Thiago dos Santos Ferreira era membro da Fiel Pery, braço da torcida Gaviões da Fiel no bairro da zona norte paulistana, foi morto manhã de 14 de junho, em operação da Rota. Versão dos PMs, contestada por amigos da vítima, é baseada em acusação de tráfico de drogas e “resistência à ação policial”
“Ele era muito simples, amoroso com as pessoas, principalmente com as crianças”. Assim os moradores do Jardim Peri, na zona norte de São Paulo, lembram de Thiago dos Santos Ferreira, 35 anos, morto durante uma ação da Rota (considerada pelo governo de SP como tropa de elite da Polícia Militar), na manhã sexta-feira (14/07), e sob a acusação por parte dos militares de “tráfico de drogas” e “resistência à ação policial”.
Segundo relato de testemunhas, os policiais militares chegaram ao bairro por volta de sete horas da manhã. Foram direto para a casa de Thiago e, após abordar a mãe do morador, ele foi baleado e morto. O caso aconteceu na região da Favela do Sucupira, uma das mais pobres da zona norte paulistana.
“A mãe foi na porta e, chamando ela pelo nome, falaram pra ficar fora de casa e não se envolver. Depois, ouviram três tiros lá dentro, seguido de mais dois, depois de um tempo. Ela e algumas pessoas foram ameaçadas por eles [PMs da Rota]”, relatou uma testemunha à Ponte Jornalismo, pedindo para não ser identificada com medo de represálias.
Protestos aconteceram no bairro depois da morte de Thiago.
No fim da tarde do dia 14/07, horas depois da morte de Thiago, um ônibus foi queimado por moradores da região do Jardim Peri, isso contra a vontade dos organizadores da manifestação pelo homicídio de Thiago.
Nos documentos sobre a morte de Thiago, os policiais militares da Rota sustentam a versão de que a operação era para combater o tráfico de drogas no Peri, mas não deixam claro como chegaram ao morador. Os PMs também acusaram Thiago de ter atirado com uma pistola calibre .40 contra dois deles, Rogério de Oliveira Alves e Adriano de Moraes, responsáveis pelo suposto revide contra Thiago, morto com dois tiros no tórax e um no abdômen.
Segundo os PMs da Rota, teriam sido encontradas no carro de Thiago anotações que “aparentavam ser uma contabilidade do tráfico”, além de um colete à prova de balas e dois tijolos que, somados, pesariam 21 kg de maconha. “O local do confronto é interno, mais precisamente ocorreu em uma das casas de uma construção com diversas residências”, sustenta o documento.
Procurada às 19h56 de 14 de junho pela Ponte Jornalismo, a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), que tem como responsável por sua assessoria de imprensa a empresa privada CDN Comunicação, não respondeu à solicitação da reportagem.
Acionada novamente na manhã desta segunda-feira (17/07), a pasta apontou, às 18h31, que inquéritos policiais foram abertos pela Corregedoria (órgão fiscalizador) da PM e pelo DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoa), da Polícia Civil, para investigar como os PMs da Rota mataram Thiago.
“Importante ressaltar que qualquer pessoa pode procurar a Corregedoria para registrar queixas em relação ao comportamento de policiais militares o que, até o momento, não foi feito em relação a esse caso”, ressalta a nota. “As questões levantadas pela reportagem serão apuradas no curso dessas investigações”, prossegue a nota da SSP-SP.
A Ponte Jornalismo fez as seguintes perguntas à SSP:
Qual ação era realizada naquele dia no Jardim Peri?
Quantos policiais foram destinados à esta ação?
Relatos de testemunhas apontam que, por volta de 7h, ouviram disparos e, segundo a SSP, o caso aconteceu às 10h30. Por que esta diferença?
Testemunhas dizem que, com os policiais dentro da casa, foram ouvidos três disparos e, posteriormente, mais dois. É normal este tipo de conflito com o suspeito rendido?
A vítima, segundo a SSP, era um “segurança do tráfico”. Quais provas apontam para tal?
Vítima realizava festa do dia das crianças todo ano
Conhecido como Fefeu, Thiago dos Santos Ferreira organizava todos os anos festas de dia das crianças para a garotada do bairro. Em 2016, moradores contabilizaram cinco mil participantes no oitavo evento organizado pelo morador, que aumentava o bolo a ser distribuído em um metro a cada ano de festança.
“No Dia das Crianças, ele [Thiago] procurava ajuda de todos do nosso bairro para fazer a festa e toda a comunidade colaborava. A criançada adorava. Também na Páscoa. Com a simplicidade, ele conseguia doação com mercados, empresas de ônibus, açougues, comércios em geral. Ele conseguia fazer a alegria da criançada e a população sempre estava junto com ele”, relembra um morados do bairro.
Após a morte de Thiago e antes dos protestos, algumas crianças do Jardim Peri perguntavam: “Este ano vai ter festa?”.
Thiago era membro da Fiel Pery, parte da torcida Gaviões da Fiel, organizada do Corinthians. Acompanhava o clube junto de demais membros da torcida no bairro e tinha o sonho de fundar a primeira escola de samba do bairro, a Império do Jardim Peri.
Pânico pelo WhatsApp
Após a morte de Thiago, principalmente na sexta-feira (14/07), no sábado (15/07) e no domingo (16/07), áudios supostamente gravados por policiais militares começaram a circular nos telefones celulares de moradores da região da Jardim Peri. Em todas as gravações, a população era alertada para não circular pelas ruas do bairro porque mais moradores seriam mortos por policiais.
Nos últimos quatro dias, segundo moradores, o número de policiais militares em atuação pela região do Jardim Peri cresceu e, à noite, eles têm sido vistos sempre com as luzes de sinalização dos carros oficiais apagadas, o que é uma prática errada para o policiamento preventivo, principal função da Polícia Militar. Nem mesmo os PMs da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motos) têm circulado com luminosos em funcionamento.