da Covid no Senado Federal, os organizadores da “Campanha Fora Bolsonaro” anteciparam a manifestação que ocorreria em 24 de julho e protocolaram um “superpedido” de impeachment na Câmara dos Deputados. Nas ruas, manifestantes também reivindicaram vacinas, alimentação para a população e o auxílio emergencial de R$ 600 até o final da pandemia.
Iago Montalvão, 28, estudante e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), conta que a ideia da performance com os dólares manchados de sangue é “mostrar como o Bolsonaro desprezou a vida das pessoas ao não comprar as vacinas, e no momento que tentou comprar, tentou superfaturar, ganhar dinheiro em cima de algo essencial para salvar as pessoas. Ele tem esse sangue nas mãos dele, de um negacionismo que se mistura com corrupção”.
“Além de ser um governo autoritário, que não respeita a democracia, é negacionista, nega a ciência e a vacina. Além disso tudo, ele tenta ganhar em cima da vida das pessoas, é o pior tipo de corrupção”, finaliz Iago, que estuda economia na Universidade de São Paulo (USP).
Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, explica que o chamado “superpedido de impeachment” quer barrar o avanço das mortes causadas pela incapacidade do governo Bolsonaro de lidar com a Covid-19. “É muito importante a queda de Bolsonaro porque ele faz um governo supremacista branco, porque a sua política visa atingir majoritariamente a população mais pobre do país, aquela onde ele não vê o valor da vida: os povos indígenas, os povos originários, os povos quilombolas, o povo negro, esse povo que conforma a maioria da população brasileira. Esse povo cuja política genocida [de Bolsonaro] queria que o vírus se espalhasse, que as pessoas adoecessem e que morram. Está sem nenhuma dúvida demonstrado agora, com provas concretas, que foi uma política deliberada. O povo brasileiro precisa ocupar as ruas para exigir isso agora, ou no mínimo construir condições de derrota desse setor, não só do Bolsonaro mas do pensamento [bolsonarista], criar cultura para enfrentar a ideologia fascista que se espalhou pelo Brasil”.
Bemok Kayapó, 33 anos, veio do Pará para se manifestar também contra o Projeto de Lei 490, em tramitação na Câmara dos Deputados, que dificulta a demarcação de terras indígenas. “Esse projeto favorece o agronegócio e a mineração, uma afronta não só para nossos anciões como para gente nova também, que vem nesse novo mundo. Muitas pessoas falam de apocalipse, mas a gente [indígenas] já viveu o apocalipse, nosso mundo já foi destruído, e a gente vem se adaptando para viver com o que resta. Essa PL é um ataque a todos os povos originários do país”, afirmou.
Para Bemok, a luta indígena é uma luta de todos os brasileiros: “É a luta pela Terra, todo ser vivo veio da Terra. É uma luta de todo mundo, do parte quilombola, do branco, de todo mundo. A gente tem que defender o que é nosso por direito. E a Amazônia não é só uma casa de gante indígena, é de todo brasileiro. A gente tem que lutar junto para vencer o inimigo em comum, que é o governo”.
A professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fernanda Liberali, 53 anos, esteve na Paulista “em luto e luta” por André Russo, jornalista e também professor da mesma universidade, que morreu vítima da Covid-19. “Temos que lutar para tirar um genocida que está matando as pessoas sem necessidade. Não é só o Bolsonaro não, são todos os bolsonaristas que também perpetuam uma visão de mundo que está matando as pessoas.”
“André era um parceiro, que tinha um programa na rádio Capital, e a gente tinha um projeto de fazer formação via rádio para os professores da rede pública. Era um professor muito querido, tinha uma voz linda, dava aula na Belas Artes também. Morreu de Covid-19, como é o caso de muitos jornalistas, que estão na linha de frente para cobrir os fatos”, lamenta a professora.
Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), diz que está nas ruas “porque Bolsonaro já cortou mais de R$ 170 milhões dos Institutos Federais enquanto toca o projeto genocida que matou mais de meio milhão de brasileiros e brasileiras, que troca nossa vida por propina”.
Quem também esteve na Paulista protestando a perda de um ente querido foi Flávia Cristina Rossi de Melo, 33 anos, professora do ensino fundamental. Ela perdeu o marido há dois meses para a Covid-19. “Vim por ele e pelos mais de 500 mil brasileiros mortos. Vim para as ruas porque o governo é mais perigoso que o vírus”, diz.
“Dependíamos da vacina mas o governo optou por ser corrupto por negociar nossas vidas por um dólar cada, só venho porque minha dor é tão grande quanto a minha revolta. Meu marido tinha 37 anos. Ele estaria se vacinando nos próximos dias, se tivéssemos um governo serio ele teria se vacinado e minha vida não teria acabado, não vejo mais sentido em viver”, lamenta Flávia, lembrando que o marido não apoiava Bolsonaro: “Ele se foi, vítima de um cara que ele odiava. Tenho certeza que se ele estivesse vivo estaria aqui na rua como eu”.
No fim da tarde ocorreu no fim da Avenida Paulista uma briga entre militantes do PCO e do PSDB. Nãso há registro de feridos, mas a conta oficial do PSDB no Twitter – partido que mantém Rogério Marinho como ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro – publicou uma imagem de uma bandeira queimada.
Por volta das 18h o ato começou a deixar a Avenida Paulista em direção à Rua da Consolação. Aos gritos de “Fora Genocida”, manifestantes carregavam uma imagem de Bolsonaro caracterizado como demônio, com fogo nos olhos. Durante o trajeto em direção à Praça Roosevelt, no centro da cidade, adeptos da tática black bloc atacaram uma agência do Banco santander e uma concessionária de carros da Hyundai. Apesar disso, a PM comandada por João Doria (PSDB), diferente do costume, apenas protegeu o patrimônio, sem atacar o resto da manifestação.
Mais abaixo, na altura da estação Higienópolis / Mackenzie do Metrô, manifestantes entraram em confronto com seguranças da concessionária ViaQuatro, responsável pela Linha Amarela. Em uma postagem no Instagram, o fotógrafo Jardiel Carvalho conta que durante o confronto foi atingido na mão por uma pedra jogada por um dos seguranças do Metrô. Ainda segundo ele, os fotógrafos Amauri Nehn e Karina Iliescu (que já colaborou com a Ponte) tiveram seu equipamento quebrado pelos seguranças.
Por volta das 20h30, o que restava da manifestação chegou na Praça Roosevelt, centro da cidade. Os manifestantes se dispersaram rapidamente. O próximo ato contra o governo Bolsonaro em São Paulo está marcado para o dia 24 de julho, novamente um sábado.
Veja abaixo mais imagens do protesto deste sábado (3) em São Paulo: