Sidarta Ribeiro, neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, fez fala contundente contra cortes do governo federal
Na última terça-feira (23/7), durante a 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), um militar fardado gravou e fotografou participantes reunidos em auditório da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande.
À Ponte, uma participante que preferiu não se identificar afirma que a sensação geral foi de intimidação. O militar carregava uma câmera grande e não disfarçou em nenhum momento que estava gravando as falas e fotografando. Imagens que circularam nas redes sociais desde terça-feira mostram o agente do Exército em vários locais da sala, em pé e em frente ao palco.
A reportagem confirmou que não houve solicitação ou mesmo comunicação de que o Exército gravaria o encontro, que teve como tema “Ciência e Inovação nas Fronteiras da Bioeconomia, da Diversidade e do Desenvolvimento Social”.
Um dos convidados que teve a apresentação gravada pelo Exército foi o neurocientista Sidarta Ribeiro, um dos mais renomados pesquisadores da área, professor titular e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e que esteve agora em julho na Festa Literária de Paraty, a Flip, por causa do lançamento do seu novo livro “O oráculo da noite”. Ele é coordenador da Comissão de Financiamento à Pesquisa e de Política Científica da SBPC e, em sua fala, fez críticas aos cortes impostos pelo governo federal desde 2016 e que se acentuaram na gestão de Jair Bolsonaro, afetando pesquisas acadêmicas e, como consequência, o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
“É muito importante entender que o sistema é composto por eixos interdependentes e cortes geram consequências sistêmicas. Quando se corta bolsas, por exemplo, todo o sistema sofre”, disse durante a apresentação. O bloqueio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), por exemplo, chegou a mais de 80% em 2019. Capes e CNPq correm risco de encerrarem as atividades antes do final do ano, informa portal da SBPC, que está fazendo a cobertura diária do evento.
“A opção de cortar na ciência foi uma opção desastrada e política. O cenário é de desmonte da ciência brasileira. A única coisa boa desse quadro é que quem está no fundo do poço, só pode subir”, brincou Ribeiro.
No início da semana, Bolsonaro esvaziou, por decreto, o Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas), retirando a participação da sociedade civil e deixando apenas representantes do governo. Uma das entidades excluídas foi justamente a SBPC. “A ciência incide em tudo. Como é possível não termos um cientista ou uma cientista nas discussões mais importantes do país?, disse o neurocientista em determinado momento de sua apresentação.
A Ponte tentou contato com Sidarta Ribeiro, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
O Exército já participou de outras edições do evento, mas, segundo uma participante do encontro que pediu a palavra ao se sentir incomodada com a presença do militar, “desde 1970, ela não via uma cena dessas” [um militar gravando uma palestra]. A SBPC existe desde 1948.
De acordo com a participante ouvida pela Ponte, o que causou incômodo e estranheza foi a falta de informação sobre o objetivo da gravação e, sobretudo, o fato de que o militar “chegou bem perto do palco quando algumas pessoas pediram a palavra, fotografou rosto, filmou”, disse.
A Ponte procurou, por telefone, a comunicação da SBPC que informou que, até o momento, não se pronunciará oficialmente justamente por não saber do que se tratou o episódio e destacou que o evento é aberto ao público.
A reportagem enviou um pedido de nota para a comunicação do Exército com as seguintes perguntas:
1. O Exército estava realizando gravação das palestras do SBPC2019? Todas as palestras foram gravadas ou apenas a do neurocientista Sidarta Ribeiro?
2. Em sendo apenas o prof. Sidarta a ser fotografado, gravado, qual o intuito? Qual o motivo da escolha?
3. Algumas pessoas afirmaram que sentiram-se intimidadas. O que o Exército acha dessa sensação?
4. A organização do evento afirma que não foi contatada pelo Exército para informar da gravação. Ressalta também que o evento é aberto, mas que não sabe do que se trata a gravação. Afinal, qual foi o motivo?
5. Nos outros anos, o Exército fez a mesma coisa na reunião da SBPC?
6. Qual será o uso/aplicação dessas fotos e filmagens?
7. A fala do prof. Sidarta foi bastante combativa e crítica ao atual governo de Jair Bolsonaro. A motivação da filmagem tem ligação com a linha de pensamento do pesquisador?
Em nota*, enviada nesta sexta-feira, a comunicação do Exército informou que não foi o Exército que realizou a gravação. “O que ocorreu é que um militar, por interesse pessoal no tema, viu a palestra, e resolveu registrar algumas imagens, por conta própria”. Sobre a pergunta da sensação de intimidação que algumas pessoas relataram, a resposta foi: “Esta pergunta deve ser dirigida ao Comando do Exército”.
(*) Reportagem atualizada no dia 26/7 às 10h40 para inserir nota enviada pela comunicação do Exército
[…] última terça-feira (24/7), conforme divulgado em reportagem da Ponte, Ribeiro estava fazendo uma apresentação sobre os riscos para a ciência e tecnologia […]
[…] nenhuma explicação, militares filmaram palestra de um cientista na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC. A […]
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