Massacre de Paraisópolis: resgate demorou 30 minutos e 9 vítimas já chegaram mortas em hospital

A pedido da Defensoria Pública, Centro de Arqueologia Forense da Unifesp analisou contradições da versão policial em dispersão que matou 9 jovens em dezembro de 2019 e completa dois anos nesta semana

Famílias estendem faixas com fotos das nove vítimas de ação policial em dispersão de baile funk ocorrido em 2019, em evento nesta segunda-feira (29/11) | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Os nove jovens que morreram durante dispersão de um baile funk em Paraisópolis, em 2019, pelo 16º Batalhão da Polícia Militar já chegaram mortos ao hospital. Antes, esperaram 34 minutos até que fossem resgatados. Policiais militares mentiram que vítimas pediam socorro quando já estavam desfalecidas no chão e ao dizer que estavam cercados, impedindo que os primeiros socorros fossem realizados. Além disso, a corporação liberou apenas uma ambulância para atender o local, insuficiente para resgatar as vítimas, que acabaram sendo levadas pelos próprios policiais à Unidade de Pronto Atendimento do Campo Limpo. Essas são algumas das conclusões da análise feita pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) a pedido da Defensoria Pública e familiares dos jovens, lançado nesta segunda-feira (29/11).

A análise inclui o projeto Paraisópolis: 3 atos, 9 vidas, que reúne uma série de nove vídeos que desconstroem a versão da polícia de que houve resistência, pisoteamento e socorro, que estarão disponíveis no canal do CAAF no YouTube a partir desta quarta-feira (1/12), data que marca dois anos do Massacre de Paraisópolis. Alguns dos vídeos foram reproduzidos durante o evento no espaço da Companhia Munguzá de Teatro, no centro da capital paulista, que recebeu parentes e entidades. Todos eles começam contando quem era cada uma das vítimas, que foram ao baile da DZ7 para se divertir e não voltaram mais para casa. Com camisetas escritas “memória, justiça e liberdade”, as famílias presentes não conseguiram conter as lágrimas ao ver as imagens dos entes queridos.

“A gente pede para que vocês não deixem a gente e não esqueçam, são dois anos pedindo justiça”, dizia emocionada Adriana Regina dos Santos, 49, mãe de Dennys Guilherme dos Santos Franco, 18. “A última coisa que ela fez foi dizer ‘eu te amo’, virou as costas e saiu”, disse emocionada Patricia Oliveira, 38, tia de Luara Victória Oliveira, 18. “Ela morreu por asfixia, mas ela era asmática e poderia ter morrido também por causa dos gases que os policiais jogaram”, prosseguiu.

Outros pontos analisados pelo CAAF também corroboram a investigação da Polícia Civil, de que os policiais militares encurralaram as pessoas, agredindo e lançando spray de pimenta e bomba de gás, e que os laudos dos corpos indicaram que oito das nove vítimas faleceram por asfixia por sufocação indireta : Marcos Paulo Oliveira dos Santos, Gustavo Cruz Xavier, Luara Victória Oliveira, Bruno Gabriel dos Santos, Gabriel Rogério de Moraes, Denys Henrique Quirino da Silva, Eduardo da Silva e Dennys Guilherme dos Santos Franco, justamente por essa compressão entre as pessoas, impedindo que elas pudessem respirar. Mateus dos Santos Costa morreu por traumatismo raquimedular, que poderia estar associado à compressão ou uma pancada. As vítimas tinham entre 16 e 23 anos. Pelo menos 12 pessoas ficaram feridas, sendo que uma delas ficou com bala de borracha alojada na perna.

O Centro também analisou imagens de câmeras de segurança de ruas que desmentem a versão de que os policiais estavam sendo atacados com garrafas e por isso usaram os artefatos, além das contradições sobre a perseguição a homens armados em uma moto, que nunca foram encontrados. “O que as vítimas sofreram foi uma emboscada, foram cercados pela polícia”, afirma Cassia Aranha, integrante do CAAF.

Em julho, o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual que acusou um policial militar por explosão e 12 por homicídio qualificado ao entender que eles assumiram o risco de praticar as mortes, com agravantes de motivo fútil, que dificultou a defesa das vítimas, com emprego de meio cruel e concurso de agentes (quando mais de uma pessoa participou do crime). O caso está na Vara do Júri e ainda não há data para julgamento.

De acordo com a defensora pública Fernanda Balero, também está parado o pedido de indenização das famílias ao Estado. “O governador disse que iria pagar, pediram uma série de documentos que já foram encaminhados e gente está aguardando uma resposta da Procuradoria do Estado.”

Além da responsabilização dos policiais, os familiares exigiram que ações da corporação contra bailes funks não fossem mais instituídas. “A Operação Pancadão é uma política de Estado que matou nossos jovens”, declarou Danylo Amilcar, 20, irmão de Denys Henrique. “Pessoas que trabalham e estudam e tiram um momento para o lazer, que escutam funk, foram mortas e criminalizadas, não usavam drogas e não eram bandidos e, mesmo se fossem, isso não era tratamento digno para ninguém”.

Danylo Amilcar ao lado da mãe Maria Cristina, familiares de Denys Henrique | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

“O mesmo funk que se escuta na DZ7 é ouvido na USP, no Mackenzie, na PUC, e não vemos ações da polícia assim em regiões de elite”, criticou Bruno Ramos, articulador do Movimento Nacional do Funk. “Será que o problema é a música ou é quem está na rua, que é o preto, pobre, periférico?”, questionou. Ele apontou sobre a necessidade de se instituir políticas públicas que fomentem e assegurem a realização dos bailes e não a repressão policial, além de que o governador João Doria (PSDB) e o secretário de Segurança Pública João Camilo Pires de Campos prestem auxílio às famílias.

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Para relembrar a memória das vítimas e cobrar por justiça, está marcado um protesto nesta quarta-feira (1/12), no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade, e, após a caminhada, uma missa na Catedral da Sé.

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