Homem chegou a percorrer 15 quilômetros a pé para pedir a não liberação das armas, mais amor e segurança em velório das vítimas na quinta-feira (14/3), na Grande SP
O ataque a Escola Estadual Raul Brasil na última quarta-feira (13/03), em Suzano, na Grande São Paulo, que resultou na morte de oito pessoas e deixou outras 11 feridas, mexeu com a vida de tantas outras pessoas anônimas, que se sentiram na obrigação de comparecer ao velório na Arena Suzano e posterior enterro de seis das vítimas no cemitério São Sebastião. Além de condolências, histórias de violência na família e súplicas por paz juntaram pessoas na cidade, durante o velório no dia seguinte.
Por onde se passava era possível ver pessoas desoladas, com o semblante de choro e cabeças baixas. Entre ônibus e lojas com o símbolo característico de luto, comerciantes por onde passava o cortejo fúnebre pararam por alguns instantes suas vendas para dar atenção a cena que passava por seus olhos.
Durante o velório da coordenadora pedagógica Marilena Ferreira Vieira Umezo, da inspetora Eliana Regina de Oliveira Xavier, e dos alunos Caio Oliveira, Cleiton Antonio Ribeiro, Kaio Lucas da Costa Limeira e Samuel Melquiades Oliveira Silva, uma faixa chamava atenção. “Queremos paz. Não queremos a liberação das armas. Queremos saúde, educação, amor e segurança”. Com a imprensa restrita ao segundo andar do ginásio, sem acesso às famílias, a reportagem da Ponte não conseguiu saber naquele local o que o homem com uma camisa estampada com várias bandeiras do Brasil queria falar.
O encontro se deu somente no final do enterro do último corpo, debaixo de muita chuva. Todo molhado, Antonio da Paz, que disse ser um voluntário, contou que seguiu a pé durante toda manhã de sua casa em Guaianases, bairro da zona leste, até a Arena Suzano, no centro do município. Uma distância de cerca de 15 quilômetros. “Eu vim a pé, porque estou cansado de tanta violência no país. Estou cansado de ver a vida de nossos jovens ser destruída. A gente se comove e vem dar solidariedade mesmo sem conhecer familiares. A violência em nosso país já passou dos limites. Eu luto pela paz, armamento não dá mais”, disse. O tema veio a tona, porque, logo após o ataque, o senador Major Olímpio, da ‘bancada da bala’, usou a tragédia para falar da importância de armar a população.
Na fila para entrar no velório que, segundo cálculos da prefeitura, levou cerca de 15 mil pessoas até o ginásio recém-inaugurado, o casal Isaias Alves e Eliane Bringel também não conhecia as vítimas do ataque, mas se sentiu atingido com a tragédia por ter filhos adolescentes. “Viemos para prestar solidariedade. A gente tem filho da mesma faixa etária das vítimas e nos colocamos no lugar dos pais”.
Na porta do cemitério São Sebastião a reportagem encontrou com Rosi Ribeiro, com os olhos marejados, ele acompanhou cada cortejo dos corpos. Ao ser perguntada pela reportagem se conhecia algum dos meninos ou as funcionárias, ela afirmou que não, mas que estava ali por relembrar uma tragédia familiar que cansa em não desaparecer. “Meu irmão tinha 23 anos quando foi assassinado em Poá [cidade vizinha a Suzano]. Depois disso, minha mãe nunca mais foi a mesma pessoa. Ficou doente e permaneceu na cama por 14 anos, vindo a falecer em novembro do ano passado”, contou. “Fico triste por todas as mães, até mesmo a mãe dos atiradores, que não puderam realizar um enterro digno para seus filhos”, concluiu aos prantos.
“Dar uma arma para todo mundo não adianta. Colocar uma arma dentro de um cofre não adianta”, completou Antonio da Paz, já nos primeiros passos para voltar para sua casa novamente a pé.
Homenagens
Nos dois dias em que a reportagem esteve em Suzano na cobertura do ataque à Escola Raul Brasil, era unanimidade os elogios a uma pessoa: Eliana Xavier, a inspetora da unidade de ensino que, além de patrulhar os corredores era responsável por abrir e fechar o portão. Chamada de “tia” pelos alunos ela é descrita como uma pessoa doce e que estava sempre pronta para ajudar. Todos os afagos foram confirmados durante seu velório. Uma legião de adolescentes esteve o tempo todo rodeando seu caixão. A maioria chorava muito.
“Era a melhor pessoa que trabalhava na escola. Falava muito sobre a filha dela. Dava conselho, era amiga. Para ela nós não éramos alunas, éramos parta da família dela, contou Karina Ferreira, de 16 anos, estudante do Raul Brasil.
Entre os jovens da turma, Cleiton Ribeiro era considerado o mais tímido. “Era um menino quieto, sempre na dele, não mexia com ninguém. Era meio nerd, mas não era excluído da turma. Estudava com ele desde a 5ª série”, disse cabisbaixo Diogo Lourenço, 17, que estudava na mesma sala do 3º ano com Ribeiro.
A vizinha de Caio Oliveira, Eda Talamont, disse que ele era um garoto “caseiro” para sua idade. Mas que sempre que passava por sua casa a cumprimentava, tanto na ida quanto na volta da escola. “É uma família maravilhosa, os pais são muito educados. Para mim ele é como se fosse um filho. Perco um pedaço de mim”.
Na entrada do cemitério acompanhando a passagem de cerca de uma centena de coroas de flores e a passagem de muitas pessoas estavam Guilherme Silva, 16, Maike Willian, 14, e Kevin Soares, 18. O jovem que eles conheciam Douglas Murilo, foi velado em uma igreja, e não estava sendo sepultado naquele momento no local, mas seus amigos de clube de futebol foram prestar condolências a outras famílias. “Jogava bola e jogava bem no clube do Maluf. Seu sonho era ser jogador de futebol. Ele era conhecido na região. Gostava de fazer memes para postar no Facebook. Era muito bondoso”, disse Guilherme.
O primeiro caixão a deixar o velório na Arena Suzano foi o de Samuel, que recebeu uma salva de palmas e cânticos de fiéis seguidores da igreja Adventista do 7º Dia, a mesma que o menino congregava com seus pais. Os ônibus disponibilizados pela prefeitura para o trajeto arena-cemitério fizeram o caminho com sua lotação máxima. Enquanto o caixão descia à sepultura, Maria Dulce de Oliveira, amiga da família, relatou como era o garoto. “Menino maravilhoso, filho obediente e atencioso. Antes era tímido, mas depois que entrou no colegial foi se soltando. O pai e a mãe sempre deram assistência. Ele fazia pequenas pregações em nossa igreja. Ele correu para um lado e sua amiga para outro. Ela se salvou”, concluiu consolada por seu companheiro.