MPF arquiva inquérito sobre mortes de vítimas dos Crimes de Maio na Baixada Santista

Procurador João Paulo Lordelo justificou que Ministério Público de São Paulo reabriu investigação; Defensoria Pública e Mães de Maio pediram federalização do caso em 2010 e apontam falhas nas apurações de órgão estadual

Mãs de Maio em protesto no centro de SP em 2015, marcando 9 anos dos Crime sd eMaio | Foto: Rafael Bonifácio

A Procuradoria-Geral da República arquivou o pedido de federalização das investigações sobre as mortes de 12 pessoas na Baixada Santista no âmbito dos Crimes de Maio de 2006. O procurador João Paulo Lordelo Guimarães Tavares alegou que as falhas na condução dos inquéritos policiais já estão sendo apuradas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) Núcleo de Santos do Ministério Público de São Paulo.

Na manifestação, que data de 3 de agosto, o procurador argumenta que não ficou demonstrada a incapacidade dos órgãos locais em darem respostas sobre as violações de diretos humanos e, por isso, não haveria a necessidade de transferência de competência.

O Movimento Independente Mães de Maio, a Defensoria Pública de São Paulo, e as organizações Justiça Global e Ação dos Cristãos Para a Abolição da Tortura haviam feito o pedido de federalização do caso em 2010 ao apontar falhas e falta de esforços para apurar os assassinatos de Marcos Rebello Filho, Thiago Roberto Soares, Jô Farias da Silva, Edson Rogério Silva dos Santos, Wagner Lins dos Santos, Digo Vieira dos Santos Miranda, Anderson Francisco Anchia, o casal Ana Paula Gonzaga dos Santos e Eddie Joey Oliveira, sendo que Ana estava grávida quando foi morta, Ricardo Porto Noronha e Matheus Andrade de Freitas, ocorridos entre os dias 14 e 17 de maio de 2006; e Rogério Monteiro Ferreira, em 17 de março de 2007.

Mãe de Edson Rogério e fundadora das Mães de Maio, Débora Silva considera o arquivamento uma forma de “apagar as mortes cometidas pelo Estado”. “É uma tortura com as mães, que além de perdermos nossos filhos, somos criminalizadas, e o Ministério Público não faz controle externo da polícia, é conivente”, critica. “Depois de 15 anos dos crimes ainda temos que lutar contra um sistema judiciário racista que investiga o morto, mas não investiga quem matou”, desabafa.

Leia também: Crimes de Maio de 2006: o massacre que o Brasil ignora

Debora se refere especialmente ao posicionamento do Ministério Público Estadual na época dos crimes, quando 79 promotores assinaram um ofício em que reconheciam “a eficiência da resposta da Polícia Militar, que se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pública violada”, em 25 de maio de 2006, quando nem havia sido concluída a investigação das mortes. Apenas dois promotores se desculparam pelo posicionamento desde então.

Além disso, as Mães de Maio, junto à ONG Conectas Direitos Humanos, enviaram um ofício ao procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, em março deste ano, solicitando informações e providências sobre a disseminação e a utilização em processos judiciais de um vídeo com um depoimento da Promotora de Justiça Ana Maria Frigério Molinari. No vídeo, denunciado pela Ponte em 2015, a promotora mente, acusando as Mães de Maio de terem ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Apesar disso, Ana Maria nunca recebeu punição do órgão. 

A defensora pública Fernanda Balera disse à Ponte que o órgão soube da manifestação da Procuradoria-Geral da República na segunda-feira (9/8) e que está estudando estratégias para reverter a situação. “A gente não concorda com essa avaliação [do procurador] e não é à toa que pedimos investigação do caso à órgão internacionais”, pondera.

Na semana passada, a Comissão Internacional de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), considerou que a petição feita pela Defensoria Pública do estado de São Paulo em 2015 trouxe elementos demonstrando que violações gravíssimas de direitos humanos – direito à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias judiciais, aos direitos da criança e do adolescente e à proteção judicial – aconteceram nos eventos que sucederam a ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em maio de 2006.

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Além do pedido de federalização da Defensoria, há também um feito pela Conectas, que solicitou à Procuradoria-Geral da República que o caso da chacina do Parque Bristol, um dos mais emblemáticos Crimes de Maio, fosse investigado na esfera federal. Somente em maio de 2016, dez anos após os assassinatos, Rodrigo Janot, o então procurador-geral da República, acatou a solicitação da entidade e apresentou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) o pedido de federalização desse caso. A solicitação, contudo, está parada no tribunal. Raquel Dodge, quando sucedeu Janot em 2017 na PGR, não tomou o caso a frente, apesar de ela mesma ter feito a recomendação no relatório São Paulo sob Achaque, do qual havia sido uma das autoras em 2011.

O que diz a PGR

Procurada pela Ponte, a assessoria do Ministério Público Federal reiterou que “na avaliação do procurador responsável pelo parecer, não cabe Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) no caso” porque o Gaeco de Santos sanou as falhas questionadas sobre a apuração do caso ao abrir uma investigação no âmbito estadual.

O que diz o Ministério Público Estadual

A reportagem também questionou a assessoria do órgão sobre as investigações dos crimes na Baixada Santista e o pedido de informação das Mães de Maio sobre a atuação da promotora Ana Maria Molinari e aguarda uma resposta.

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