Lei aprovada prevê, entre outras medidas, pontuação diferenciada para negros e indígenas em concursos para cargos no estado, mas para valer, precisa da assinatura do governador
Oito militantes negros da Educafro estão acorrentados na sede da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo como protesto pela falta de regulamentação da lei nº 1.259/2015, que estabelece regras para inclusão de pretos, pardos e indígenas no serviço público paulista. A lei foi aprovada em janeiro de 2015 pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e uma comissão, da qual a Educafro faz parte, foi formada para elaborar a regulamentação da lei, que precisaria ser assinada pelo governador de São Paulo, na época o atual presidenciável pelo PSDB, Geraldo Alckmin. Em carta aberta, a Educafro afirma que “Alckmin alegou que faltavam apenas alguns detalhes e terminou o governo sem assinar. Ele mentiu para a comunidade negra”.
O atual governador, Márcio França (PSB), ainda de acordo com a entidade, também não cumpriu o prometido pelo antecessor. Frei David santos, diretor Executivo da Educafro, explica que desde a sucessão, quando o tucano decidiu lançar a candidatura à presidência, negociações com o novo governo começaram, sem, no entanto, apontar para um desfecho.
“Uma vez que foram cinco tentativas [de se reunir com o secretário de Justiça, Márcio Elias Rosa, e com o governador de São Paulo, Márcio França] sem respostas, o grupo decidiu ficar acorrentado na porta da Secretaria. É um ato de um grupo de pessoas corajosas, conscientes de que não dá mais pra deixar passar governo e o povo ficar de lado, sendo enrolado”, afirma o frei.
O protesto teve início na tarde desta terça-feira (21/8) e, segundo os manifestantes, só vai acabar quando a lei estiver regulamentada. “Só vamos sair daqui quando o Governo de São Paulo fizer duas coisas: nos apresentar uma cópia do documento dizendo em que pé está a regulamentação da lei. E em segundo lugar, se o governo disser dia tal, hora tal vou receber toda a sociedade para assinar a regulamentação. O Márcio França nem precisa vir aqui. Se quiser vir, terá um abraço educado e respeitoso do grupo. Mas se não puder, não precisa”, afirma Frei David Santos.
A lei 1.259/2015 prevê uma série de medidas para inclusão de pretos, pardos e indígenas no serviço público paulista. Em linhas gerais, a legislação prevê sistema de pontuação diferenciada, fatores de equiparação – mediante acréscimos percentuais na pontuação final dos candidatos beneficiários, por exemplo, e consideração de títulos – em concursos públicos. Tanto Alckmin quanto França deixaram a cargo do secretário de Justiça, Márcio Elias Rosa, concluir a regulamentação.
A espera de quase 4 anos e a forma com que as negociações foram conduzidas fizeram com que a militância optasse por protestar na sede da pasta da Justiça. Segundo o militante da Educafro Tiago Nogueira, 36 anos, que oferece apoio ao grupo acorrentado, foram 5 tentativas de reunião com Rosa. “A lei existe, mas para fazer valer precisamos da assinatura. Ela vai beneficiar todo a população negra do estado de São Paulo”, explica.
Para Frei David Santos, é inaceitável em um país com 54% da população negra e um estado que tem cerca de 17 milhões de negros – número maior do que no estado da Bahia, onde proporcionalmente há mais negros – essa lei ainda não esteja em vigor. “O povo negro continua sendo colocado para escanteio. Observe quantos negros há no governo Marcio França. E no de Alckmin, a mesma coisa. Não havia secretário ou secretária negra. Tem um grande número de negros entrando na universidade [em decorrência também do sistema de cotas] que estão saindo com um outro capital, absolutamente preparados, com consciência dos seus direitos. Eu tenho certeza que nenhum governo sério vai ter a ousadia de se compor sem colocar em seu secretariado negras e negros capazes”, afirma.
Outro lado
Em nota, a Secretaria de Justiça de São Paulo afirma que está analisando a proposta de regulamentação da lei, tendo feito reuniões para solucionar eventuais dúvidas. “O governo reitera o seu compromisso com o tema e reconhece a procedência da postulação, lembrando que o sistema de pontuação diferenciada tratada na lei estadual difere do sistema de cotas tradicionalmente conhecido. Apenas ressalta que o período pré-eleitoral não deve de nenhum modo alimentar falsas divergências a respeito de omissões não existentes e que não contribuem para a construção de políticas afirmativas efetivas”, diz o texto.