Massacre de Paraisópolis: PM que participou de ação é ouvido em sétima audiência do caso

Agente não responde pelas nove mortes. Cinco anos após ação da Polícia Militar em que nove jovens foram mortos ao serem encurralados na dispersão de um baile funk, ainda não há certeza sobre a realização de júri popular para os réus

Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Herinque, morto aos 16 anos durante a ação da PM para dispersar um baile funk em Paraisópolis, participa de ato em frente ao Fórum da Barra Funda | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

A Justiça de São Paulo ouviu o policial militar Rodrigo Cardoso da Silva nesta terça-feira (18/3), na sétima audiência de instrução do caso que ficou conhecido como “Massacre de Paraisópolis”. Na ação policial, nove jovens foram mortos em 2019 ao serem encurralados na dispersão de um baile funk na Zona Sul de São Paulo. Rodrigo é uma testemunha de defesa dos policiais réus.

Ele foi um dos policiais que participou da operação na comunidade. O então soldado estava na equipe da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) que disse ter perseguido dois homens em uma moto. Após a fuga, a dupla teria entrado no baile. Esses suspeitos até hoje não foram identificados. A chamada por apoio feita pela equipe da Rocam foi a faísca da operação letal.

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Na época do massacre, Rodrigo estava entre os agentes afastados pelo então governador João Dória (PSDB). Contudo, o policial não chegou a ser indiciado pela Polícia Civil. Dos 31 PMs que participaram da ação, 12 foram denunciados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em 2021. Na audiência de hoje, o PM basicamente repetiu a versão dada antes. A próxima audiência do caso ficou marcada para o dia 6 de maio.

O principal questionamento ao policial foi sobre perseguição a motocicleta. A versão apresentada por ele foi de que o garupa da moto disparou contra os polícias, que não revidaram. A perseguição teria seguido até a dupla entrar no baile. Na versão do PM, o garupa seguiu atirando mesmo diante da multidão. Os agentes teriam sido alvo de hostilização e não seguiram com a perseguição. Foi a modulação de rádio do policial quem informou ao Copom sobre a suposta perseguição. E que os agentes já estavam em segurança quando não entraram na multidão.

Questionado pela Defensoria Pública, que atua como assistente de acusação, sobre porque, mesmo longe da confusão, os polícias seguiram se dirigindo ao baile, o PM disse foi apoiar os colegas que ja tinham entrado na multidão. O PM Rodrigo não soube esclarecer quantos tiros teriam sido disparados contra si e seus colegas. Nem se foi informado de que os jovens feridos chegaram com vida ao hospital.

Alvina Fagundes da Silva, de 73 anos, avó de Marcos Paulo Oliveira dos Santos, morto aos 16 no Massacre, mora em Praia Grande (SP), mas compareceu a todas as audiências do caso | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Ato em frente ao fórum

Antes do início da audiência, familiares das vítimas fizeram um ato em frente ao Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Já são 1.934 dias entre as mortes e a audiência desta terça-feira sem responsabilização dos policiais envolvidos no massacre. Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Herinque, que tinha 16 anos quando foi morto, conta que a dor de perder Dennys fez com que ela perdesse a alegria de viver. “Eu vivo no automático desde que meu filho morreu”, lamenta.

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Dona Alvina Fagundes da Silva, 73, avó de Marcos Paulo Oliveira dos Santos, morto aos 16, acordou às 4h30 da manhã para estar no fórum. Alvina trocou o bairro do Jaraguá, na zona sul de São Paulo, pela Praia Grande, no litoral paulista. As lembranças do neto criado como filho provocaram a mudança: ela não suportava a ausência do rapaz que enchia a casa de alegria. “É uma saudade com uma dor que não tem dinheiro no mundo que possa pagar”, resume ela.

A distância entre a nova casa e o Fórum não impediu a avó de comparecer a todas as audiência até aqui.

“Baseado no que ouvi na última audiência, tenho uma pontinha de esperança de que dentro de um semestre o juiz conclua esse processo”, diz Maria Cristina Quirino, que estendeu uma faixa em homenagem aos “Nove que Perdemos”, em frente ao fórum. “Estou vindo aqui hoje pensando que isso vai se concretizar, que em seis meses ele vai ouvir as pessoas que faltam dos 13 réus e encaminhar para o júri logo”, completa.

Pela primeira vez desde o início das audiências não havia movimentação de viaturas e policiais em frente ao fórum.

Réus por homicídio qualificado

Os policiais Aline Ferreira Inácio, João Carlos Messias Miron, Luís Henrique dos Santos Quero, Rodrigo Almeida Silva Lima, Marcelo Viana de Andrade, Marcos Vinícius Silva Costa, Leandro Nonato, Paulo Roberto do Nascimento Severo, Gabriel Luís de Oliveira, Anderson da Silva Guilherme, Matheus Augusto Teixeira e José Joaquim Sampaio respondem por homicídio qualificado, com agravantes de motivo fútil, que dificultou a defesa das vítimas, com emprego de meio cruel e concurso de agentes (quando mais de uma pessoa participou do crime).

Já José Roberto Pereira Pardim foi acusado de explosão por ter lançado bombas na Rua Manoel Antonio Pinto, onde pessoas estavam reunidas, mas não havia “nenhum tumulto, confusão ou perigo para ele ou as equipes”.

Todos os réus atuavam no 16º Batalhão Metropolitano — o mais letal da cidade de São Paulo, conforme mostrou a Ponte. Rodrigo trabalha atualmente no 3º Batalhão de Choque. 

Processo em fase inicial

Apesar de cinco anos das mortes, o processo ainda está em uma fase inicial. A audiência de instrução, etapa atual do caso, precede um possível júri popular. Neste momento, são coletadas provas e ouvidas testemunhas e réus, para que o juiz decida se há ou não indícios de crime contra a vida, como defende o MP-SP neste caso.

Caso esse seja o entendimento do juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, à frente do caso, os policiais serão pronunciados, ou seja, levados a julgamento perante júri popular.

O juiz também pode optar pela impronúncia — quando entende que não há indícios suficientes para haver júri popular. Outras duas situações também podem ocorrer. Uma delas é a desclassificação, circunstância em que o magistrado se convence de que houve um crime, mas não doloso contra a vida. Há ainda a possibilidade de absolvição sumária, caso conclua antecipadamente que os réus são inocentes.

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Não há previsão para as audiências terminarem. A primeira delas ocorreu em julho de 2023. Até agora foram ouvidos familiares das nove vítimas e testemunhas de acusação e defesa. Na audiência mais recente, realizada em 31 de janeiro, foram ouvidas quatro testemunhas dos réus.  

Entre elas, o capitão Rafael Oliveira Casella, que isentou de culpa os policiais no âmbito administrativo, ao conduzir um inquérito da Corregedoria da Polícia Militar.

A apuração da Corregedoria concluiu que 31 policiais militares agiram em legítima defesa, já que teriam atuado para dar apoio aos policiais da Rocam e repelir “agressão” das pessoas, que teriam jogado garrafas e pedras, com bombas de gás e balas de borracha, e alegaram que não estavam no local para fazer dispersão da multidão, conforme um laudo feito pela corporação. 

PM que fez laudo nunca foi ao local 

Outra pessoa a testemunhar foi o policial Lailton de Paula Souza, autor do laudo pericial que baseou o entendimento da Corregedoria. Lailton assumiu que o documento foi baseado apenas no relato dos réus. 

O PM disse ter tido acesso a imagens de câmeras de segurança da esquina entre as ruas onde os policiais disseram ter havido uma perseguição. No entanto, admitiu que não viu nenhuma motocicleta passar pelo local ou as supostas agressões feitas pelos presentes no baile contra os policiais. 

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Lailton também contou que não chegou a descer da viatura quando esteve em Paraisópolis por ter sofrido suposta hostilização de moradores. O agente também admitiu que não esteve nas vielas onde os nove jovens foram mortos e nem ter visto imagens dos locais.

A conclusão do laudo, que levou à conclusão de legítima defesa, foi baseada na experiência própria do agente e não em uma normativa da PM, conforme Lairton admitiu na audiência.

Relembre o caso 

Bruno Gabriel dos Santos, de 22 anos. Denys Henrique Quirino Silva, 16, Dennys Guilherme dos Santos França, 16, Eduardo da Silva, 21, Gabriel Rogério de Moraes, 20, Gustavo Cruz Xavier, 14, Luara Victória Oliveira, 18, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16, e Mateus dos Santos Costa, 23, são as nove vítimas do Massacre de Paraisópolis. Além deles, 12 sobreviventes, saíram feridos. 

Os nove morreram na ação da Polícia Militar para reprimir o Baile da DZ7, tradicional baile funk de rua que acontecia na comunidade de Paraisópolis, na madrugada do dia 1º de dezembro de 2019. O estopim para a dispersão do baile, segundo a PM, teria sido a tentativa de abordagem de homens armados numa moto, que teriam entrado no meio do fluxo — e a alegação de que pessoas da multidão agrediram os policiais, o que não se comprovou.

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A investigação da Polícia Civil — que demorou quase dois anos para ficar pronta — apontou que o cerco feito pela PM foi responsável pelas mortes dos jovens. Para o delegado Manoel Fernandes Soares, os policiais “não observaram o necessário cuidado objetivo que lhes era exigível, sendo previsível, no contexto da ação, a ocorrência de resultado letal”.

A tenente Aline Ferreira Inácio, diz o documento, era responsável pelo comando da “Operação Pancadão” e pelo patrulhamento da 1ª Companhia do 16º BPM/M. “Dessa forma, no âmbito de suas atribuições e no contexto da ocorrência, tinha a possibilidade e o dever de obstar o deslocamento das viaturas para as esquinas do Baile da DZ7. Não o fazendo, permitiu o desenrolar dos fatos que deram causa às mortes das vítimas”, argumentou o delegado.

Já o subtenente Leandro Nonato, o cabo Paulo Roberto do Nascimento Severo e o soldado Gabriel Luís de Oliveira alegaram que foram prestar apoio a policiais da Rocam, que tinham comunicado terem sido alvo de disparos por suspeito em moto, e disseram que “foram surpreendidos por uma multidão” quando chegaram ao local, sendo recebidos com garrafas e pedras, e que por isso lançaram bombas de gás lacrimogêneo. Apesar de terem sido chamados pela Rocam para prestar apoio na Rua Herbert Spencer, a viatura migrou para a Rua Ernest Renan, que era em sentido oposto.

Versão contestada

Imagens mostraram que os policiais mentiram, já que a viatura ingressou em alta velocidade na Ernest Renan, que fica a 30 metros antes da esquina da Rua Rudolf Lutze, onde havia aglomeração de pessoas que acabaram correndo com a aproximação do veículo. A Polícia Civil realizou uma reconstituição das mortes, na qual “constata-se que a viatura avançou parcialmente o citado cruzamento das vias, no sentido do baile, o que evidentemente prejudicou a evasão de pessoas do local”. Havia entre 5 mil e 8 mil pessoas no Baile da DZ7.

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Com relação ao sargento João Carlos Messias Miron e aos soldados Luís Henrique dos Santos Quero, Rodrigo Almeida Silva Lima, Marcelo Viana de Andrade e Marcos Vinícius Silva Costa, a investigação apontou que o grupo atuou de forma ilegal e praticou “condutas abusivas” ao agredir pessoas na Viela do Louro. Apesar de as agressões não terem causado mortes, acabaram encurralando as pessoas ao fechar aquela saída, sendo que as vítimas acabaram prensadas umas nas outras.

Oito vítimas morreram por sufocação indireta, justamente por uma compressão entre as pessoas, impedindo que elas pudessem respirar. Mateus dos Santos Costa morreu por traumatismo raquimedular, que poderia estar associado à compressão ou a uma pancada, o que descarta a narrativa de que os jovens morreram por pisoteamento.

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