Entidades pelos direitos de crianças, adolescentes, população de rua e movimentos negros ocuparam prédio do Shopping Higienópolis, em bairro rico na região central de SP
“A gente está aqui pelo nosso direito de ir e mostrar que criança também tem que ser respeitada!”, vibrava Richard, 12 anos, quando largou o tambor que tocava para assumir o microfone diante do 3º andar do prédio do Shopping Pátio Higienópolis, localizado em bairro rico de mesmo nome na região central de São Paulo. Diversos movimentos sociais e negros caminharam e ocuparam o local nesta quarta-feira (27/2) em repúdio ao shopping que solicitou à justiça autorização para que seus seguranças privados pudessem apreender crianças e adolescentes em situação de rua e encaminhar à Polícia Militar.
O ato organizado pela Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio se concentrou no Largo Santa Cecília, seguindo pelas Ruas Dona Veridiana, Baronesa de Itu, Avenida Angélica até a Avenida Higienópolis, onde fica a entrada principal do shopping.
O tom da caminhada era dado pelo batuque da bateria Eureca (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente), formada por crianças e adolescentes do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. “A gente quer dialogar com a população e mostrar que para resolver uma questão social é fazendo políticas públicas porque esses meninos vão para a rua porque não têm assistência, não têm recurso. Não é com repressão que se resolve”, explica Neia Bueno, coordenadora do projeto de acolhimento. “Antigamente crianças e adolescentes em situação de rua eram tratadas como caso de polícia e agora a gente corre o risco de retroceder no tratamento para essa população. A gente tem um presidente que diz que tem rasgar o ECA, jogar na latrina. É um desrespeito”, complementou em referência à declaração de Jair Bolsonaro em coletiva em agosto do ano passado.
As entidades presentes também enfatizaram a questão racial envolvida, já que em setembro do ano passado, um pai registrou um boletim de ocorrência contra a administração após um dos seguranças revistar o seu filho, que é negro. “É um absurdo um shopping tratar de maneira higienista porque sabemos para quem população essa ação é direcionada, para quem o direito de ir e vir é negado que é para população negra e nós não vamos aceitar isso”, declarou o professor e militante da Uneafro Douglas Belchior.
A principal reivindicação do ato é para que o shopping não recorra da sentença da juíza Mônica Gonzaga Arnoni, que negou a solicitação em 18 de fevereiro por considerar uma “atitude discriminatória e ilegal”, argumentando, ainda, que “o shopping center requerente apresenta capacidade econômica e jurídica suficiente para, junto aos tantos agentes da rede protetiva, buscar auxiliar a vulnerável comunidade local”. O advogado Daniel Leon Bialski, que representa o Pátio Higienópolis, havia declarado ao jornal O Globo que recorreria em todos os canais competentes.
O protesto que seguiu ao coro de “fascistas, racistas não passarão” entrou pelas portas do shopping sem qualquer tipo de resistência por parte dos seguranças e estenderam grandes bandeiras até o parapeito do 3º e 4º andares. Alguns frequentadores do local desaprovaram a ação. Uma mulher com cachorro chegou a dizer que shopping não era lugar para ato e saiu de perto bufando quando os manifestantes cantaram “pisa ligeiro”. Uma funcionária de uma das lojas disse que teve que fechar o estabelecimento porque “os clientes ficaram com medo” e disse que o protesto estava dando uma “dimensão muito maior” do que de fato o shopping tinha pedido porque ela já presenciou “bagunça feita por morador de rua”.
Nesse momento, um homem de terno que fotograva o ato se irritou quando a reportagem o fotografou em meio ao protesto, seguindo o fotógrafo Daniel Arroyo para tirar satisfação, apesar de ele também ter fotografado a imprensa. “Eu não autorizo vocês usarem a minha imagem”, disse. “Mas o senhor também tirou uma foto minha, o que você vai fazer com ela?”, questionou Arroyo. “Isso é problema meu”, retrucou o homem.
Em meio ao cenário e após falas de membros do Movimento Nacional de População de Rua e Afronte, os presentes solicitaram publicamente que a direção do Pátio Higienópolis estivesse presente para se posicionar.
A advogada Maristela Almeida, que integra a área jurídica da administração do Pátio Higienópolis, apareceu no local e disse que a solicitação do shopping foi “mal interpretada” e que “a intenção não é recorrer desse assunto porque o resultado da decisão não foi bom em razão de uma interpretação equivocada”. Questionada pelos movimentos qual era de fato o pedido, a advogada disse que não conversaria sobre o assunto no local e sugeriu marcar uma reunião com representantes das entidades presentes. Ficou acertada que uma comissão vai combinar um encontro para a próxima quinta-feira (7/2), às 17h, no shopping.
Os manifestantes finalizaram o protesto com palavras de ordem e houve recitação de poesia. Um senhor chegou a gritar “Vão para Venezuela! Vão se fuder!”, quando os manifestantes já deixavam o local.
“Quando eu crescer, eu quero ser ator e ajudar as pessoas dando comida e lazer porque muitas pessoas moram na rua. Eu fico muito sentido com isso porque é muito triste, meu pai já morou na rua e eu sei que não é fácil. O que eu gostaria de falar para as pessoas é para que elas conheçam projetos [de educação] para elas entenderem, assim como eu entendi, que a gente não pode ter preconceito, a gente tem que respeitar”, desabafou Richard.