Lei prevê o registro do nome social em documentos oficiais, acesso aos serviços públicos de saúde e até uma espécie de política de cotas na área da educação, entre outras ações afirmativas
“E que me importa o frio?”, gesticula Mae Tavares com uma lata de cerveja na mão. Nas ruas de Montevidéu, debaixo de 18 graus e fortes ventos, o jovem sem camisa parece feliz e orgulhoso como nunca. Ostenta no corpo, logo abaixo dos mamilos redesignados, as profundas cicatrizes da mastectomia realizada para adequar seu corpo biológico a sua identidade de gênero.
Embora seja mexicano, vive há 14 anos no Uruguai e considera absurdo que a população trans tenha que deixar o país para ter acesso a remédios, hormônios ou cirurgias. Por isso, Mae já nem sente o frio. A alegria de marchar em casa ao lado de milhares que pedem a aprovação da Lei Integral para Pessoas Trans lhe escancara um sorriso no rosto. E o faz erguer o punho fechado, assobiar e cantar junto aos demais: “Lei Trans Já!”.
A pacata capital uruguaia foi atingida por uma forte onda amarela, cor dos pañuelos pela aprovação da Lei Trans, na noite de sexta-feira (28/9). A Marcha pela Diversidade juntou militantes LGBT+, ativistas de direitos humanos e a população que, em sua heterogeneidade, também marcou presença: mulheres e homens, cis e trans, jovens, idosos, crianças, negras e negros. Segundo estimativas da organização, cerca de 100 mil pessoas marcharam pela Av. 18 de Julio, da Plaza Independência até a Universidade de La República, no centro da cidade, para pedir a aprovação da Lei Integral para Pessoas Trans que visa a garantir direitos e proteger a população trans uruguaia. A marcha fecha as atividades do Mês da Diversidade no país que, para além de festejar o orgulho, é também o momento de celebrar direitos conquistados pela sociedade civil organizada, que incluem a Lei de Aborto, de matrimônio igualitário, de cultivo e consumo de maconha, apenas para citar alguns.
A drag queen Ixia Queen, 22 anos, está confiante na aprovação da lei. “As garotas [trans] não tem inserção no mercado de trabalho. Agora, [caso a lei seja aprovada] vão ter”. A Lei Integral para Pessoas Trans, escrita após a realização do primeiro censo trans do país em 2016, estabelece ações afirmativas e garantias, e versa sobre questões de visibilidade, autodeterminação de gênero, inclusão educacional e até mesmo uma cota no funcionalismo público, que com a aprovação da lei passaria a reservar 1% de suas vagas a pessoas trans.
“Essa lei tem o propósito de promover a igualdade de gênero e combater, mitigar e colaborar para erradicar todas as formas de discriminação que direta ou indiretamente constituem uma violação às normas e princípios contidos na Ley N° 17.817, de 6 de setiembre de 2004 [lei de combate ao racismo, xenofobia e discriminação de forma geral]. Desse modo, se contribuirá para garantir o pleno exercício e condições de igualdade de seus direitos e liberdades, promovendo o respeito a sua dignidade, buscando a integração social a nível cultural, econômico-laboral e no âmbito da saúde e da educação, assim como quaisquer outros âmbitos da cidadania. Reconhecemos que a população trans que habita o território nacional tem sido historicamente vítima de discriminação e estigmatização”, diz um trecho da lei.
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