Ministro do STF proíbe operações policiais em favelas do RJ na quarentena

    Em liminar, Edson Fachin cita que ações devem ocorrer apenas em casos de absoluta excepcionalidade e justifica citando morte de João Pedro, 14 anos

    Edson Fachin considerou mortes recentes para validar pedido | Foto: Divulgação/STF

    O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin proibiu operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de coronavírus. Inicialmente, a decisão retirava ações próximas de escolas.

    Nesta sexta-feira (5/6), o ministro ampliou a medida referente à ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 635, ou ADPF Favelas pela Vida.

    Fachin citou como motivo a morte de João Pedro , 14 anos, baleado com um tiro de fuzil pelas costas durante operação policial no Salgueiro, em São Gonçalo, durante operação policial. Segundo o ministro, “nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes”.

    “O fato é indicativo, por si só, que, mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a Constituição”, sustenta o ministro. A proibição de Fachin, “sob pena de responsabilização civil e criminal”, cobra que somente sejam feitas operações em “hipóteses absolutamente excepcionais”.

    Leia também: Um adolescente morto por mês. É o resultado das operações policiais no RJ

    Além disso, as autoridades devem justificar por escrito os motivos da ação, enviando o texto para o Ministério Público do Rio de Janeiro, “responsável pelo controle externo da atividade policial”.

    Ainda que ocorra operação das polícias, diz Fachin, é preciso que as tropas adotem “cuidados excepcionais” a fim de “não colocar em risco ainda maior a população”. Estes cuidados, assim como as justificativas da ação, devem ser listados por escrito e direcionados ao MP.

    Em 17 de abril, Fachin acatou 6 dos 12 pedidos feitos pela ADPF das Favelas. Entre as medidas cautelares deferidas, estão: restrição do uso dos helicópteros como plataforma de tiro, orientação aos agentes de segurança e profissionais de saúde para preservar vestígios de crimes, realização de perícia nas cenas dos crimes, fim das operações policiais perto de escolas, creches e hospitais, reconhecimento de investigações por parte do Ministério Público do Rio de Janeiro sempre que houver envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública em infrações penais, e a suspensão do decreto (46.775, de setembro de 2019) que tirava as gratificações na diminuição letalidade.

    O pedido foi feito pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) em parceria com a Defensoria Pública do RJ, Justiça Global, Conectas, Redes da Maré, Coletivo Fala Akari, Movimento Mães de Manguinhos, Coletivo Papo Reto, Educafro, Movimento Negro Unificado, Rede contra a Violência e Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.

    Leia também: ‘Licença para matar’ e operações diárias geram recorde de mortos pela polícia no RJ

    Segundo Shyrlei Rosendo, moradora da Maré e coordenadora de mobilização do Eixo de Segurança da Redes da Maré, a decisão é um alívio para os moradores de favela.

    “A avaliação é positiva, em especial diante dos últimos acontecimentos no Rio. Temos a falta de controle da pandemia por parte das autoridades e ainda temos que lidar com o problema das operações policiais”, avalia.

    Segundo ela, a decisão é importante também por cobrar ações de quem fiscaliza a polícia. “Chama o MP e as instituições responsáveis para assumir seu papel. Espero que daqui para frente as coisas possam melhorar”, diz.

    A decisão, contudo, deixa um alerta com a possibilidade de ações existirem, mesmo com os entraves criados por Fachin. “Suspende operações, mas elas podem ocorrer e, para que ocorram, há uma série de medidas que polícias têm que providenciar”.

    Desde a primeira decisão, em abril, o Rio registrou a morte de alguns jovens, como João Pedro, 14 anos, baleado pelas costas e morto dentro da cas do primo; João Vitor, baleado quando saiu de casa para comprar uma pipa; e Rodrigo Cerqueira, ambulante que trabalhava quando baleado pela polícia.

    Na argumentação pela liminar, o PSB inclui a notícia da morte de João Pedro. Shirley considera que, se a medida viesse antes, essa e outras mortes poderiam ser evitadas. “É possível. Diante últimos acontecimentos do Rio, pedimos uma cautelar e Fachin acabou sendo sensível e deu a liminar”, diz.

    De acordo com o coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Gabriel Sampaio, a decisão de Fachin demonstra uma preocupação do STF. Para ele, a limitar é importante para salvar vidas.

    “Em um contexto em que protestos antirracistas eclodiram em diversas partes do mundo, é urgente que as instituições brasileiras deem um basta ao genocídio e à violação de direitos da população negra das periferias e favelas”, justifica.

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    […] o maior número desde que o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão as operações durante a pandemia em junho deste ano, permitindo ações das polícias apenas em casos excepcionais. Em […]

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    […] o maior número desde que o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão as operações durante a pandemia em junho deste ano, permitindo ações das polícias apenas em casos excepcionais. Em junho foram […]

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    […] Apesar de proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho deste ano, as operações policiais nas favelas e periferias do estado do Rio de Janeiro explodiram em outubro de 2020. Segundo estudo GENI (Grupos de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense), que cruzou dados próprios com os dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), o aumento das operações de setembro para outubro dobrou: 19 operações em setembro contra 38 em outubro. […]

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    […] em razão da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, assinada pelo ministro Edson Fachin e chancelada pelo plenário do STF, que restringiu, em junho passado, o ingresso das […]

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    […] a Justiça Global, a Conectas, dentre outros). O envolvimento de tantos atores políticos foi crucial para que o relator acatasse rapidamente o novo pedido de medida cautelar feito em abril e pa…. A pressão social exercida – observada também através de um forte engajamento nas redes […]

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    […] em desrespeito a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Em junho do ano passado, o STF proibiu operações policiais desse tipo durante a crise sanitária, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao […]

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