Massacre de Paraisópolis: ‘luta por justiça não pode parar’, diz mãe na terceira audiência

Ao todo, 10 testemunhas foram ouvidas nesta sexta; “jamais pensei que estaria aqui”, lamenta avó de um dos jovens mortos. Próxima sessão está marcada para o dia 28 de junho

Familiares protestaram em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, antes da 3ª audiência sobre o Massacre de Paraisópolis | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Alvina Fagundes da Silva, 72 anos, avó de Marcos Paulo Oliveira, morto aos 16 no Massacre de Paraisópolis, se sentia humilhada. As lembranças do neto, que criou como filho, ocupam cada centímetro da casa onde Marcos cresceu no bairro do Jaraguá, zona norte de São Paulo. A dor da perda fez Alvina abandonar o lar e a capital. Nesta sexta-feira (17/5), foi obrigada a voltar e revisitar o dia 1º de dezembro de 2019. Alvina foi uma das dez testemunhas ouvidas na terceira audiência sobre o caso, que ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda. A próxima sessão está marcada para o dia 28 de junho, quando serão ouvidas testemunhas de defesa. 

“Eu jamais pensei que estaria aqui tendo que passar por uma situação dessa”, disse Alvina à Ponte. A noite anterior à audiência foi marcada por muita oração. Os pedidos eram para que Deus lhe desse força e sabedoria. Diante do juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, Alvina contou ter pago R$ 1.500 para uma maquiagem no corpo do neto. “Ele estava muito machucado”, disse. 

Na audiência desta sexta-feira (17/5), foram ouvidas duas testemunhas protegidas (que não tiveram identidade revelada), familiares e duas sobreviventes. A audiência começou por volta das 10h e se estendeu até 16h20. Um pedido feito pela defesa dos 13 policiais militares acusados de participar das mortes dos 9 jovens ainda será apreciado pelo juiz. Os defensores solicitaram que o organizador do baile e o subprefeito do Butantã à época do Massacre fossem oficiados. 

Dos 13 PMs acusados de participar das mortes, 12 são réus por homicídio por dolo eventual às vítimas – por assumirem o risco de matar os jovens ao encurralá-los em um beco. O outro agente é réu por expor pessoas ao perigo ao soltar explosivos contra elas. 

A audiência só pôde ser acompanhada pela imprensa no período da tarde, quando foram ouvidas mães e irmãs dos jovens que morreram. A previsão era de serem ouvidas 14 testemunhas no total, mas acabaram se concretizando dez depoimentos (nove de acusação e uma testemunha comum às partes).

Alvina Fagundes da Silva, 72, avó de Marcos Paulo Oliveira | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

As duas audiências anteriores ocorreram em julho e dezembro do ano passado. Em ambas, foram ouvidas testemunhas. O processo está em etapa de instrução, o que significa que neste momento são ouvidas testemunhas, sobreviventes e os acusados. Além disso, são produzidas provas para o juiz decidir se os policiais denunciados vão ou não a júri popular.

Famílias em luta

Raquel Cruz Costa, mãe de Gustavo Xavier, 14, lamentou não ter conseguido cumprir um desejo do filho. O presente de Natal desejado pelo adolescente eram roupas novas. “Ele morreu antes que eu pudesse dar isso”, contou em depoimento. Gustavo morreu de asfixia, assim como oito dos nove mortos. Raquel contou que o filho foi ao baile sem ela saber, mas destacou que ele tinha o direito de se divertir como todo adolescente.

“Ele me chamava de mamãe”, contou Maria Cristina Quirino ao falar sobre o filho Denys Henrique Quirino, 16, diante do juiz. O adolescente foi descrito por ela como um jovem carinhoso, no auge da adolescência. Na noite de 1º de dezembro, ela demorou a dormir, esperando notícias sobre o filho. A angústia se repetiu nos dias que antecederam a audiência desta sexta. Cristina diz não haver manual para se preparar para a ocasião. “Eu me apoio na luta por justiça. Ela não pode parar”, disse à Ponte.

Ivanira Aparecida da Silva, 56, mostra foto do filho Eduardo Silva, 21 | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Os familiares das vítimas chegaram cedo ao Fórum e, antes mesmo que começasse a audiência, fizeram ali uma manifestação. Exibiram cartazes com a contagem de dias que se passaram desde o Massacre: “1629 dias de tortura”, escreveram.

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Ivanira Aparecida da Silva, 56, foi uma das que se juntou ao grupo logo cedo. A mãe de Eduardo Silva, 21, lamentou que o caso ainda não tenha sido concluído. Cada audiência, diz Ivanira, é uma dor imensa. “Ter que escutar as pessoas tentando sujar a imagem do meu filho não é fácil”, diz ao lembrar da última sessão em que passou mal. 

A vida sem Eduardo tem sido de tristeza e revolta. Parte de Ivanira morreu junto ao filho naquele 1º de dezembro. “Esse buraco no peito nunca mais vai ser preenchido”, afirma. 

Correções

  • A primeira versão do texto informava que a próxima audiência do Massacre de Paraisópolis ocorreria no dia 26 de junho. O correto é 28 do mesmo mês. O texto foi corrigido às 11h do dia 19 de maio de 2024.

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