Moradores de Paraisópolis pedem paz em comunidade após criança ser ferida durante ação da PM

Com faixas pelo fim da violência policial e pelo direito à vida, protesto aconteceu próximo ao local onde menino foi atingido nesta quinta-feira (18/4)

Moradores se reuniram na Rua Ernest Renan, em Paraisópolis, em protesto | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Segurando cartazes com mensagens como “Nossas crianças têm direito de ir e vir da escola sem por suas vidas em risco” e “Os meus, os seus, os nossos filhos têm o direito à vida”, um grupo de moradores, a maioria mães com seus filhos, realizaram um protesto pedindo paz na comunidade de Paraisópolis, localizada na zona sul e a segunda maior favela da cidade de São Paulo, na noite desta quinta-feira (18/4).

Organizada pela União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis e com apoio da G10 Favelas, o ato aconteceu a poucos metros de onde uma criança negra de sete anos foi ferida na cabeça durante uma ação da Polícia Militar na Rua Ernest Renan, uma das principais vias do bairro, quando era levada pela mãe à babá. A rua estava movimentada, com vários comércios abertos e crianças e adolescentes retornando da escola para casa. Moradores relataram que o cenário era parecido quando o menino foi atingido.

A vítima deu entrada às 7h50 da manhã desta quarta-feira (17/4) na Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Paraisópolis e foi transferida às 9h para o Hospital Campo Limpo, onde passou por exames no olho direito e não corre risco de perder a visão, segundo o advogado André Lozada, que acompanha a família.

“A criança tem bastante dor no olho e está tomando três tipos de antibiótico. Ela está bem assustada quando cai algo no chão”, contou Lozada à Ponte. Ele explicou que o menino passou por uma tomografia e não teve nenhum ferimento mais grave, apesar de estar com o região o olho bem inchada e ter que fazer pontos no supercílio. Como o filho ainda está internado, a mãe não participou do protesto.

Ações violentas recorrentes

A líder comunitária e empreendedora Rejane Santos, de 38 anos, foi criada em Paraisópolis desde os seis anos de idade. Ela participou do ato e conta que ações violentas da polícia são recorrentes. “Cada vez vem uma vítima diferente e está insustentável essa situação”, lamenta. “A gente precisa falar, precisa mostrar que a gente está incomodado, que a nossa comunidade precisa ser tratada com respeito, que a gente resolve os problemas de comunidade investindo na saúde, educação, moradia e não atirando nas pessoas”, diz.

“O tratamento tido pelas famílias de Paraisópolis é totalmente diferente das do Morumbi”, critica. “Se você é preto, se você é branco lá no Morumbi é tratado de uma forma. Se você é preto ou é branco em Paraisópolis, é tratado de uma forma totalmente diferente”, aponta, comparando a comunidade com o bairro rico vizinho.

A líder comunitária Rejane Santos ao microfone no ato | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Durante uma das falas com o microfone liberado para os presentes, o educador social Matheus Muniz Ferreira da Silva, 23, recitou um poema escrito por Matriarcak, artista periférica da zona norte de São Paulo, que fala sobre a violência policial nas periferias e a luta das mães negras.

Trabalhando em Paraisópolis, Matheus disse que ficou assustado com a notícia da criança ferida, pensando também que fosse algum de seus alunos e quis prestar solidariedade. “Esses lugares a gente tem que ocupar mesmo, porque é uma resposta da violência que eles fazem com a gente todos os dias”, disse.

A cuidadora de idosos Josicleide Maria da Conceição, 50, mora em Paraisópolis há oito anos e disse que sai para trabalhar com medo, já que tem cinco netos, o mais velho com 15 anos e fica preocupada quando eles estão fora de casa. “A gente só quer o nosso direito de ir e vir, poder sair, trabalhar. Eles [policiais], sim, têm que fazer o trabalho deles, mas têm que prestar atenção, têm que ter mais cautela, porque aqui tem família, tem criança indo para o colégio, mãe de família saindo para trabalhar. Então, a gente quer paz, quer segurança”.

Armas de PMs não foram apreendidas

No boletim de ocorrência sobre o caso da criança ferida, o sargento Leandro Mateus Aguiar da Silva relatou que estava com o tenente Ronald Quintino Correia Camacho e o soldado Vitor Henrique Furlan em uma incursão na Viela do Passarinho, na Rua Melchior Giola, quando avistaram “dois indivíduos no acesso da viela” e que fugiram rumo à comunidade da Grota. Segundo ele, uma terceira pessoa realizou “cerca de 10 disparos contra os policiais”.

O sargento disse que revidou com dois disparos de fuzil, o tenente com três de fuzil e o soldado com seis tiros de pistola. Esse indivíduo teria fugido também em direção a essa comunidade e nenhum dos três homens foi localizado.

Ainda segundo o relato do PM, foi identificada a criança com ferimentos na cabeça e que foi levada por policiais em outra viatura à AMA Paraisópolis, de onde foi transferida para o Hospital do Campo Limpo. O sargento afirmou que lá “tomaram conhecimento que o ferimento apresentado na criança é superficial e pode ter sido em decorrência dos estilhaços ou de uma queda”.

Todos os policiais são do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), que integra o programa de câmeras da corporação. No boletim de ocorrência, o delegado Rogerio Zuim Uehara, do 89º DP (Jardim Taboão), não informou se viu as imagens nem consta pedido expresso. Consta apenas requisição de perícia e não houve apreensão de armas dos policiais envolvidos nem justificativa para não ter ocorrido as apreensões por parte da Polícia Civil.

Todo o relato da ocorrência foi feito pelo sargento Leandro Aguiar. Os demais não estavam presentes na delegacia, segundo o documento.

Moradores gravaram PMs na região onde teria acontecido o tiroteio conversando, olhando para o chão e recolhendo objetos, que poderiam ser estojos (cartuchos) dos projéteis disparados.

Em nota, a Ouvidoria das Polícias de São Paulo disse que abriu um procedimento, “oficiando a Policia Civil, solicitando detalhes do que foi instaurado para apuração da ocorrência, assim como laudos periciais e imagens do entorno e à Corregedoria da PM, solicitando imagens das COP’s [câmeras operacionais portáteis, que os PMs usam na farda] e o afastamento dos policiais envolvidos, uma vez que imagens recebidas por esta corregedoria mostram policiais em ações que viriam a obstruir o trabalho da perícia no local”.

No final da tarde de quarta, a Secretaria de Segurança Pública convocou uma coletiva de imprensa na qual o porta-voz da PM, coronel Emerson Massera, disse, antes de qualquer conclusão da investigação, que não foi tiro da polícia que atingiu o menino pois “pode ser sido um disparo dos bandidos ou pedaço de reboco, estilhaço ou uma queda”. “As imagens das câmeras corporais, porém, nos dão certeza de que o menino não estava na linha de ação dos policiais”, afirmou, embora as imagens das câmeras não tenham sido disponibilizadas.

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No mesmo dia, a Bancada Feminista do PSOL, que é formado por codeputadas estaduais, fez uma representação para que o Ministério Público de São Paulo (MPSP) apure o caso. “Diante dos fatos, da calamitosa situação e da divergência de informações, é necessário que se investigue e adote providências aptas a dar um encerramento que possa responsabilizar quem for de direito”, escreveram no documento.

O que diz o governo

A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública sobre a investigação do caso e questionou a ausência de pedido de imagens de câmeras nas fardas e de apreensão de armas na delegacia. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:

Todas as circunstâncias do caso são investigadas por meio de inquérito policial, instaurado pelo 89° Distrito Policial (Jardim Taboão). As providências de Polícia Judiciária estão em andamento com depoimentos, requisições de laudos periciais, análise de imagens e expedição de ofícios, dentre outras medidas pertinentes. Os fatos também são apurados pela PM por meio de Inquérito Policial Militar (IPM).

Reportagem atualizada às 11h, de 19/4/2024, para incluir resposta da SSP.

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