‘Membros do PCC’ para Doria, organizadores de bailes funk criticam falta de diálogo

    ‘Ele nos prometeu dar continuidade ao programa Funk SP. Eleito, esqueceu dos moleques e quer entrar com tiro, porrada e bomba nas comunidades’, critica Liga do Funk

    Bailes organizados, como em Pirituba, foram feitos ao longo de 2016 | Foto: Reprodução/Facebook

    “São originários do PCC”. A declaração do Prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), sobre os organizadores de bailes funk e pancadões na capital paulista dada à Rádio Bandeirantes, na terça-feira (9/10), indignou membros do movimento. Integrantes destacaram a criminalização, a perseguição e a falta de apoio por parte da administração municipal para a realização dos eventos.

    “Pancadão é uma praga. É triste, mas é essa a realidade. A prefeitura orientou os 32 prefeitos regionais, a GCM e a PM a combater os pancadões especialmente nas periferias. Paraisópolis, por exemplo, é um caso sistemático”, diz o prefeito em outro trecho da entrevista. O tucano se refere ao DZ7, um baile de favela organizado por pessoas da comunidade. Ele afirmou também que solicitou à Polícia Civil do Estado de São Paulo investigações para barrar as festas.

    O discurso de Doria em nada se parece com o que ele fez para ser eleito justamente para os jovens que organizam estes bailes, na campanha de 2016. “Tivemos algumas reuniões na Secretaria de Cultura no ano passado. Nos enrolaram o ano inteiro e não teve retorno. A juventude da periferia de São Paulo está esquecida, eles não dão atenção nenhuma”, critica Ricardo Sucesso, diretor da Liga do Funk, movimento que organiza bailes funk e pancadões. “A maioria dos organizadores são trabalhadores, produtores culturais, não são bandidos. Não é porque faz pancadão que é bandido. Quem faz é a população que não ter lugar para se divertir, leva o carro de som e começa a curtir um funk”, sustenta.

    Baile da DZ7, em Paraisópolis, reúnem de 30 a 50 mil pessoas | Foto: Arquivo pessoal

    A imposição de Doria para interromper os bailes tem como base a lei estadual 16.049, de autoria dos deputados estaduais Coronel Camilo (PSD) e Coronel Telhada (PSDB), membros da bancada da bala da Assembleia Legislativa, e sancionada pelo governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), em janeiro de 2017. Ela proíbe festas com uso de som em veículos parados nas vias públicas e impõe multa de R$ 1 mil. Na prática, a lei ainda não tem aplicação definida pela Polícia Militar, responsável pela fiscalização e aplicação da mesma.

    “Sou contra pancadão de rua, desorganizados, fluxos. Fluxo desorganizado dura a noite inteira e a gente sabe que tem muita gente que precisa ir trabalhar, às vezes muitos ônibus são quebrados, os ônibus não param nos pontos porque os motoristas têm medo de parar perto do fluxo. Somos a favor de pancadão com horário para começar e terminar, com estrutura: palco, som, artistas da comunidade, apoio da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana, de ambulância…”, segue Sucesso, que elenca alguns dos MCs que saíram de pancadões para o Brasil, como MC João (“Baile de Favela”), Di Menor DR (“Nossa Melhor Façanha”), Menor da VG (“Conto do Pescador”), MC G15 (“Deu Onda” e “Cara Bacana”), Duduzinho (“O Mundo é Nosso”).

    Produtor cultural, Darlan Mendes também organiza bailes na capital paulista e Grande São Paulo. Ele critica o fato de existir, desde a posse de João Doria, “resistência grande em ouvir a periferia” por parte do prefeito e do secretário de Cultura, André Sturm, além de haver repressão durante os fluxos – com pancadaria e uso de bala de borracha e, às vezes, também de munição letal.

    “É vergonhoso, o João Doria não dá voz. Já pedimos para eles nos ouvirem e verem qual é a realidade. Os rolezinhos, não resolvemos os problemas? Tiramos dos shoppings, levamos para as comunidades e viraram grandes eventos. O pancadão tem esse caminho e só vai ser resolvido quando o prefeito ouvir quem é do pancadão, quem é do funk, quem está lá. Não será ouvindo o secretário que veio do MAM, de qualquer lugar que não entende ou não escute”, sustenta Mendes.

    Marcone, na zona norte, é outro baile de grandes proporções na capital | Foto: Arquivo pessoal

    Levantamento da Associação Rolezinho A Voz do Brasil aponta para realização de 400 a 600 bailes em toda capital paulista a cada mês. O maior baile funk do Brasil é a DZ7, em Paraisópolis, onde circulam por dia de baile cerca de 30 a 50 mil pessoas. Outros bailes de grandes proporções acontecem na CDD, na Cidade Tiradentes, Baile da Cetel, na Sedex, no Jardim Aurora, em Guaianazes, e em Heliópolis. “Um novo baile está em crescimento no bairro de Artur Alvim, zona leste. O Esperant tem juntado de 20 a 25 mil pessoas”, conta Darlan.

    Outro lado

    Por telefone, a assessoria de imprensa da prefeitura afirmou à Ponte que o prefeito se referia apenas a pancadões e não a bailes funk ou bailes de favela quando buscou associar funk e crime. A assessoria não soube explicar qual a definição de pancadões ou de bailes usados por Doria, mas na entrevista à rádio o prefeito não diferenciou uma coisa da outra, já que, ao citar um exemplo da “praga dos pancadões”, mencionou Paraisópolis, palco da DZ7, um dos bailes funks mais conhecidos de São Paulo.

    A assessoria não respondeu às seguintes perguntas feitas pela reportagem:

    • Com quais elementos o prefeito João Doria crava que parte dos organizações “são originários do PCC (Primeiro Comando da Capital)?
    • Aconteceu, de fato, este encontro do então candidato com membros da Liga do Funk? Se sim, o que foi tratado nesta conversa?
    • Qual o motivo de nenhuma ação efetiva após a posse?
    • Neste primeiro ano de mandato, quais decisões tomadas pelo prefeito envolvendo os pancadões?
    • Relatos dos organizadores apontam que há a tentativa de organizar os bailes, mas a Prefeitura e Secretaria de Cultura não dão suporte. Posteriormente, com os eventos acontecendo, acontece a repressão por parte da GCM e PM. Quantos bailes foram organizados em parceria com a Prefeitura desde a posse do prefeito João Doria, em janeiro de 2017?
    Baile Esperant, em Artur Alvim, é novo fluxo na capital, com 25 mil pessoas | Foto: Arquivo pessoal

    A reportagem questionou a CDN Comunicação, empresa encarregada da assessoria de imprensa da SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) do governo Alckmin, sobre o pedido feito pelo prefeito para investigar os organizadores de bailes e pancadões em São Paulo e se haveria algum fato apurado pela polícia que apontasse a relação alegada pelo prefeito entre crime organizado e as festas da periferia. Também perguntou a respeito das denúncias de violações cometidas pela Polícia Militar na repressão às festas.

    O governo estadual ignorou a maioria das perguntas e, por meio de nota, afirmou que realizou no ano passado 3.200 ações de repressão a pancadões, “com mais de 400 pessoas presas ou apreendidas e 1.260 veículos irregulares removidos”. Chamadas de “operações Pancadão”, as ações são feitas por meio de parcerias entre as Polícias Militar e Civil e a prefeitura, por meio das prefeituras regionais e de PSIU, CET e conselhos tutelares, “fortalecendo o diálogo entre a secretaria e município e atuando em conjunto para combater a criminalidade”. Segundo a nota, o telefone 190 “recebe em média 40 mil chamadas diárias, das mais variadas naturezas, entre elas as de perturbação do sossego”.

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