Grupos assinam petição contra o tenente coronel Ricardo Augusto do Nascimento de Mello Araújo. Em entrevista, policial citou “abordagem diferente” do bairro Jardins para a periferia
Petição elaborada por 55 movimentos sociais cobra a demissão do tenente coronel Ricardo Augusto do Nascimento de Mello Araújo, novo comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tropa de elite da PM de São Paulo. A reação tem como base declarações do PM sobre as abordagens serem diferentes na periferia e na região central da cidade.
O documento é destinado ao governador, Geraldo Alckmin (PSDB), ao secretário da segurança pública, Mágino Alves Barbosa Filho, o ouvidor das polícias, Júlio César Fernandes Neves, e ao procurador geral de Justiça do Estado, Gianpaolo Poggio Smanio. São feitas nove perguntas às autoridades e, até o momento, não houve resposta oficial.
Entre os questionamentos estão os padrões de abordagem, quem são os presos na operação deflagrada pela Rota na última semana, qual a base jurídica para “atuação diferenciada” da polícia militar, os bairros considerados periferias, o procedimento para a escolha do comando da Rota, entre outras.
“Entendemos que uma pessoa que professa e endossa uma forma de atuação diferenciada por parte da Policia Militar a partir de critérios territoriais, geográficos, sociais e raciais, que concebe deliberadamente a ideia de que a Polícia Militar deve ser mais violenta em um determinado perfil de localidade, sabidamente ocupada pela população negra e pobre, logo acaba por promover e incentivar condutas violentas e até criminosas de seus comandados”, sustenta a petição, citando o art. 5º da Constituição, o qual fala que “todos são iguais perante a lei” e o seu inciso XLI, sobre punição a “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Em entrevista ao portal UOL, Mello Araújo declarou que o policial tem de se adaptar ao local de serviço. “São pessoas diferentes que transitam por lá. Se ele (policial) for abordar uma pessoa (na periferia), da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins (bairro nobre de São Paulo), ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado, da mesma forma, se eu coloco um (policial) da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando. O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”.
Manifestações
Atos públicos pela cidade também ficaram marcados por críticas às falas do comandante da Rota. No sábado (26/8), a Tarde Anti-Nazista, realizada na Praça Roosevelt, região central, em apoio à resistência negra ocorrida na cidade de Charlottesville, nos Estados Unidos, teve críticas ao tenente coronel.
“As declarações do comandante da Rota são inaceitáveis e são a voz oficial de que existe, sim, discriminação da PM com os negros. Não podemos aceitá-las. O governador, ao não recriminar, só endossa as falas deste policial”, criticou Katiara Oliveira, da Kilombagem.
Durante o encontro, com duração das 14h às 17h, quatro vezes agentes do Estado tentaram interromper o ato. Duas vezes, GCM (Guardas Civis Metropolitanos) solicitaram a ida para outro espaço da praça, dizendo ser este o local para atos – pelo barulho gerar reclamação dos moradores. Posteriormente, viaturas e PMs a pé também abordaram os organizadores.
No domingo (27/8), a roda de conversa “Guerra às drogas e terrorismo de Estado”, que contou com uma apresentação das cantoras Maria Gadú, Ana Canas, o cantor Fióti e o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, teve fala com analogia sobre a “conivência com o racismo” ao compará-lo com o holocausto.
“Podemos ver no dia a dia uma violação quase imperceptível: vão em qualquer banca de jornal na cidade. Serão inúmeras revistas com capas sobre o nazismo, falam do quão mal aquele pensamento fez e quantas milhares de pessoas matou. Foi preciso um genocídio em massa, durante 15 anos, para haver um pacto entre os países europeus para nunca mais haver algo parecido. Aqui, no Brasil, são mais de 380 anos de escravidão, milhões de mortos neste intervalo, e não vamos nada disso. Nem revistas tratando do assunto”, sustentou Douglas Belchior, membro da UneAfro Brasil.
Além de Belchior, participaram das conversas Juliana Borges e Marcelo Rocha.
Outro lado
Questionada pela Ponte Jornalismo sobre a petição, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), através de sua assessoria de imprensa terceirizada, CDN Comunicação, respondeu com a seguinte nota:
“A SSP informa que recebeu a petição na última sexta-feira (25/8) e analisa as questões destacadas no documento. Toda atuação policial deve seguir os Procedimentos Operacionais Padrão, sem distinção, prezando pelo respeito ao cidadão”, aponta.
Foram feitas as perguntas abaixo à pasta e ao comando da PM:
- Haverá resposta por parte dos senhores governador e secretário sobre a petição?
- Nela, há nove questionamentos feitos para ambos. Estas perguntas serão respondidas de qual forma?
- Movimentos sociais pedem a saída de Mello Araújo do cargo por conta das declarações na entrevista citada. Existe esta possibilidade?