Depois de matar 116 pessoas em abril de 2020, corporação deixa 52 mortos em abril de 2021; PM é responsável por um em cada cinco dos homicídios no estado
As mortes decorrentes da atividade policial em São Paulo caíram de 65 em março, para 52 em abril de 2021, somando as mortes ocorridas durante o serviço e fora dele. A estatística inclui mortes como a de Thiago Duarte, jovem negro com deficiência intelectual que morreu em 21 de abril deste ano, após ser baleado pelo cabo Denis Augusto Amista Soares, que estava de folga, em 8 de abril. Thiago permaneceu 13 dias internado no Hospital Geral de São Mateus, na zona leste da cidade de São Paulo, mas não resistiu aos ferimentos.
O número também é consideravelmente mais baixo do que em abril ano passado, recorde em mortes pela polícia, quando 119 pessoas morreram nas mãos da Polícia Militar e da Polícia Civil – ou seja, uma queda de 55%. Não houve registros de mortes por intervenção da Polícia Civil do estado em abril de 2021. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), divulgados no Diário Oficial do Governo do estado no último sábado (28/5).
No total, entre janeiro e abril deste ano, 244 pessoas foram mortas pela polícia do estado de São Paulo, sob gestão de João Doria (PSDB). O número representa uma queda de 36% em relação ao primeiro quadrimestre de 2020, quando as policiais fizeram 381 vítimas, considerando ocorrências de policiais em serviço e de folga, segundo levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base em dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública e das corregedorias das polícias.
Os dados também mostram o índice de pessoas feridas pela polícia: foram 29 em março deste ano e 19 em abril de 2021. Fora de serviço, policiais feriram 17 pessoas em março e 10 no mês seguinte. Nenhum policial morreu em confronto em abril deste ano.
Na soma entre homcídois dolosos (quando há intenção de matar) e pessoas mortas pela polícia, o índice fica em 20% – ou seja, assim como em fevereiro e março, a polícia foi responsável por uma em cada cinco dessas mortes. A título de comparação, em 2019, em toda a Colômbia, esse índice fica em 1,5%.
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Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a redução de 15,3% entre março e abril deste ano nas mortes provocadas pela polícia e de 36% de janeiro a abril deste ano, em relação a igual período do ano passado, se deve em parte a uma decisão política institucional. “Eu tenho a impressão que o Doria quis se diferenciar do Bolsonaro depois de um ano e meio de gestão muito marcado pela violência policial, ele colocou o Coronel PM Fernando Alencar Medeiros, comandante geral com essa missão. Então, se o comandante resolve que não é para matar ele diz que não é pra matar”, argumenta.
Ela avalia que a redução mostra que as mortes provocadas pela polícia eram em sua maioria desnecessárias. “Se a ordem que vem de cima é para reduzir ao máximo, que vão punir quem está matando, eles realmente reduzem, e reduzem porque a maioria das mortes são desnecessárias. Não tem mais policiais sendo vitimados e os homicídios não estão crescendo, ainda assim a letalidade reduziu. Lembra que no primeiro ano do Doria ele defendia a letalidade com unhas e dentes? Foi eleito dizendo que ia colocar a polícia para atirar primeiro e perguntar depois, ele mudou de discurso em Paraisópolis. Ali foi um divisor de águas. Eu não acho que tenha sido nenhuma grande mudança de gestão, ou de treinamento, ou porque compraram algumas centenas de câmeras corporais”, entende.
De acordo com a Polícia Militar, são três batalhões com operações iniciadas com câmeras para uso no uniforme, totalizando 2 mil policiais e “cerca de 3 milhões de pessoas beneficiadas pela tecnologia”.
Para a advogada e socióloga Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a redução da letalidade está ligada à adoção de um conjunto de medidas de gestão da Polícia Militar. “Criou-se uma comissão de mitigação de ações indesejadas, a cada caso de confronto é feita uma discussão interna na PM para entender como foi, o que estava por trás. Com essa medida, cada caso vai ser estudado e analisado, o que mostra para a tropa que não é banal o confronto, a troca de tiros, é preciso discuti-lo e a polícia está olhando para isso”, diz.
Além disso, ela pondera que há uma apuração mais célere de cada caso de ocorrência com resultado morte e um investimento equipamentos, desde o uso de câmeras corporais até equipamentos menos letais. Ela lembra que o aumento no número de mortes foi muito grande no começo do ano passado. “Houve uma pressão social em função disso e a polícia entendeu que precisaria se debruçar sobre isso”.
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Conforme apurado pela Ponte, em 2019, o governo de João Doria (PSDB) estabeleceu a Política Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, mas nenhum dos itens se refere à diminuição da violência policial. Já em 27 de abril deste ano, o governo paulista publicou o decreto nº 65.657 com a regulamentação dessa política, criando um fundo e um conselho com membros ainda a serem definidos, com o objetivo de acompanhar atividades da segurança pública, dentre elas as condições de trabalho e as denúncias nas corregedorias.
Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ainda considera o número de mortes em decorrência da atividade policial alta. “Nós tivemos um número elevado de mortes causadas pela polícia num momento de baixa movimentação na pandemia, esse número não tem qualquer explicação razoável”.
Para ele, a redução se deu em grande parte aos movimentos sociais. “Essa redução apontada pelo relatório acontece num segundo momento como resultado de mobilizações da sociedade civil muito intensas, de um posicionamento mais incisivo da imprensa que acabou investindo em uma cobertura mais ampla, atenta e responsável dos casos de racismo de brutalidade policial, também na esteira da morte do George Floyd nos Estados Unidos que teve bastante repercussão mundial”.
De acordo com o pesquisador é importante pensar que mesmo assim os dados permitem concluir que a polícia de São Paulo permanece uma das mais letais, com índices muito acima daqueles aceitos em países de governança democrática em relação à atividade policial. “Justamente por isso eu acredito que os movimentos sociais por direitos e a imprensa permaneçam essenciais para as transformações que a gente espera que a gente tenta precisa desse cenário”, conclui.
Redução em homicídios e aumento em estupros
O número de vítimas de homicídios dolosos (quando há intenção de matar) no Estado de São Paulo teve queda de 18,9% em abril deste ano, na comparação com o mesmo mês de 2020, passando de 272 para 214 casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, responsável pelos dados, ambos os números são os menores da série histórica, iniciada em 2001.
Em relação aos homicídios, a representante do Instituto Sou da Paz acredita que a pandemia transformou a dinâmica do crime organizado. “Os homicídios vinham caindo até 2019, em 2020 eles sobem de novo e agora eles voltam a cair, existem hipóteses de maiores conflitos interpessoais por conta da pandemia até uma dinâmica do crime organizado que se reestrutura com o impacto econômico da pandemia”, afirma Carolina Ricardo.
O esclarecimento e as investigações são imprescindíveis para haver mais clareza sobre a ocorrência dos assassinatos, diz Carolina. “É preciso a investigação para cada um desses crimes, para sabermos o que está por trás e aí podermos adotar medidas mais eficientes para a redução”.
Já o número de vítimas de latrocínios (roubo seguido de morte) seguio estával, com as ocorrências passando de 12 para 13 na comparação entre abril do ano passado para este ano.
O estado de São Paulo também teve aumento nos registros de estupro, passando de 615 casos, em abril do ano passado, para 915 registros no quarto mês deste ano, um aumento de 38,43%. As medidas de isolamento em São Paulo entraram em vigor em março de 2020.
Segundo Carolina Ricardo, os dados de estupro em SP vinham crescendo até o início de 2019 e durante a pandemia os registros cairam, o que indicaria subnotificação. “Sabemos que a maioria dos estupros é o de vulnerável, com a maior parte das vítimas de estupros são crianças e adolescentes e que portanto estão confinados em casa, sem poder sair, isso limita muito a possibilidade que o registro dessas ocorrências aconteçam”.
Ela diz que a tendência acompanhada antes da pandemia está voltando a crescer e que a resposta para esse tipo de crime não pode ser só policial. “Precisa facilitar o canal de acesso para mulheres e crianças, para as denúncias acontecerem precisamos acessar outros serviços como saúde e educação, além da busca ativa de serviços de assistência social, não é uma resposta policial”.
Outro lado
Procurada pela Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) respondeu em nota que a quantidade de pessoas mortas em confronto com policiais militares em serviço “vem caindo de maneira consistente no Estado”.
Segundo a pasta, todas as circunstâncias relacionadas às mortes decorrentes de intervenção policial são rigorosamente investigadas pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, pela Polícia Militar, por meio de IPM, com acompanhamento das Corregedorias e do Ministério Público, e relatadas ao Poder Judiciário. “Quando comprovados delitos, as punições são determinadas de acordo com as leis nacionais e com o Código Disciplinar da PM”.
A SSP diz ainda que tem intensificado ações e iniciativas, como a revisão de procedimentos quando necessário, dentro das duas instituições. “A PM, por exemplo, deu início à atualização de seus procedimentos operacionais padrão (POP), bem como do manual de Direitos Humanos da instituição. Todos os policiais militares frequentam anualmente o EAP (Estágio de Aperfeiçoamento Profissional). Em parceria com a sociedade civil organizada e universidades, a PM integra um grupo de trabalho para discutir o racismo estrutural na sociedade”.
Já a Polícia Civil aumentou a carga horária de matérias relacionadas aos Direitos Humanos em cursos ministrados pela Acadepol, afirma a nota.
Sobre os crimes de estupro, a pasta informa que a variação destes indicadores é alvo de análises. “Na capital e no Estado de São Paulo, a maioria dos delitos foi cometida por conhecidos das vítimas e por pessoas que tinham relação com elas, como ex-maridos, ex-companheiros, ex-namorados, pai, padrasto e vizinhos”.
A Secretaria disse ainda que São Paulo tem intensificado as ações de combate à violência sexual e para reduzir a subnotificação, inclusive com campanhas para estimular a denúncia contra os agressores. “Todas as delegacias territoriais do Estado, incluindo as 138 DDMs, estão aptas a acolher as vítimas, registrar e investigar os casos desta natureza. Além disso, a SSP, junto às Polícias Civil e Militar, implementou meios digitais, a DDM online e o SOS Mulher, para proteger a mulher vítima de violência”.
[…] FONTECom informações da Ponte Jornalismo […]