Homem de 30 anos jantava em centro de acolhimento na Mooca, na zona leste de SP, quando teria se desentendido com funcionário; testemunhas relatam que agentes agiram com truculência e ameaça para expulsá-lo do local
O morador de rua Alexandre José de Brito, 30 anos, afirma que foi agredido por seis agentes da Guarda Civil Metropolitana, na noite de sábado (15/12), enquanto jantava no CTA (Centro Temporário de Acolhimento) Mooca I da Prefeitura de São Paulo, na zona leste da capital.
De acordo com Alexandre, que está há cinco meses em situação de rua, a ação aconteceu após ter se desentendido com um funcionário do CTA, por volta das 20h. “Eu estava conversando com um colega meu, a gente estava descendo as escadas e eu acabei falando ‘nigeriano’ na conversa. Tem um funcionário lá que é estrangeiro e se sente ofendido quando escuta essa palavra não sei porquê e achou que eu estava falando diretamente para ele. Só que eu não estava falando dele” conta. “Daí ele me seguiu, eu já tinha pegado o prato de comida para jantar e ele disse ‘você vai ter que se retirar’. E eu perguntei ‘mas por quê?’ e ele respondeu ‘você me chamou de nigeriano’. E ele foi lá fora [do CTA], chamou a GCM e dois guardas entraram”, prossegue.
Ele afirma que os dois guardas solicitaram para que ele saísse, mas autorizaram que ele terminasse de se alimentar. “Eles falaram ‘você vai ter que sair’. Eu disse ‘beleza, eu saio, mas primeiro eu vou jantar’. Eles autorizaram que eu jantasse. Quando eu estava jantando, chegaram mais quatro GCMs e me tiraram na base da porrada e lá fora me deram uma coronhada, bateram com cassetete”.
Um outro morador, que pediu anonimato e presenciou as agressões, afirma que os guardas também ameaçaram outros pessoas em situação de rua do local. “Quando a GCM chegou, só escutou um lado da versão, não quis escutar os dois lados e deu prioridade só para a versão do monitor. Aí a GCM foi muito truculenta, bateu, deu cassetadas, deu soco, deu cotovelas, coronhada no rapaz. E estavam o tempo inteiro apontando os revólveres para a população da casa, falando que iam bater, que iam jogar gás e que lá do lado de fora ia ser diferente.”
“A função do monitor seria de um educador social, mas ele agiu de forma incorreta. Se o cara ofereceu uma certa resistência para sair, eles deveriam ligar para o 156, esperar uma outra abordagem e transferí-lo de equipamento social” completa o morador.
Alexandre afirma que os guardas o colocaram na viatura, levaram-no ao hospital e, depois, para o 56º DP (Vila Alpina). No entanto, afirma que não recebeu o registro da ocorrência. “Me deram esse documento aqui falando que era o BO, li, não entendi nada, mostrei pro Padre Júlio e era só uma requisição de IML e para eu comparecer no Juizado Especial, mas não sei por quê”, declarou.
Na requisição do IML para avaliar as lesões de Alexandre e no termo de compromisso de comparecimento são apontados que foi feito um termo circunstanciado e as infrações que ele teria cometido são resistência, desobediência, desacato e ameaça contra a administração pública e injúria. Mas não há o histórico da ocorrência.
À Ponte, o Padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, afirmou que está acompanhando Alexandre e localizando um outro local para que ele permaneça.
Outro lado
A reportagem procurou a Prefeitura de São Paulo, a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), a SMSU (Secretaria Municipal de Segurança Urbana), que é responsável pela GCM, e a Associação Cultural Nossa Senhora das Graças, que é a organização social conveniada à prefeitura no atendimento do CTA Mooca I. De acordo com testemunhas, o local apresenta câmeras de segurança.
Em nota, a SMADS “esclarece que em nenhum momento houve agressão física entre o funcionário do CTA Mooca e o convivente [Alexandre], o que pode ser comprovado pelas câmeras”. A pasta afirma que “não é a primeira vez que o convivente agride verbalmente com preconceito, xenofobia e racismo o funcionário que é nigeriano. Isso principalmente quando está sob efeito de álcool” e que a situação teria se repetido na noite de sábado. A secretaria declarou que o funcionário acionou a GCM e que o CTA não realizou mais nenhuma ação. Informou, ainda, que “a SMADS e a OSC Associação Nossa Senhora das Graças não permitem nenhum tipo de agressão e preconceito nos serviços” e que o funcionário está afastado até que tudo seja esclarecido.
Complementando a posição da SMADS, a Prefeitura enviou nota informando que a GCM foi acionada pelo funcionário porque o morador de rua “encontrava-se agressivo” e que “a GCM tentou conversar, mas o homem desferiu chutes e socos nos guardas, ferindo um deles”. A administração municipal aponta, ainda, que Alexandre foi algemado e conduzido ao Hospital de Vila Alpina e, após ser liberado pelos médicos, conduzido ao 56º DP e irá responder em liberdade por ameaça, desobediência e resistência.
Questionada sobre as imagens, por telefone, a Prefeitura informou que as câmeras apenas estão localizadas dentro do centro de acolhimento e que nelas mostram a GCM levando Alexandre para fora do local. Disse, ainda, que na área externa não há equipamentos de filmagem e que o morador de rua agrediu o guarda do lado de fora do CTA.
Também procuramos a SSP (Secretaria de Segurança Pública) sobre a denúncia de que Alexandre não recebeu cópia da ocorrência no distrito policial.
Em nota, a In Press, assessoria terceirizada da SSP, informou que foi registrado um termo circunstanciado (registro para infrações de menor potencial ofensivo com pena inferior a dois anos) de resistência, desobediência, desacato e injúria no 56º DP. Questionada por telefone sobre Alexandre não ter recebido cópia da ocorrência, a pasta declarou que “por segurança não disponibiliza o termo circunstanciado” e que o termo de compromisso é “suficiente” para que ele se apresente ao Jecrim (Juizado Especial Criminal).
Perguntada novamente sobre como o morador de rua vai se apresentar sem ter o conteúdo do registro, a pasta resumiu por telefone o documento, reiterando que “não é de praxe o DP disponibilizar o termo circunstanciado”, informando que os GCMs foram acionados pelo educador social com a acusação de que o morador de rua o teria ofendido.
No local, o educador teria alegado que o morador de rua estava sob efeito de entorpecentes, com comportamento agressivo e que, durante a revista, ele teria ofendido e agredido um dos guardas, “sendo necessário uso de força moderada para contê-lo”. Alexandre teria sido encaminhado ao Hospital João XXIII e depois ao DP, onde afirmou que não usava drogas e que a confusão foi iniciada pelo funcionário. E que foi orientado a comparecer ao Jecrim no prazo de seis meses para prestar esclarecimentos e também por conta de abertura de inquérito pelo crime de injúria.