Morto após abordagem da PM vendia bala no farol e sonhava em ser cantor

    David dos Santos foi encontrado morto, segundo a família, com sinais de tortura, horas depois que policiais o colocaram dentro de uma viatura em São Paulo

    David e o ídolo, MC Kauan Coringa | Foto: Reprodução/Facebook

    Fã do MC Kauan Coringa e com o sonho de se tornar cantor de funk, David Nascimento dos Santos, 23 anos, era brincalhão e muito focado em conquistar seu dinheiro honestamente, conforme contam amigos e familiares. Ele saía diariamente da comunidade onde morava, na região do Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo, e caminhava por alguns metros até chegar na Marginal do Pinheiros, onde trabalhava vendendo balas e doces.

    Responda à pesquisa Jornalismo e coronavírus

    Em uma de suas músicas que compunha na esperança de viver do funk, Dede, ou MC 2Dêeh, como era conhecido, relatava um pouco de sua história e seu sonho: 

    “Ficava no farol só para ganhar um trocado 
    Hoje eu estou suave, uma fiel tenho ao meu lado 
    Fui criado pela minha coroa desde um ano de idade 
    Sei que a vida não é fácil 
    Meu castelo de madeira era um barraco 
    E voando baixo, condição para minha família 
    Ajudar quem passa dificuldade 
    Sei que são altos e baixos 
    Mas por dia vários leões são degolados” 

    ▫️Nunca deixe que as pessoas te desanime, se você tem um sonho , vai na luta é não desista só não seja mais 1 parasitaMc's da Quebrada #Da_Favela_Pro_Mundo🚀☯️💣🎵💥

    Publicado por Davi Chavãoo Mt-fé em Terça-feira, 21 de janeiro de 2020

    Na noite da última sexta-feira (24) ele foi abordado por policiais militares na entrada da rua onde morava, enquanto esperava um lanche que pediu pelo aplicativo de comida iFood. Na mesma noite, o rapaz foi encontrado morto e, segundo a família, tinha sinais de tortura. 

    Dede era jovem, preto e da favela. “Mataram ele pela aparência. Não procuraram saber se realmente ele tinha feito algo de errado naquela noite, e pegaram o primeiro que viram”, afirma uma amiga de infância do rapaz que, por medo, não quis ser identificada. 

    David era vendedor ambulante | Foto: Reprodução/Facebook

    Em rede social, o jovem dividia suas publicações entre demonstrações do quanto que era fã do MC Kauan Coringa, o desejo de se tornar MC, além de informações sobre os novos produtos que comprava para vender no farol e textos sobre a pandemia do novo coronavírus. 

    Quando soube da morte do vendedor ambulante, Mc Kauan usou o Instagram para prestar homenagem ao fã. “Mais um moleque firmeza que foi morar com Deus”, disse o cantor. 

    Na homenagem de mais de cinco minutos na ferramenta story (de publicações que ficam por 24 horas), Kauan terminou com uma rima: “Se liga rapaziada, escuta o que vou dizer. Hoje o Coringa chora, com saudade do Dede”.

    Em um dos shows de MC Kauan que David foi, o vendedor ambulante foi ao camarim do cantor para tirar foto. O MC, então, fez uma brincadeira com o rapaz, fingindo que ia tirar foto enquanto gravava o momento (vídeo abaixo)

    O vendedor ambulante estava prestes a completar nove meses de namoro. No Facebook, a namorada publicou um trecho de uma música que o rapaz havia feito para ela. David deixa dois filhos de outros relacionamentos. 

    A Ponte questionou, na noite de sábado (25/4), a Polícia Militar sobre a abordagem ao rapaz e a morte logo depois. Na manhã deste domingo, a Secretaria de Segurança Pública enviou uma nota dizendo que “todas as circunstâncias relacionadas aos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pelo 93º DP, responsável pela área e por meio de IPM instaurado pela Polícia Militar”. 

    Sobre o vídeo que mostra David sendo abordado por policiais militares pouco antes de ser encontrado morto, a secretaria afirma que “está sob análise e a Corregedoria da PM acompanha o andamento das investigações”. 

    Procurada pela reportagem, a Ouvidoria de Polícias de São Paulo disse que está ciente do caso e vai abrir procedimento para acompanhar as investigações da corregedoria da PM e da Polícia Civil.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas