De suspeita de bomba e camiseta do presidente copiando design dos Ramones até bolsonarista chamando denúncias envolvendo nomes do futuro governo de ‘picuinha’: teve tudo isso nos últimos dias na capital do país
O imponente Eixo Monumental está quase todo preparado para a posse presidencial no primeiro dia do ano. Ao longo dos cerca de 2 quilômetros as tradicionais bandeirolas verde-amarelas nos postes de iluminação vão percorrendo toda a Esplanada dos Ministérios e chegando até a Praça dos Três Poderes. São muitas as grades e faixas espalhadas que colocarão limite no público – e até na imprensa – e que garantirão a segurança do presidente Jair Bolsonaro. O sistema de som está montado entre o prédio do STF (Supremo Tribunal Federal) e o Palácio do Planalto, onde o presidente de extrema direita receberá a faixa presidencial de Michel Temer na terça-feira, entre 16h15 e 16h30, segundo o Senado, se tudo correr dentro do previsto. O tempo tem estado um pouco instável em Brasília. Para a posse, a previsão é de que o dia amanheça com sol entre nuvens e pancadas de chuva durante a tarde e noite.
Na Esplanada, enormes cartazes azuis comemoram os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, com seus 30 artigos espalhados pelos prédios. Três deles, o 1º, o 19º e o 20º, particularmente, chamam a atenção: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” e “Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica”. São alguns dos conceitos que, repetidas vezes, foram criticados pelo futuro presidente em seus discursos de ataques aos grupos minorizados, como indígenas, quilombolas, mulheres e população LGBT, bem como os ataques à liberdade de expressão de movimentos sociais, que ele deseja criminalizar.
O sábado (29/12) era de sol quente em Brasília, bastante convidativo para um passeio, mas, apesar disso, por causa dos bloqueios de circulação de carros no Eixo, a movimentação era modesta. O “maior esquema de segurança da história para a posse de um presidente”, como informou o próprio governo, está sendo pensado para evitar qualquer possibilidade de ataque durante a cerimônia.
A Catedral Metropolitana de Brasília estava aberta ao público, mas com restrições. “Vocês vão assistir à missa?”, pergunta uma jovem funcionária da paróquia. Ao lado, um cartaz informa que o local ficará fechado na véspera da posse e só abrirá pouco antes do evento por questões de segurança. É desse ponto que Bolsonaro, o vice-presidente General Hamilton Mourão e as respectivas mulheres partirão em cortejo pouco antes das 15h do dia 1º de janeiro em direção ao Congresso Nacional. Ainda não há confirmação se o trajeto será feito em carro aberto ou fechado.
Em frente ao ponto turístico, dividindo espaço com chaveiros, réplicas da arquitetura de Niemeyer e santos de diversos tamanhos, o paraibano Juvenal de Souza Rodrigues, 60 anos, vende camisetas de Bolsonaro e bandeiras do Brasil, dispostas de maneira improvisada em um orelhão e um cabide mambembe. As bandeiras, a depender do tamanho, chegam a valer R$ 110 e a camiseta é R$ 30: das clássicas com o rosto do presidente até a imitação do design da camiseta dos Ramones, já bastante desgastado por outras montagens, com os dizeres: “Deus acima de todos, Brasil acima de tudo”, jargão que ficou popular em discursos ao longo da campanha presidencial.
Juvenal é comerciante do ramo de aparelhos celulares e acessórios, mas viu ainda no período eleitoral uma chance de fazer dinheiro. “Isso aqui é ouro. Em dias bons cheguei a vender 50, 60 itens”, comemorou. “Agora já está acabando. Só vou vir mesmo na terça para acompanhar a posse”, disse Juvenal que é eleitor de Bolsonaro. Quando questionado sobre as recentes denúncias envolvendo nomes do futuro governo – do futuro ministro Onyx Lorenzoni ao ex-assessor e motorista do filho de Bolsonaro, Flávio, Fabrício Queiroz – e até o filho do presidente, Juvenal falou como um fã: “Eu votaria 50 vezes no Bolsonaro. Isso aí é inveja. Ele vai moralizar a nação. Ele não tem conluio com partidos corruptos”. Cabe lembrar que em quase três décadas de vida pública, Bolsonaro passou por diversos partidos até chegar ao, até pouco tempo nanico, PSL entre eles o PP, uma das legendas que mais parlamentares investigados teve na Operação Lava-Jato. E seguiu: “Era para o governo militar ter exterminado essa desgraça [de oposição]”, repetindo a frase do próprio eleito, que já declarou publicamente que “o erro [da ditadura] foi torturar e não matar”. A imagem trabalhada durante a campanha que deu vitória ao candidato de extrema direita, de que ele é novidade na política e que vai combater a corrupção, continua reverberando.
Uma família posa em frente ao Congresso Nacional. “Vamos fazer a arminha. Tirou?”, diz o animado paraense Raimundo Bentes, 62 anos, que estava com a mulher, os filhos e uma família de amigos que vive em Brasília. “A nossa expectativa é de um bom governo, porque como está não dá pra ficar. Que melhore para todo o brasileiro”, disse Bentes à Ponte, antes de frisar com orgulho que “a família inteira votou no Bolsonaro”, porque querem mudança. Assim como Juvenal, Raimundo negou qualquer possibilidade de que antes mesmo de ser empossado o governo Bolsonaro esteja envolvido em escândalos de corrupção. “Isso são picuinhas que não vão afetar o governo dele”, encerrou.
Polêmica e tensão
A circulação de motos da PRF (Polícia Rodoviária Federal) estava intensa na Esplanada na tarde de sábado, quando bem em frente ao Palácio do Planalto, os agentes pararam, organizaram uma pose e pediram para um pedestre tirar uma foto. Em poucos instantes, turistas se aproximaram e pediram selfies com os policiais que compõem as equipes de agentes da segurança que trabalharão na posse. A poucos metros dali, uma pichação pedia a liberdade do ex-presidente: “Lula Livre”.
Nos últimos três dias, o discurso de que há riscos reais envolvendo o presidente tem sido reforçado: na quinta-feira (27/12), o Exército e a FAB (Força Aérea Brasileira) apresentaram a artilharia disponível para uso militar na a posse; na sexta-feira (28/12), foram incluídos no arsenal dois mísseis antiaéreos capazes de derrubar aeronaves a até 7 km de distância; na manhã deste sábado (29/12), uma suspeita de bomba no começo da Esplanada movimentou o esquadrão antibomba da Polícia Militar do Distrito Federal. No final das contas, era apenas uma mala com roupas, segundo informou a Secretaria de Segurança do DF.
Nesse mesmo dia, algumas horas depois, Bolsonaro chegava em Brasília e era recepcionado por luminosos animados na saída do Aeroporto JK, como ele mesmo fez questão de anunciar no Twitter.
Obrigado pela receptividade de sempre, amigos de Brasília e de todo Brasil! 🇧🇷 pic.twitter.com/OoJgMnWkEc
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) December 29, 2018
Além do aparato de segurança para defender o presidente de qualquer tipo de ação, o público em geral também terá que respeitar uma série de restrições de objetos no dia da cerimônia: garrafas, bolsas e mochilas, sprays, máscaras, fogos de artifício, guarda-chuvas e carrinhos de bebê estão proibidos. E foi justamente essa lista que fez Joaquim São Pedro, assessor da Secretaria da Segurança Pública do DF, dizer para jornalistas que “os profissionais deveriam sentir o gás entrando pelos olhos para experimentar a sensação de risco”, segundo informou o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
A restrição ao credenciamento da imprensa também foi questionada entre os profissionais que se deslocaram para realizar a cobertura da posse. Sob o argumento de que “não havia mais espaço”, jornalistas e fotógrafos tiveram pedidos negados, como foi o caso da Ponte. Além disso, será a primeira vez que jornalistas não poderão circular livremente pela Esplanada, mesmo credenciados, como mostrou reportagem da Fórum.
Até o momento, segundo divulgou o Senado ainda no sábado, todos os ritos previstos na cerimônia de posse serão cumpridos, mas há algumas decisões que serão tomadas e informadas no dia. Bolsonaro sai pouco antes das 15h da Catedral e segue em desfile até o Congresso, onde será recebido pelos presidentes do Senado, Eunício Oliveira, da Câmara, Rodrigo Maia, e do STF, Dias Toffoli. É aberta a Sessão Solene e ele falará as seguintes palavras: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Bolsonaro deve fazer um breve discurso, sair do Congresso, onde, no gramado haverá a execução do Hino Nacional, a salva de 21 tiros de canhão e revista de tropas.
De lá, segue para o Palácio do Planalto onde subirá a tradicional rampa e será recebido por Temer. A passagem da faixa acontece, Bolsonaro discursa e, em seguida, vai para o Palácio do Itamaraty onde recepcionará convidados, entre os chefes de Estado presentes e autoridades nacionais, com um jantar ao lado da primeira-dama, Michele. Por causa do tempo instável em Brasília, um toldo reforçado foi instalado na entrada principal do Itamaraty.
Um dos convidados será o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu que se encontrou com Bolsonaro no Hotel Hilton em Copacabana, no Rio, na presença de representantes da comunidade judaica. Neste domingo (30/12), anunciou que o presidente eleito garantiu a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. “Bolsonaro disse ‘eu vou mudar a embaixada para Jerusalém, não é uma questão de se, mas uma questão de quando’”, declarou Netanyahu.
Embora Bolsonaro não seja unanimidade dentro da própria comunidade judaica, como apontou em entrevista recente à Ponte o advogado Ari Friedenbach, da comunidade judaica em São Paulo e ferrenho crítico do capitão reformado, no sábado, algumas pessoas circulavam pela Esplanada com bandeiras de Brasil e Israel unidas.
Por outro lado, quem anunciou boicote à posse foram PT, Psol e PCdoB com o argumento, divulgado em notas das legendas, de que o novo governo estimula “o ódio, a intolerância e a discriminação” e que tem “preconceito e violência como princípios”.
A resposta de Bolsonaro veio, como de costume, pelo Twitter e acompanhado de um “joinha”.
Soube que PT e PSOL não comparecerão à cerimônia de posse presidencial em repúdio a mim. Lamento! 👍🏻
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) December 29, 2018
Foi também nas redes sociais, que Bolsonaro aproveitou o clima que mistura tensão, atrito e euforia, para anunciar que fará um decreto nos primeiros dias de 2019 para facilitar a posse de arma. “Por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registo definitivo. A expansão temporal será de intermediação do executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados”, escreveu no Facebook. Recebeu mais de 84 mil curtidas.
Neste domingo, durante coletiva de imprensa sobre a posse, o futuro ministro do Gabinete da Segurança Institucional, General Augusto Heleno, comparou ter uma arma a ter um carro. “A posse da arma, desde que seja concedida a quem está habilitado legalmente, e essa habilitação legal virá por meio de algum instrumento, decreto, ou alguma lei, alguma coisa que regule, se assemelha à posse de um automóvel”, ponderou o general da reserva.
Em Ceilândia não vai ter posse
Se no Eixo Monumental os preparativos que mesclam tensão e euforia estão em ebulição, a 30 quilômetros, em Ceilândia, periferia do Distrito Federal, não há referências à posse ou mesmo a Bolsonaro. No maior ponto de comércio popular da maior cidade da região, a Feira Central de Ceilândia, entre galinhas comercializadas ainda vivas, um porco inteiro, já limpo, pendurado no gancho de uma das barracas, temperos diversos que disputam a diversidade de odores, e roupas e calçados que vão do chão ao teto, poucas são as menções ao presidente. A menos que sejam provocados por uma pergunta.
“Você vende camisetas do Bolsonaro?”, pergunto a uma vendedora. “Tenho só mais duas”. Tira as peças escondidas atrás de camisas de time de futebol internacional e mickey mouse e mostra, timidamente. Fátima disse que votou em Bolsonaro pela esperança em dias melhores, mas que não vai até a cerimonia. “Uma viagem. E tenho que trabalhar”, encerra.
Em outra banca, essa de jeans e vestidos, Suellen e Joyce anunciam uma oferta à reportagem. Questionadas sobre o que estão pensando da posse ou o que esperam do futuro governo, Suellen me interrompe. “Não votei nele. Não votei em ninguém, na verdade. Muito menos nele. Não acredito que vá melhorar. O que está sendo gasto nessa posse, por exemplo, a gente nunca vai acessar”, desafa. Mais calada, Joyce apenas informa que não votou nele no primeiro turno, mas no segundo sim, porque não vota no PT “de jeito nenhum”.
Nas bancas de camisetas, anúncios de promoção: se levar duas peças, 50% de desconto na segunda. Nenhuma delas faz qualquer referência ao capitão. Até mesmo as camisas da CBF, que acabaram se tornando referência da direita após as manifestações de 2013, não estavam com tanto ibope assim. “Tenho vendido mais as de time estrangeiro”, diz o vendedor de uma banca.
Do lado de fora, outras tantas barracas anunciam os produtos. Em uma delas, as etiquetas em camisetas de uma marca famosa indicam o valor: R$ 89,90. O simpático comerciante se aproxima e logo faz sua oferta. “O meu preço não é esse não. Esse é o da loja. O meu é R$ 30. Se levar duas, faço por R$ 50”. Desconversa Dionísio ao notar a expressão de perplexidade da reportagem diante da diferença de valor. Perguntado sobre se chegou a vender camisetas do futuro presidente, afirma que tinha, “mas acabou e não peguei mais”. Dionísio afirma que votou em Bolsonaro porque ele é o único capaz de acabar com “a corrupção e as coisas erradas”. Apesar disso, o vendedor não vai acompanhar a posse. “Tenho medo de levar tiro. Do jeito que estão falando. Se já deram até uma facada nele, imagina só o que pode acontecer”.