Serigne Mourtalla Mbaye, mais conhecido como Talla, morreu na última terça-feira (23/4), no centro de São Paulo; protesto cobrou justiça e ações menos violentas da PM contra imigrantes africanos
Serigne Mourtalla Mbaye, de 38 anos, morreu na terça-feira (23/4), mesmo dia em que o filho Baye Mbaye completou três anos. O senegalês vivia no Brasil há quase três anos. Em São Paulo, morava no edifício Japurá, na rua Guaianases, centro da capital. “Ele vivia para trabalhar e sustentar a família”, diz um amigo que não acredita na versão policial sobre a morte. Segundo a Polícia Militar, Talla, apelido do estrangeiro, caiu do 6º andar durante uma ação da polícia no prédio. “Por que ele faria isso?”, perguntou o amigo.
Senegaleses e africanos de outras nacionalidades protestaram após morte de Talla na tarde desta quinta-feira (25/4). O grupo saiu da rua Guaianases, em frente ao prédio onde o imigrante morreu, e seguiu até a sede da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), na Praça Ouvidor Pacheco e Silva.
Carregando uma faixa com uma foto de Talla e dos dois filhos dele — Baye e Mogaye Mbay, de três e cinco anos, respectivamente —, os manifestantes percorrem o Centro de São Paulo cobrando uma resposta sobre a morte. “Justiça por Talla!”, repetiam.
Na sede da SSP-SP, dois representantes do grupo e o advogado Edson de Jesus Santos, que acompanha o caso, foram recebidos pelo chefe de gabinete da pasta, Mauro Cezar dos Santos Ricciarelli.
Na reunião, contou o senegalês Mame Balla Niang, 31 anos, foi cobrada investigação sobre a morte de Talla. Foi dito que os PMs não tinham mandado e, mesmo assim, entraram no seu apartamento. Também foi exigida uma postura menos hostil da Polícia Militar com a comunidade africana em São Paulo. “Falamos para ele que sofremos violência policial no Brás e na Guaianases quando estamos trabalhando. Agora, esperamos uma resposta”, diz Mame.
A Ponte procurou a SSP-SP questionando sobre a reunião e possíveis encaminhamentos a partir dela. Em nota, a secretaria informou que ouviu as demandas do grupo e falou sobre o andamento das investigações das polícias Civil e Militar sobre o caso
PMs entraram sem mandado
A morte de Talla foi registrada no 2º DP do Bom Retiro. Em depoimento, o tenente Fernando Adriano Lopes e o policial Felipe dos Reis contaram que encontraram três homens “em atitude suspeita” na frente do prédio. Nada foi encontrado com o trio, que foi liberado.
Ainda na versão dos policiais, um dos jovens teria dito que em um dos apartamentos era realizado comércio ilegal de celulares. Sem mandado, os PMs entraram no prédio. Ao chegarem ao 6º andar, os policiais contaram ter visto a luz de um apartamento acesa e, através da fresta da porta, verificaram que havia alguém ali. A dupla relatou ter pedido para entrar no apartamento, mas não foi atendida. Sem resposta, entraram e teriam prendido um homem que, segundo os policiais, tentava fugir pela janela.
Na versão dos PMs, Talla estava na marquise do apartamento quando eles entraram. Eles teriam pedido que ele parasse, mas Talla teria tentado se pendurar na marquise do andar inferior e caído. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi ao local e atestou a morte.
Para os amigos, a ilegalidade da ação policial contribuiu para a morte de Talla. Um morador do prédio que preferiu não se identificar disse que, ao ver o jovem no chão, um dos PMs disse: “o lixo caiu”. “Ele era uma pessoa muito boa. Tenho muito medo do que pode acontecer depois disso”, afirma o morador, que não quis se identificar.
O caso foi registrado pelo delegado Sandro W. Tavares Távora como morte acidental. No BO, consta a apreensão de 44 celulares.
Velório em Senegal
Talla veio ao Brasil trabalhar. Primeiro, morou em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e depois se mudou para São Paulo. Vendia roupas e não gostava de ficar muito tempo fora de casa, conta o amigo Junior Diop, 38 anos. Os dois se conheceram no Sul do país.
O senegalês era quem sustentava a família. Os dois filhos moram nos Estados Unidos com a mãe. Todo dinheiro que recebia era enviado para o custeio das despesas das crianças. “E agora, a família vai fazer o quê? Vai passar fome, porque não vai ter ninguém mais que ajude a família dele”, lamenta Júnior.
Ele conta que o amigo gostava de ouvir música da terra natal, comer a comida do Senegal e, aos fins de semana, ficar junto aos compatriotas para recordar e falar sobre o país africano. “Ele era um cara muito gente boa. Sempre dava risada”, conta.
Além da busca por justiça, os amigos se unem para conseguir o translado do corpo para o Senegal. Querem que Talla seja enterrado onde nasceu. “Queremos que ele fique na nossa terra”, fala Júnior.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a SSP-SP questionando sobre a reunião desta quinta-feira (25), sobre a a versão policial sobre a morte ser contestada e solicitando entrevista com os policiais militares envolvidos. A pasta respondeu apenas sobre a reunião:
A Polícia Militar acompanhou a manifestação realizada nesta quinta-feira (25), na região central da Capital. Representantes do grupo foram recebidos por integrantes da Secretaria de Segurança Pública. Durante a conversa, os manifestantes apresentaram suas demandas e foram informados sobre o andamento das investigações das polícias Civil e Militar sobre o caso.