Livro “Mascarados”, de Esther Gallego, Willian Novaes e Bruno Paes Manso tenta desconstruir estigmas para entrar na realidade do Black Bloc de São Paulo
* Esther Solano Gallego, especial para Ponte
Em tempos do medievalismo sinistro dos vários Bolsonaros e Levys Fidelix que degradam o cenário político brasileiro, das turbas enfurecidas xingando nordestinos e querendo tomar, desesperadas, o primeiro avião para Miami, para fugir do bolivarianismo-chavismo-castrismo brasileiro, escrever um livro que pretende conhecer, entender e deixar de lado preconceitos e lugares comuns não é fácil. Este é nosso “Mascarados”, onde eu, Willian Novaes e Bruno Paes Manso tentamos desconstruir estigmas para nos adentrar na realidade do Black Bloc de São Paulo.
Muito se falou sobre eles, muitos adjetivos foram impostos. “Vândalos”, “baderneiros”, “criminosos”…Poucos tomaram a iniciativa de observar, dialogar, conversar e procurar saber quem são estes jovens, as razões de sua violência, os porquês de sua presença nas ruas, sua raiva. É mais fácil, mais confortável reproduzir julgamentos vazios ao estilo papagaio-autômato, mas isso em nada contribui para a sociedade, só alimenta a ignorância e o fanatismo.
O livro está divido em três partes. Na primeira descrevo minha pesquisa, com olhar sociológico, de um ano de ruas (junho 2013-protestos antiCopa 2014), acompanhando o Black Bloc. As falas dos garotos da tática, suas vozes, seus pensamentos, suas contradições, sua relação com a Polícia Militar, o sentido da violência, estão lá presentes, querendo ser escutadas. Willian Novaes traz sete entrevistas profundas com os adeptos, traçando o perfil de cada um deles, indagando as pessoas e as histórias por trás das máscaras. Finalmente, Bruno Paes Manso reflete sobre o papel da imprensa, o processo de construção de personagens e narrativas, às vezes distante da realidade das ruas, e a lógica perversa do espetáculo da violência.
“Queremos chamar a atenção, provocar um debate, por isso fazemos uma violência simbólica, teatral (…) os verdadeiros vândalos não somos nós, é o sistema financeiro que escraviza as pessoas, é o Estado que tem uns serviços precários, que é corrupto, que não se importa com a população. Eu sou um criminoso porque jogo uma pedra? Não, são eles, os maiores criminosos estão em Brasília!”
O livro traz várias críticas contundentes. A primeira, o Black Bloc não é um grupo de perigosos terroristas mascarados que ameaçam a segurança nacional armados de pedras e coqueteis molotovs. São, simplesmente, jovens. Estudantes, trabalhadores, mais ou menos politizados, com mais ou menos noção e coerência no significado de sua ação violenta, mas com dois traços em comum: uma descrença absoluta no sistema político e um sentimento de raiva intensa normalmente focado contra a polícia. Por outro lado, os textos ressaltam a incongruência coletiva que é se indignar até com a histeria pela ação do Black Bloc e ficar na mais escandalosa passividade e conivência diante dos mais de 50.000 mortos por ano, diante da violência sistêmica que arrasa as relações sociais no Brasil. Por último, a crítica mais firme é dirigida aos donos do poder, donos de uma polícia que foi jogada na rua porque nossos representantes não tiveram coragem para enfrentar o desafio e se esconderam atrás da PM jogando à velha fórmula “questão social é caso de polícia”
Um livro provocador, mas que provoca desde o conhecimento, desde os dados sérios tomados a pé de rua e não desde a intolerância que desconhece. Não se trata de ser a favor ou contra a violência como forma de expressão política. Trata-se de entender um fenômeno social, de saber suas causas e de gerar um debate que contribua para o amadurecimento de nossa sociedade, cada vez mais arrastada pela fúria coletiva e menos disposta a escutar, a aprender.
* Esther Solano Gallego é coautora do livro. Doutora em Ciências Sociais e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo