Mesmo proibido, PM dá golpe de enforcamento em adolescente negro dentro de escola

Vídeo feito por alunas de escola estadual de Santo André (Grande SP) mostra momento em que soldado imobiliza vítima com técnica proibida desde 2020; jovem afirma que policiais o abordaram porque olhou para eles antes de entrar no colégio

Imagens feitas por alunos mostram um adolescente negro de 17 anos quase levando uma rasteira e depois um golpe de enforcamento por um policial militar dentro da Escola Estadual Professora Ondina Rivera Miranda Cintra, nesta quinta-feira (24/2), em Santo André, na Grande São Paulo. A técnica de imobilização foi proibida pelo subcomando da corporação em julho de 2020 após uma série de episódios de violência policial.

É possível ouvir no vídeo os estudantes dizendo “ele não fez nada” e o próprio rapaz também se defendendo. “O que eu fiz?”, questiona. Segundo uma aluna, de 15 anos, que estava com ele, por volta das 19h estavam andando juntos a caminho da escola onde estudam no período noturno. “Eu falei ‘[nome do adolescente], eles estão te encarando’. Aí ele falou alto ‘mas eu não tô fazendo nada, parça, duas vezes”, afirma. “Aí o policial parou o carro na porta da escola e falou ‘fala para mim o que você tá falando aí moleque do caralho’. A gente continuou entrando para a escola, ele veio correndo atrás dos meninos”.

À Ponte, o rapaz disse que estava conversando com os amigos na esquina. “Vieram dois colegas falando que os policiais disseram que era para entrar na escola se não ia tomar tiro, daí eu fui entrando e os policiais foram descendo, eu olhei para eles e eles me olhando, não sei se queriam me abordar, olhei para frente e prossegui”, lembra. “Nisso que eu entrei, eu olhei para eles de novo e eles começaram a me xingar ‘qual é, cuzão, tá olhando o quê? Vem aqui para a gente trocar um papo’. Eu olhei e continuei andando, não falei nada”.

Segundo ele, os policiais insistiram. “Eles falaram ‘vem aqui’, eu falei ‘não, eu tô na escola, eu tô no meu direito, não vou sair da escola para ir para a viatura, eu não sei o que pode acontecer’ e eu entrei. Nisso, ele veio correndo, eu dei uma corridinha, ele catou minha bolsa. Eu soltei a bolsa, caiu no chão, eu fui para trás com a mão levantada”, afirma. “Teve uma hora que eu não consegui me esquivar mais e foi quando aconteceu a violência deles contra mim, tentaram me dar um rodo [rasteira], não conseguiram, pegaram meu braço e puxaram, e deram o enforcamento e começaram a me levar”.

A amiga assim como outros alunos que aparecem no vídeo começaram a gritar. De acordo com eles, o homem de camisa branca que aparece separando os estudantes do adolescente sendo abordado é inspetor, mas não teria feito nada e só pediu calma. “Quando [os professores] apareceram, pediram para todos os alunos subirem para aula, só que todos começaram a gritar que só iríamos subir quando os responsáveis chegassem”, disse a jovem.

Irmã mais velha do jovem, a dona de casa Bruna Bononi de Lima, 27, disse que chegou ao local, mas os policiais não queriam informar o que estava acontecendo. “Disseram que teria que aguardar só os pais para acompanhar na delegacia”, afirma. “Falei com meu irmão e ele disse que tinha uns meninos que xingaram os policiais, mas não foi ele, e como ele estava passando, acabaram indo para cima dele e que estava com receio de onde os policiais iriam levar ele na viatura”.

No boletim de ocorrência registrado no 6º DP de Santo André, os PMs Fernando Reis Felix e Fernando Lorente Alexandre, do 10º BPM/M, informaram que foram acionados pela direção da escola para intensificar o patrulhamento na região “visando a segurança dos alunos” por conta do “alto índice de roubos” no local. Eles afirmam que em frente à porta do colégio, o adolescente teria começado a hostilizar os policiais gritando “tomar no cu os policiais, eu não devo nada pra eles”.

Ao realizarem a abordagem, segundo eles “até mesmo para assegurar de que se tratava de um aluno”, continuaram a ser hostilizados por ele e por outras pessoas. Os soldados alegam que o jovem “investiu fisicamente contra a equipe, tendo sido necessário uso de força moderada para contê-lo”. E que permaneceram na escola até a chegada da mãe do rapaz a qual também acusou a dupla de ter agredido o filho de forma injustificada e todos foram conduzidos à delegacia.

No DP, o jovem negou a versão dos policiais e que outros alunos da escola teriam lhes hostilizado, mas a dupla abordou apenas ele. Também declarou que não resistiu à abordagem nem os agrediu. O caso foi registrado como ato infracional de resistência.

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O adolescente disse a família vai denunciar o caso à Corregedoria da PM. “Eu vou para a aula, mas eu tenho um receio na hora de ir embora e pegar ônibus para casa, então vou ficar andando com grupo de pessoas porque eu não sei o que pode acontecer”.

O que diz a Secretaria da Educação

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da pasta sobre a abordagem dentro da escola. A assessoria da pasta respondeu por nota:

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) repudia toda e qualquer forma de violência e lamenta o ocorrido na E.E. Ondina Rivera Miranda Cintra, em Santo André. Os pais do aluno foram chamados até a escola. A equipe do Conviva, programa de convivência e segurança da Secretaria, está à disposição para dar suporte ao aluno, caso a família opte pelo recurso, e o caso foi registrado no Placon, sistema que monitora a rotina das escolas da rede estadual.

O que diz a polícia

A Ponte procurou as assessorias da Secretaria da Segurança Pública e da PM. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:

A Polícia Civil investiga o caso por meio de inquérito policial instaurado pelo 3º DP de Santo André. Os policiais militares, assim como o menor, acompanhado de sua mãe, foram ouvidos e deram suas versões dos fatos. Diligências estão em andamento visando ao esclarecimento da ocorrência.

*Reportagem atualizada às 19h03, de 25/2/2022, após recebimento de nota da SSP.

**Atualização às 10h01, de 28/2/2022, para incluir resposta da Seduc.

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