Comunidades relatam abusos em operação de militares e policiais no Rio

    “Um sargento me deu um enquadro, me chamando de macaco”, conta um morador de Manguinhos; mais de 22 mil estudantes ficaram sem aula

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    As Forças Armadas, em conjunto com as Polícias Civil e Militar, entraram na madrugada desta segunda-feira (21/8) em oito comunidades da zona norte do Rio de Janeiro — Jacarezinho, Complexo do Alemão, Bandeira 2, Morar Carioca, Parque do Arará, Mandela, Manguinhos e Mangueira — para uma megaoperação em busca de 14 traficantes, drogas e armas.

    Desde cedo, moradores tiveram suas casas invadidas e foram barrados na entrada das comunidades. Alguns tiveram que apresentar documentos de identidade e tiveram seus celulares vasculhados.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    “Dormi na casa da minha namorada em Triagem. Por volta das sete horas da manhã, bateram na porta e pediram para revistar a casa”, afirma um morador de Manguinhos, uma das regiões ocupadas pelo Exército, que não quis se identificar por medo de represália da polícia. “Perguntaram se eu trabalhava, disse que sim. Outro soldado veio perguntar o que eu fazia e eu disse que trabalhava com cultura. Eles riram e me olharam com um ar de deboche perguntando que cultura era essa. Eu respondi que era cultura funk. Sou dançarino de passinho. Outro menosprezou, rindo, e disse que isso era moleza, perguntou se dava dinheiro. Quis responder à altura, mas o medo de ser agredido foi maior, apenas me calei”, diz. “Me senti menosprezado, sem privacidade, com raiva e a gente ainda estava com roupas íntimas de dormir. Uma invasão!”, relata.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Outro morador de Manguinhos relatou à Ponte supostos episódios de preconceito por parte dos militares. “Um sargento me deu um enquadro, me chamando de macaco, disse que eu era traficante”, afirmou. “Isso quando fui levar meu irmão mais novo na escola. Fui parado três vezes. Na última, voltei me sentindo humilhado. Era o mesmo sargento, ele jogava no chão material escolar de alunos”, afirmou. “Está difícil demais, muito”, comentou.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Um estudante de pedagogia foi preso por gravar a ação dos policiais e levado à Cidade da Polícia. “Eu estava na quadra de Manguinhos quando vi que estavam levando um garoto para lá e eu conheço a mãe dele, ela é moradora de rua. Eu estava vendo aquilo tudo e comecei a gravar. O policial viu e mandou eu desligar. Eu continuei gravando e eles me mandaram sair dali, pediram meu celular, ai eu disse que não ia dar”, conta. “Eu estava exercendo meu papel como cidadão. O policial disse que era errado, que eu estava colaborando com o crime. Eles perguntaram se eu compartilhei o vídeo, eu disse que sim e eles mandaram eu apagar ou eu ia preso”, afirma. “Eu apaguei e ainda assim me levaram preso até a Cidade da Polícia. Chegando lá, queriam empurrar crimes para mim que eu não cometi. Minha sorte foi que lá tinha um advogado que me conhecia. Ai eles me liberaram”, comenta. “Não posso me calar perante isso!”, conclui.

    Sem aula

    Na coletiva de imprensa realizada hoje, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, informou que houve 29 detidos (12 em flagrante) até as 17h. O Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá, disse que foram apreendidos sete carros, 25 motos, 7 pistolas, uma espingarda, duas granadas e 250 munições, além de 300 quilos de maconha, 10 quilos de cocaína e 1.5 quilos de haxixe. “Conseguimos, com a operação de hoje, possibilitar a entrada de serviços públicos no Jacaré. A polícia, com o apoio das Forças Armadas, por meio do Plano Nacional de Segurança Pública, será incansável na busca de criminosos”, declarou o secretário Sá.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Ainda de acordo com Jungmann, 5.546 homens foram mobilizados pelas Forças Armadas para apoiar os policiais no Rio: “É importante dizer que sem disparar um tiro, nenhuma vítima até o momento”.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Na favela do Jacarezinho, desde a última sexta-feira (11/08), quando o policial civil Bruno Guimarães Buhler, da Coordenadoria de Operações de Recursos Especiais (Core) foi morto, a população sofre com troca de tiros de policiais e bandidos. Em dez dias, sete pessoas morreram.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Segundo a Secretaria Municipal de Educação do Rio, a comunidade do Jacarezinho foi a que mais sofreu com a falta de aula. Há sete dias, os alunos não vão para a escola. Hoje, no total, mais de 22 mil alunos ficaram sem aula por causa da operação.

    Foto: Pedro Prado/Ponte Jornalismo

    Em entrevista coletiva, o subsecretário de comando e controle da Secretaria de Segurança (Seseg) do Rio de Janeiro, Rodrigo Alves, disse que a culpa pelo fato de as crianças perderem aula não é do Estado. “Essas 22 mil crianças sem aula estão sem aula por causa dos bandidos, não por causa da polícia”, comentou.

    Outro lado

    Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Militar disse que as denúncias de abusos precisam ser encaminhadas à Corregedoria da corporação. Já o Exército não se manifestou.

     

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