Debaixo de chuva, movimentos percorreram centro da cidade pelo Dia Internacional da Mulher no fim da tarde desta quarta (8)
“Nós derrotamos Bolsonaro!”, bradavam as manifestantes na tarde chuvosa desta quarta-feira (8/3), na Avenida Paulista, no centro da cidade de São Paulo. Após quatro anos tendo como principal mote do Dia Internacional da Mulher o repúdio e à cobrança pela saída do ex-presidente, elas querem ainda mais. Gritos de “sem anistia” e “punição para golpistas e racistas” formaram coro no trajeto que se iniciou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) e se encerrou na Praça Roosevelt.
“A gente conseguiu derrotar o Bolsonaro nas eleições, mas também pegamos uma tarefa para nós enquanto mulheres, enquanto LGBTQIA+, de sermos a ponta de lança para a derrota do movimento bolsonarista que ainda está forte e ainda está nas ruas”, disse à Ponte a codeputada estadual da Bancada Feminista do PSOL Carolina Iara.
Ela se refere também à declaração transfóbica feita pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), durante sessão na Câmara dos Deputados ainda naquela tarde, em que colocou uma peruca na cabeça e disse que “sentia mulher”, que os pais tinham direito de recusar que uma mulher trans usasse o banheiro feminino e que mulheres trans não poderiam competir em times esportivos conforme sua identidade de gênero. “As mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres”, discursou ele.
Iara ressalta que são as mulheres, em suas diversidades, que se organizam para combater todas as frentes de discriminação e que os ataques demonstram o incômodo com a luta coletiva. “A mulherada vem na vanguarda da reconstrução do país e é importante que todas as mulheres sejam representadas: as mulheres negras, as mulheres trans, as mulheres indígenas, as mulheres PCDs [pessoa com deficiência], as mulheres rurais e urbanas estejam aqui hoje”, declarou a parlamentar.
“É importante que nós, mulheres trans e travestis, também estejamos em uma situação de protagonismo também, não só em cargos legislativos, como eu, eleita por uma bancada de mulheres negras feminista, disputando narrativas da mudança social que a esquerda precisa fazer, entendendo que a luta feminista e a luta de classes precisa interseccionar raça, sexualidade, território e a identidade das pessoas”, prosseguiu.
Em dos momentos iniciais da marcha, houve uma discussão entre policiais da Força Tática do 7º Batalhão Metropolitano da PM (BPM/M) e algumas manifestantes em uma das faixas da Avenida Paulista, ainda em frente ao Masp. “Os policiais estavam quando passando a viatura por cima das pessoas, nós pedimos para que eles aguardassem as pessoas se movimentarem para que eles pudessem fazer a movimentação de tirar as viaturas”, disse à Ponte a assessora parlamentar Iara Bento. “Eles queriam passar pela ciclovia, mas o movimento que eles iam fazer ia colocar as pessoas em perigo”.
A reportagem acompanhou a discussão até um momento em que o capitão Robson respondeu à Ponte que iria aguardar as pessoas no local se movimentarem para retirar as duas viaturas que estavam no meio do trajeto. Antes, a Ponte ouviu um dos PMs, irritado e com arma em punho, dizendo que tinham que passar por cima da ciclovia do jeito que queriam.
A Marcha Mundial de Mulheres (MMM), em conjunto com outros movimentos feministas, também destacou entre suas reivindicações a defesa da democracia, direitos trabalhistas, legalização do aborto e o fim da fome.
A autônoma Shirlley Lopes, 38, levou a filha Naomi, de 7, para o protesto. Ela empunhava um cartaz pela descriminalização do aborto. “Acho importante a gente tirar o tabu do tema e assumir que a gente faz o aborto”, afirma. “É o direito ao seu corpo, sua vida”. Para ela, é importante estimular a conscientização por direitos, por isso levou a filha às ruas. “Quero fazer um contraponto ao que a sociedade traz, de que o Dia da Mulher é pintar rosa na escola, o Dia da Mulher é um dia de luta.”
Faixas desfraldadas no ato questionavam “Quem mandou matar Marielle?”, em alusão aos cinco anos que se completam neste mês do assassinato da vereadora no Rio de Janeiro.
Outras manifestantes lembraram dos deslizamentos e das chuvas no litoral norte de São Paulo com uma maquete com cruzes representando as vítimas. Pautas voltadas ao campo, como a reforma agrária, o combate ao uso de agrotóxicos e a defesa do meio ambiente se fizeram presentes.
A estudante guarani Elaine Martins, 14, da Terra Indígena Jaraguá, enfatizou a necessidade de dar continuidade à luta dos antepassados. “As mulheres indígenas cuidam da floresta, cuidam da cultura e eu sou uma semente aqui”, disse.
Ela, que quer se tornar advogada, cobrou a demarcação de terras indígenas e um olhar mais atento da sociedade sobre as violações que os povos originários vêm sofrendo. “É importante vir aqui e mostrar o que está acontecendo em cada aldeia, em cada território, não só em São Paulo, mas em outros lugares. Eu não posso falar por todos, mas venho aqui representar o povo guarani.”
A aposentada Olga Luísa Leão de Queiroga, 86, de origem chilena, caminhava à frente do ato com uma faixa pelo fim do abuso sexual. Ela coordena o Grupo de Articulação para Moradia do Idoso da Capital (Garmic) e aponta que muitas mulheres idosas acabam abandonadas e em maior situação de vulnerabilidade social.
“O primeiro direito da Constituição é a habitação e não está sendo cumprido. Quando o ser humano tem moradia, ele tem saúde, tem educação, tem alimentação, tem transporte. A habitação é a porta de entrada para todos os direitos e não é o que acontece em São Paulo”, explica.
“Que a mulher continue a luta porque nós merecemos ter o nosso direito, a política pública cumprida e não só no papel”, cobrou. “Por isso que a gente diz ‘nem chuva, nem sol e nem vento derruba o movimento’.”
Veja mais fotos do 8M em São Paulo: