MP diz que major da PM deu versão falsa sobre morte de motoqueiro

Luan dos Santos, de 32 anos, ia com amigos ao litoral para comer camarão quando foi morto numa abordagem policial. Para o MP-SP, versão dada pelo major Rafael Cambuí é falsa. Justiça tornou o PM réu por homicídio qualificado

Luan dos Santos, de 32 anos, foi morto por major da PM-SP quando viajava com amigos ao litoral para comer camarão | Foto: Instagram/Reprodução

A Justiça de São Paulo tornou réu o major da polícia militar Rafael Cambuí Mesquita Santos por homicídio qualificado. Rafael é acusado de matar o motoqueiro Luan dos Santos, de 32 anos, que estava desarmado na garupa de uma motocicleta quando foi abordado. O crime é mais um dos cometidos por policiais durante a Operação Verão — que deixou 56 mortos na Baixada Santista no ano passado.

A decisão, assinada pelo juiz Alexandre Betini, é do dia 29 de janeiro. Para o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), que apresentou denúncia contra o major em dezembro, Rafael mentiu ao dizer que Luan colocou a mão no casaco, como se fosse sacar uma arma e que, depois de ferido, teria jogado o suposto armamento em um rio.

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“Essa conduta do ofendido é o que teria justificado o denunciado atirar. Contudo, apurou-se que fora uma história ‘montada’ para se esquivar da responsabilidade penal”, escreveram os promotores. A denúncia é assinada pelos promotores Marcio Leandro Figueroa. Raissa Nunes de Barros Maximiliano, Daniel Magalhães Albuquerque Silva, Francine Pereira Sanches e Fábio Perez Fernandez.

O grupo também pediu o afastamento do policial das atividades externas, o que foi acatado pela Justiça. O UOL revelou que, após a morte de Luan, Cambuí chegou a virar comandante de um batalhão. Na época do crime o major atuava no 1º Batalhão de Policiamento Rodoviário (BPM), mas foi transferido para o 4º BPM, em Jundiaí, após a morte. Na unidade, assumiu o cargo de comandante interino na virada do ano.

Imagem mostra parte da perseguição feita por major a Luan e os amigos | Foto: Reprodução

Baleado enquanto descia da moto

A morte ocorreu no dia 16 de fevereiro, na rodovia Anchieta, na altura de Santos. Rafael estava em uma viatura quando avistou duas motocicletas transitando — uma BMW e uma Honda que vinha logo atrás. Segundo o MP, os ocupantes dos veículos se conheciam. Luan estava na garupa da Honda. Ele filmou e transmitiu a viagem nas redes sociais. 

A viatura do policial Rafael passou a acompanhar as motocicletas por suspeitar que os ocupantes da Honda tentavam roubar a BMW. Sem pedir reforço policial para fazer um cerco, Rafael deu ordem de parada aos ocupantes da Honda. O pedido foi acatado. 

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Segundo o MP, Luan foi ferido enquanto descia da motocicleta. O tiro atingiu o tórax e, mesmo sendo socorrido, ele chegou sem vida ao hospital. Ao g1, à época da morte, a família de Luan contou que ele ia com os amigos ao litoral paulista para comer camarão. 

Major violou instruções da PM

Os promotores concluíram que a versão apresentada pelo major para justificar o tiro era falsa. Testemunhas, incluindo um policial civil que dirigia a BMW, afirmaram que Luan não estava armado. O condutor da moto disse que Luan estava com o braço direito apoiado em seu ombro quando foi ferido, o que se demonstrou consistente com as provas periciais colhidas.

Outra prova que derrubou a versão do major foi o laudo médico-legal — que concluiu que a vítima não tinha condições de atirar objeto algum depois de ter sido ferida. O tiro fez com que Luan entrasse em um estado rápido de inconsciência.

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Para o MP, o oficial da Polícia Militar violou Súmula de Instrução Continuada do Comando nº 14/2009. O texto, que trata de disparos em acompanhamentos, diz que:

  • é impossível efetuar disparo eficaz quando o atirador está em movimento;
  • com a viatura em movimento, o PM jamais poderá controlar a precisão do disparo;
  • a pista é irregular e causa solavancos na viatura que movimentam a mão do atirador;
  • não existe perseguição de infrator motorizado, mas sim acompanhamento pela viatura, numa distância segura, conduzida com segurança, utilizando a comunicação via rádio, para realização do cerco;
  • para combater um suposto crime de roubo de moto, não se justifica praticar um crime contra a vida. 

“O homicídio consumado foi cometido por meio de recurso que dificultou a defesa da vítima, vez que ela, durante a abordagem policial, não ofereceu resistência, tampouco estava armada”, escreveram os promotores.

Versão do PM

A versão apresentada pelo major Rafael é de que, durante a perseguição, ele viu Luan colocar a mão no bolso do moletom, como se fosse sacar uma arma. O major também afirmou ainda que o condutor da motocicleta em que Luan estava teria freado bruscamente, o que fez o colega que dirigia a viatura também frear. A ação, segundo Rafael, teria causado trepidação e o acionamento acidental do gatilho.

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Ainda segundo o PM, mesmo ferido, Luan teria continuado na garupa da moto e, com o condutor andando por mais uns metros, teria atirado num rio o suposto armamento.

O que diz a SSP

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) solicitando entrevista com um porta-voz para repercutir o caso e um posicionamento diante das violações apontadas pelo MP. Em nota, a pasta disse que o caso também foi alvo de um Inquérito Policial Militar, mas não informou sobre a conclusão. A SSP confirmou o afastamento de Rafael das funções externas.

Leia a nota na íntegra

O caso mencionado foi investigado pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic de Santos, e pela PM por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). Ambos os procedimentos foram relatados ao Poder Judiciário. Assim que tomou conhecimento da decisão judicial, o Comando de Policiamento Rodoviário determinou o afastamento do oficial, que foi remanejado para funções administrativas. A PM reitera o seu compromisso com a legalidade, a transparência e a preservação da ordem pública, assegurando o cumprimento rigoroso das determinações judiciais e institucionais.

A defesa do major Rafael Cambui Mesquita Santos não foi localizada. 

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