Policiais afirmam que Rafael da Silva Pereira resistiu à abordagem e atirou contra eles, mas mototaxista estava apenas transportando um cliente
O mototaxista Rafael da Silva Pereira, 21 anos, foi atingido na perna esquerda durante um confronto armado, no último domingo (17/12), na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alemão por moradores, o jovem foi detido por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A alegação para a prisão em flagrante foi resistência (artigo 329 do Código Penal). Na versão dos policiais militares, Rafael dava fuga para um criminoso procurado e atirou contra eles, que revidaram.
Segundo a advogada do mototaxista, Fernanda e Silva Neiva, o jovem estava em seu veículo a trabalho, transportando um cliente, que depois soube ser um traficante da região por volta das 6h da manhã, quando houve uma troca de tiros entre policiais da UPP local e traficantes armados na localidade da Birosca, nos arredores da Rua Austregésilo.
“O que eles (PMs) alegam é que o Rafael faz transporte de bandido. Mas isso é difícil de um mototaxista não fazer”, alega a advogada ao explicar que não há como saber a vida progressa de todo cliente. O traficante que estava na garupa da moto conseguiu fugir. “Mas ele não foi reconhecido como quem atirou, e sim como fazendo parte do grupo que entrou em confronto com a polícia”, esclarece Fernanda.
A Ponte entrou em contato com a UPP por e-mail para pedir detalhes da operação. De acordo com a assessoria de comunicação, “policiais em patrulhamento foram atacados por criminosos na localidade conhecida como Claro, por volta das 5h30 deste domingo (17/12)”. Ainda, segundo a nota, após o incidente, os agentes realizaram buscas pelos hospitais da região e localizaram um homem baleado na UPA Alemão. “O ferido foi transferido para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier. O caso foi registrado na Central de Garantias, na Cidade da Polícia”, conclui.
A nota original da UPP, no entanto, não explicita que o mototaxista ferido se encontrava custodiado pela polícia, ou seja, que além de ter sido baleado, foi preso em flagrante. “Eu também me surpreendi quando me disseram que ele era suspeito de ter trocado tiro com a polícia”, disse uma pessoa próxima do mototaxista que prefere não se identificar.
A reportagem enviou novas perguntas à UPP para entender se houve alguma detenção no decorrer dessa operação; qual a identidade dessa pessoa; quais eram as suspeitas e se o mototaxista ferido se encontrava custodiado.
A UPP não deu detalhes sobre as suspeitas dos policiais, limitando-se a dizer que “a vítima foi encontrada depois da ação do último domingo (17/12) e permaneceu sob custódia policial no Hospital Municipal Salgado Filho, de onde recebeu alta na tarde desta terça-feira (19/12)”, sendo conduzida para ser ouvida na Cidade da Polícia, no bairro do Jacaré.
Na audiência de custódia realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rafael não esteve presente, já que estava hospitalizado, e a juíza Letícia D’aiuto de Moraes Ferreira Miichelli excluiu qualquer ilegalidade na prisão e considerou que o flagrante foi “formal e perfeito”. A íntegra está no processo nº 0329358-36.2017.8.19.0001. A magistrada afirma que “as circunstâncias e a forma como o crime teria sido praticado são preocupantes, sobretudo pela notícia de que o custodiado teria atirado contra a vida de Policiais Militares quando se evadia em perseguição policial, efetuando diversos disparos”, seguindo irrestritamente a versão dos PMs.
Segundo a advogada de Rafael, Fernanda e Silva Neiva, por conta do recesso forense, há a possibilidade de o mototaxista ficar preso provisoriamente durante o natal, na unidade prisional de Benfica, que serve como triagem do sistema.
Casos no local
Ainda em dezembro, no dia 2, a auxiliar de creche Karolayne Nunes, de 19 anos, foi atingida durante um confronto entre policiais da UPP e traficantes de drogas na mesma localidade. Familiares e testemunhas oculares do ocorrido confirmaram a troca de tiros, que contradiz a informação repassada pela UPP de que não houve confronto no local, conforme apurado pela Ponte.
Por conta das lesões, a jovem, que estava em seu quinto mês de gestação, acabou perdendo o bebê. A Ponte entrou em contato com familiares da jovem para atualizações de seu estado de saúde, mas ninguém respondeu.
Esse caso, porém, não é o único no local. A comunidade da Fazendinha também foi palco da morte do mototaxista Shrek, que levava uma passageira grávida na garupa de sua moto, quando foi alvejado com tiros de fuzil por policiais militares da UPP.